segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O Rei Leão

É difícil falar de “O Rei Leão” considerando-o como um filme normal, de origem normal –ao empreender as já famosas versões live-actions de suas aclamadas animações clássicas, a Disney criou uma categoria de obras que já vêm atreladas à uma realização anterior.
No caso de “O Rei Leão” –confiado ao diretor Jon Favreau após sua perspicaz demonstração de competência e sensibilidade em “Mogli-O Menino Lobo” –essa espécie de dependência se dá porque a obra refilmada em questão, de 1994, nem é tão antiga assim (“Mogli”, a animação, datava de 1967, cinquenta anos, portanto, antes do filme), estando ainda muito fresca na memória de seu público alvo; inclusive, porque as mídias digitais permitiram que alguns filmes se mantivessem populares e relevantes ao longo dos anos, sendo “O Rei Leão” um deles.
A pergunta que não tarda a aparecer é, assim, a mesma que assombra toda essa iniciativa da Disney: Por qual razão refilmar obras que, em sua maioria, passaram à crônica como grandes e não raro irretocáveis trabalhos?
A resposta mais válida e imediata é a gorda bilheteria que muitas dessas produções conquistaram, porque, a rigor, não existem muitos outros méritos a serem encontrados.
Certamente assolado por todas essas inquietações durante este projeto, o diretor Jon Favreau refaz a animação quase frame a frame (bem diferente de seu trabalho em “Mogli”, no qual fez algumas modificações bem pontuais na trama), inserindo no lugar da animação tradicional animais gerados por computação de um hiper-realismo tal que chega a lembrar alguns documentários da “National Geographic”; o que refuta, por definição, o próprio termo live-action, uma vez que, como na animação, não existem personagens nem encenação humana aqui.
Primogênito do rei dos animais Mufasa (cuja voz estrondosa fica mais uma vez a cargo de James Earl Jones), o pequeno Simba, ainda filhote, cai nas artimanhas malignas elaboradas pelo tio, Scar, amargurado pelo fato da sucessão ao ‘trono’ não lhe privilegiar –e, nesse enredo básico se enxerga, em linhas evidentes, a aspiração à “Hamlet”, de William Shakespeare, almejada tanto na animação quanto agora no filme.
Essa continuará sendo a orientação da trama quando uma cilada terrível perpetrada por Scar levar à morte de Musafa; na recriação da famosa cena do estouro da manada de gnus que, embora ostente o primor técnico esperado falha no quesito de surpresa e assombro que tornava a animação, na sua época, inesquecível.
Tornado um renegado –afinal, a culpa pela morte do próprio pai recaiu sobre seus ombros –Simba foge para longe deixando Scar reinar e refugiando-se nas irrequietas companhias dos desocupados Timão e Pumba, os divertidíssimos alívios cômicos do filme.
Contudo, em algum momento, a herança e o passado de Simba irão exigir que ele reconheça suas responsabilidades, e retorne para confrontar Scar.
Em toda a extensão do filme não faltam as célebres canções pelas quais “O Rei Leão” se tornou famoso: Lá estão “Circle Of Life”, “Hakuna Matata”, “Can You Feel The Love Tonight” e outras, refeitas com a sensibilidade moderna e musical de Beyoncee, ilustre encarregada da trilha sonora.
É interessante notar que, nessa transposição quase literal do filme de um formato para o outro (quando muito algumas cenas e diálogos acabam mais estendidos, alongados e incrementados) ocorre um inusitado processo onde se evidenciam as fragilidades narrativas da história: Por sua natureza talvez mais pueril, a animação não soava maniqueísta ou despida de sutileza nas passagens de um evento para o outro, fator que acomete o filme simplesmente porque a percepção que se tem de uma encenação realista (ainda que sejam animais gerados virtualmente) é diferente de um desenho animado –e são essas percepções que terminam sendo o calcanhar de Aquiles da obra de Jon Favreau.
Ele fez o que podia: Caprichou no quesito visual criando sequências de encher os olhos, e manteve fidelidade canina ao material original certo de que seria crucificado se fizesse o contrário.
O resultado de tudo isso é que, embora lindo de se ver, “O Rei Leão”  tem a inusitada característica de já nascer com sabor de requentado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário