terça-feira, 28 de junho de 2016

Cães de Aluguel

A essência de todo o cinema de Tarantino está em “Reservoir Dogs”. O cerne de sua trama é basicamente o mesmo no ótimo “Os Oito Odiados”, e há muitos elementos (sobretudo, o personagem que deve esconder sua procedência dos outros à sua volta) também presentes em “Bastardos Inglórios”.
E continua sensacional, depois de vinte e cinco anos de sua realização.
Sempre que o revejo, eu me pergunto se os elementos que o faziam tão novo (e que introduzia ao cinema esse sopro de renovação chamado Quentin Tarantino) aparecem para aqueles que só o vêem agora, depois que muito do estilo que o define já foi assimilado até por produtos bem mais industriais, e que o próprio Tarantino (hoje um diretor pop) empregou sua premissa, de maneiras variadas, em outros trabalhos.
Contudo, bastam-me alguns minutos vendo o filme para perceber que ele não envelheceu, ao contrário, o tempo foi lhe dando mais predicados, evidenciando o preciosismo de seu ritmo cadenciado, o brilho das interpretações, e até mesmo as manobras espertas de Tarantino para contornar as restrições orçamentárias (com as quais, a partir de “Kill Bill” ele não mais precisou lidar).
Começamos em uma cafeteria aleatória, onde um grupo de engravatados joga conversa fora (é extremamente curioso estabelecer a relação deste filme com outro –também ele excelente –lançado no mesmo período: “O Sucesso A Qualquer Preço”, de James Foley, que também lançando mão de um recurso quase teatral, deixava recluso num mesmo ambiente vários personagens masculinos vestindo terno e gravata, lidando com certa ausência de valores morais e cuja tensão parecia prestes a explodir. Neste caso, os personagens eram vendedores).
Os homens discutem sobre a letra da música “Like A Virgin” de Madonna, ou sobre a importância de gorjetas para as garçonetes. Há uma agressividade no ar.
Na cena seguinte, descobriremos que esses engravatados, que aparentavam ser executivos ou algo assim, são assaltantes e que o golpe que planejavam não deu tão certo assim: Eles estão divididos e em fuga, rumando para o ponto de encontro combinado onde, esperam, todos que não morreram aparecerão para conseguirem elucidar quem dentre eles os traiu.
A partir desse ponto, Tarantino (que interpretava um dos assaltantes, morto logo nesse início) mantêm seus personagens nesse espaço fechado, onde a tensão irá galgar outros níveis à medida que as revelações sobre os indivíduos ali reunidos surgirão na tela, algumas compartilhadas entre eles, outras expostas somente para o expectador.
Até fechar no desfecho genial e apoteótico, o diretor nos entregará inúmeros momentos memoráveis, como a longa, angustiante e detalhada cena da tortura contra o policial, na qual o ator Michael Madsen ostenta uma mescla assustadora de frieza e desdém.
Se há alguém, contudo, que está sensacional aqui, este é Harvey Keitel. Uma pena que sua colaboração com Tarantino tenha se resumido à este filme e à uma participação em “Pulp Fiction”: Keitel traz para o filme a presença palpável e calorosa de um Randolph Scott, ou mesmo um John Wayne, nos tempos da Velha Hollywood. Uma espécie de ator cada vez mais em falta.

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