O wuxia é um sub-gênero de filmes chineses que
envolvem artes marciais muitas vezes ambientados num período histórico
ancestral, neles os atores realizam cenas de lutas coreografadas que desafiam a
lei da gravidade.
Ang Lee sempre foi um diretor de filmes
dramáticos, de orientação quase neo-realista, voltados para a importância de
uma boa interpretação.
Parecia improvável a união de um diretor tão
austero e voltado para os meandros íntimos dos personagens e de suas histórias
como Ang Lee, com um gênero tão popularesco quanto o wuxia.
Essa improbabilidade respondeu como uma das
maiores e mais saborosas surpresas no ano 2000, quando foi lançado “O Tigre e O
Dragão”. Esse projeto deu a Ang Lee a oportunidade de voltar à infância e
realizar um wuxia, o tipo de filme que adorava quando moleque.
O resultado desse reencontro com o próprio
passado cinéfilo é um épico apaixonado, onde cada cena é tratada como uma
pintura, um cuidado todo especial, onde é mais possível e perceptível ver o
quanto o cinema é algo mágico.
É por meio dessa magia que Lee nos transporta
para a China Antiga, onde o nobre e habilidoso guerreiro Li Mu Bai (o magnífico
Chow Yun Fat) deseja repousar após uma exaustiva vida de lutas.
Para tanto, ele confia à sua companheira Shu
Lin (Michelle Yeoh), por quem secretamente é apaixonado, sua lendária espada
Destino Verde, capaz de tornar imbatível qualquer guerreiro que a empunhar,
para que seja entregue a um velho amigo.
E por aí se vê, então, que “O Tigre e O Dragão”
já não está tão longe da filmografia de Ang Lee como incialmente se imaginava:
Lá estão os personagens, plenos da necessidade de viver, tolhidos pelas
circunstâncias geradas pelo tempo e local ao qual pertencem.
Lá está também o gatilho emocional que dá
margem para a quebra dessa tradição e para a chance de realizar seus sonhos, ao
mesmo tempo em que entrelaça todos numa única e dinâmica narrativa, como
veremos mais à frente, já que, um pouco mais tarde, a espada Destino Verde é
roubada pela jovem Jen Long (a linda e expressiva Zhag ZiYi, uma das melhores
coisas do filme), bela e contestadora princesa, cuja má influência de Raposa
Verde (velha inimiga de Li Mu Bai) a transforma numa espécie de pária.
Dessa forma, temos assim uma transfiguração dos
filmes de artes marciais (ou do conceito que tínhamos do que seriam filmes de
artes marciais) onde os personagens fortes e interessantes (a despeito das
verdadeiramente sensacionais cenas de ação, materializadas por meio da vasta experiência
do coreógrafo Yuen Wo Ping) são o que de fato impulsiona a narrativa deste
filmaço, onde Ang Lee leva glamour e profundidade dramática nunca antes vistas
no gênero.
Foi graças à esta inspirada incursão de Ang Lee
(um cineasta respeitado e prestigiado) que outros diretores chineses,
normalmente adeptos de narrativas mais densas e humanas, aventuraram-se pelas
artes marciais produzindo, nas décadas que se seguiriam, obras inesquecíveis
como “Herói”, “O Clã das Adagas Voadoras” (ambos de Zhang Ymou), e “O Grande
Mestre” (de Won Kar Wai).
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