A essência de todo o cinema de Tarantino está
em “Reservoir Dogs”. O cerne de sua trama é basicamente o mesmo no ótimo “Os
Oito Odiados”, e há muitos elementos (sobretudo, o personagem que deve esconder
sua procedência dos outros à sua volta) também presentes em “Bastardos
Inglórios”.
E continua sensacional, depois de vinte e cinco
anos de sua realização.
Sempre que o revejo, eu me pergunto se os
elementos que o faziam tão novo (e que introduzia ao cinema esse sopro de
renovação chamado Quentin Tarantino) aparecem para aqueles que só o vêem agora,
depois que muito do estilo que o define já foi assimilado até por produtos bem
mais industriais, e que o próprio Tarantino (hoje um diretor pop) empregou sua
premissa, de maneiras variadas, em outros trabalhos.
Contudo, bastam-me alguns minutos vendo o filme
para perceber que ele não envelheceu, ao contrário, o tempo foi lhe dando mais
predicados, evidenciando o preciosismo de seu ritmo cadenciado, o brilho das
interpretações, e até mesmo as manobras espertas de Tarantino para contornar as
restrições orçamentárias (com as quais, a partir de “Kill Bill” ele não mais
precisou lidar).
Começamos em uma cafeteria aleatória, onde um
grupo de engravatados joga conversa fora (é extremamente curioso estabelecer a
relação deste filme com outro –também ele excelente –lançado no mesmo período:
“O Sucesso A Qualquer Preço”, de James Foley, que também lançando mão de um
recurso quase teatral, deixava recluso num mesmo ambiente vários personagens
masculinos vestindo terno e gravata, lidando com certa ausência de valores
morais e cuja tensão parecia prestes a explodir. Neste caso, os personagens
eram vendedores).
Os homens discutem sobre a letra da música
“Like A Virgin” de Madonna, ou sobre a importância de gorjetas para as
garçonetes. Há uma agressividade no ar.
Na cena seguinte, descobriremos que esses
engravatados, que aparentavam ser executivos ou algo assim, são assaltantes e
que o golpe que planejavam não deu tão certo assim: Eles estão divididos e em
fuga, rumando para o ponto de encontro combinado onde, esperam, todos que não
morreram aparecerão para conseguirem elucidar quem dentre eles os traiu.
A partir desse ponto, Tarantino (que
interpretava um dos assaltantes, morto logo nesse início) mantêm seus personagens
nesse espaço fechado, onde a tensão irá galgar outros níveis à medida que as
revelações sobre os indivíduos ali reunidos surgirão na tela, algumas
compartilhadas entre eles, outras expostas somente para o expectador.
Até fechar no desfecho genial e apoteótico, o
diretor nos entregará inúmeros momentos memoráveis, como a longa, angustiante e
detalhada cena da tortura contra o policial, na qual o ator Michael Madsen
ostenta uma mescla assustadora de frieza e desdém.
Se há alguém, contudo, que está sensacional
aqui, este é Harvey Keitel. Uma pena que sua colaboração com Tarantino tenha se
resumido à este filme e à uma participação em “Pulp Fiction”: Keitel traz para
o filme a presença palpável e calorosa de um Randolph Scott, ou mesmo um John
Wayne, nos tempos da Velha Hollywood. Uma espécie de ator cada vez mais em
falta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário