Homem-Aranha
Tinha uma aura irresistível de sonho realizado
quando foi anunciada, aproximadamente no fim da década de 1990, a primeira
adaptação do herói das histórias em quadrinhos, Homem-Aranha, para o cinema sob
a direção de Sam Raimi, que anos antes tinha entregado uma obra tão
satisfatória no quesito de “linguagem dos quadrinhos transposta para a tela de
cinema”: O sensacional “Darkman-Vingança Sem Rosto”.
A visão de Raimi do herói primava pela
aproximação carinhosa dos conceitos clássicos do personagem, aproveitando muito
do material oriundo dos quinze primeiros anos de revistas publicadas, a fase
considerada a melhor de todas pelos fãs, escrita pelo próprio criador Stan Lee.
Apesar de algumas liberdades criativas bastante discutíveis (os lançadores de
teia orgânicos eram, e ainda são, uma sacada difícil de engolir), público e crítica
estavam tão extasiados em finalmente poder conferir um filme do Homem-Aranha
–inclusive com um prodigioso trabalho de efeitos especiais onde eram
concretizadas as então inacreditáveis cenas do herói se balançando em prédios –que
todos os possíveis deslizes foram perdoados.
Partindo com prudência e propriedade do
princípio básico da origem, o filme mostra o jovem e nerd Peter Parker (Tobey
Maguire, na época uma escolha perfeita) que vai a um laboratório onde é mordido
por uma aranha geneticamente modificada, ganhando assim poderes similares aos
de um aracnídeo como a capacidade de escalar paredes, saltar cerca de 6 metros,
força proporcional a de uma aranha, e um sensacional sentido contra o perigo.
Inicialmente, decidido a usar esses dons para
conseguir dinheiro e impressionar seu amor não correspondido, a garota da casa
ao lado Mary Jane Watson (Kirsten Dunst), Peter assiste a uma sucessão de
eventos resultarem no assassinato de seu tio Ben (Cliff Robertson), pelas mãos
do mesmo bandido que ele deixara escapar minutos antes.
À sombra da morte de seu querido tio, Peter faz
uma promessa (jamais permitir que criminoso algum escape) assumindo assim a
identidade do herói mascarado Homem-Aranha.
A escolha desse caminho leva Peter assim a
colidir com o mal-feitor mascarado Duende Verde, na verdade, a identidade
inconseqüente, inescrupulosa e imprevisível de Norman Osborn (Willen Dafoe,
magistral no personagem a despeito da infeliz escolha visual de sua armadura),
pai de seu melhor amigo, Harry (James Franco).
Preenchendo todas as lacunas possíveis da
expectativa do público –o filme tinha ação, aventura, comédia, drama e romance
–o primeiro “Homem-Aranha” arrastou multidões aos cinemas, mesmo em um período
monopolizado por um fenômeno como “O Senhor dos Anéis”.
Homem-Aranha 2
Uma continuação era inevitável depois do grande
sucesso do filme de 2002 e, para seguir a mesma trilha de sucesso, a equipe
original foi mantida, com o diretor Sam Raimi comandando o mesmo elenco.
Ele aproveitou essa nova chance para aprofundar
as questões envolvendo a dicotomia entre o desafortunado Peter Parker e as
responsabilidades acarretadas por sua contra-parte, o Homem-Aranha, que o
impedem de organizar os problemas de sua própria vida –uma dinâmica genial
originada dos quadrinhos e que Raimi soube compreender com perícia tratar-se da
grande razão para o sucesso do personagem.
Ele também foi beneficiado pela escolha de um
antagonista muito mais carismático e interessante do que o Duende Verde, o
Doutor Octopus, que encontrou no exuberante e sensível ator Alfred Molina, um
intérprete ideal.
Identidade secreta do Homem-Aranha, Peter
Parker (Maguire, cujos problemas físicos durante as filmagens acabaram virando
lenda) descobre as impossibilidades de conciliar sua vida de super-herói com a
rotina de uma pessoa normal que inclui manter seu emprego como fotógrafo no
Clarim Diário, cuidar de sua tia May (Rosemary Harris), já idosa, e resolver
seus problemas amorosos com Mary Jane (Dunst, prejudicada pela irritabilidade
de sua personagem), que acabou noivando com o filho de seu chefe.
Tamanha tensão resulta num súbito stress cujos
sintomas são a perda de seus poderes (!), e a possibilidade do Homem-Aranha não
mais existir. Entretanto, surge também um novo vilão, o Doutor Octopus (Molina,
escolhido após sua belíssima participação em “Frida”), que com seus planos
megalomaníacos pode por em risco toda a cidade de Nova York. Uma tragédia que
só o Homem-Aranha poderá impedir.
Tomando como base narrativa para esta
continuação justamente alguns desdobramentos narrativos de “Superman 2” (o
primeiro “Homem-Aranha” já se inspirava em muita coisa de “Superman-O Filme”),
Sam Raimi tratou de fazer seu dever de casa aprimorando os efeitos especiais
que, do filme anterior para este, sofrem uma espantosa evolução, e emoldurando
todos esses detalhes com uma trama sólida, detalhada e inesperadamente humana
–fruto do esforço conjunto de quatro competentes roteiristas: Alfred Gough,
Miles Millar (ambos da antiga série “Smalville”), Michael Chabon (“Garotos
Incríveis” e “Harry Potter”) –estes três creditados como argumentistas –e Alvin
Sargent (ganhador do Oscar de Roteiro Adaptado por “Gente Como A Gente”).
Saldado como o melhor filme de super-heróis
realizado até então (e o melhor filme do Homem-Aranha até hoje!), “Homem-Aranha
2” ainda se deu ao luxo de encerrar-se com ganchos contundentes para uma
promissora e aguardada parte três.
Homem-Aranha 3
Todavia, as coisas mudaram no terceiro filme (e
não foram para melhor...).
Apaixonado pelas HQs clássicas do personagem, e
desejoso de manter essa orientação ao nomear como antagonista da vez o
Homem-Areia (Thomas Alden Church, de “Sideways-Entre Umas e Outras”), vilão
conhecido dos fãs antigos, mas pouco popular entre os fãs mais novos, Sam Raimi
recebeu uma espécie de incumbência do estúdio da Sony: Atender à demanda dos
fãs mais jovens e incluir em seu filme um vilão mais recente, surgido ainda na
década de 1990, o truculento Venon.
Raimi, que assumiu o roteiro junto de seu
irmão, Ivan Raimi, teve de ordenar uma narrativa que exigia três necessidades:
A primeira, dar o devido tempo, atenção e importância dramática ao seu vilão
escolhido, Homem-Areia; a segunda, dar igualmente atenção e importância
dramática ao vilão que lhe foi imposto, o Venom (e é desagradavelmente perceptível
na narrativa o desprezo que Raimi nutre por ele); e a terceira, dar o devido
respaldo e conclusão a uma série de pontas soltas de narrativa deixadas como
mote no fim do segundo filme.
O resultado foi um roteiro equivocado,
enfadonho, excessivamente longo e pouco interessante onde os personagens
(inclusive seu protagonista) eram apresentados com motivações mesquinhas,
prejudicando a identificação do público.
Quando tudo começa, Peter Parker (Maguire, aqui
num registro mais desleixado que do outros dois filmes) sente-se nas nuvens finalmente
junto de Mary Jane, seu grande amor (Kirsten Dunst, também ela aparentemente
afetada), mas nem tudo é festa na vida do Homem-Aranha; seu outrora melhor
amigo Harry Osborn (James Franco, o pior de todos), sabendo do segredo de sua
identidade secreta torna-se o novo Duende e parte para a vingança; além dele
surge o poderoso Homem-Areia (Alden Church, fazendo o possível num personagem
completamente perdido na trama), então um dos suspeitos da morte do tio Ben
ocorrida no primeiro filme; e a bela loira Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard,
belíssima, porém sub-aproveitada numa personagem icônica dos quadrinhos, mas
empregada aqui de maneira tola) aparece para introduzir ciúme e desconfiança em
seu relacionamento com Mary Jane.
Quando os problemas parecem se acumular surge
um uniforme negro, que lhe amplifica a força e parece ser de origem alienígena.
Mal sabe Peter que ele será a semente do que talvez venha a ser o mais perigoso
inimigo do Homem-Aranha: o maquiavélico Venon.
“Homem-Aranha 3” foi o
ponto final em uma festejada trilogia de um personagem bastante aguardado no
cinema, que começou muito bem, mas terminou revelando as conseqüências bastante
prejudiciais do desgaste criativo de seu realizador.
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