sexta-feira, 11 de julho de 2025

Star 80


 Construído a partir de flashbacks, este último trabalho do grande diretor Bob Fosse (aquele no qual ele permitiu-se afastar um pouco do gênero musical, mas ainda se mostrando interessado nos meandros corrosivos e viciantes do showbizz) é uma obra angustiante, dolorosa, triste e trágica. Muito devido ao fato dele nos conduzir a uma via-crusis real (a da modelo Dorothy Stratten) da qual desde o início ele deixa bem claro o desfecho amargo.

Amparando o expectador nessa atmosfera inevitável de pesar (que, em alguma medida, evoca o clima decadente criado em “Cabaret”), ele nos torna testemunhas da trajetória de Dorothy (vivida com equilíbrio ponderado entre atuação planejada e performance instintiva por Mariel Hemingway), jovem canadense que, em 1979, aceita se casar com o malandro e aproveitador Paul Sinder (Eric Roberts, usando e abusando de seu aspecto ‘galã cafajeste’). Percebendo que a beleza de Dorothy poderia levá-lo ao mundo de celebridades que sempre almejou, Paul a convence a largar o emprego de garçonete onde a conheceu e a faz posar para fotos sensuais que, mais tarde, acabam compradas pela revista masculina Playboy. Após ser escolhida para um ensaio fotográfico de nudez com imensa repercussão, Dorothy acaba convidada para a mansão Playboy onde cai nas graças do próprio dono da revista, o excêntrico magnata Hugh Hefner (Cliff Robertson, capturando alguns elementos caricaturais do famoso dono da Playboy).

A medida que Dorothy vai se consolidando como uma estrela, as demais pessoas à sua volta percebem a influência nociva e a presença parasitária de seu marido, que começa a se mostrar cada vez mais agressivo e indignado conforme Dorothy vai se afastando dele e se aproximando do jovem cineasta Aram Nicholas (Roger Rees, de “O Grande Truque”), pseudônimo do personagem real que envolveu-se com Dorothy Stratten, o diretor de cinema Peter Bogdanovich, cujo nome foi modificado para evitar processos judiciais.

Os desdobramentos fatídicos dessa trama não são nenhuma surpresa, visto que desde o princípio, vemos um transtornado Paul Snider falando com o corpo morto de Dorothy –o que dá origem ao fio narrativo que conduz todo o filme –assassinada com um tiro de espingarda por ele, pouco antes de se suicidar, quando ela ainda tinha apenas 20 anos de idade, em 1980.

“Star 80” não foi o primeiro filme a retratar a trágica história de Dorothy Stratten; ainda em 1981, foi produzido pela NBC, o telefilme “Death of Centerfold-The Dorothy Stratten Story”, que trazia Jamie Lee Curtis como Dorothy Stratten, e Bruce Weitz como Paul Snider. Tendo vencido em 1980, a Palma de Ouro em Cannes por “All That Jazz” –prêmio que ele dividiu com “Kagemusha”, de Akira Kurosawa –o diretor Bob Fosse incumbiu-se deste projeto (lançado em 1983), adaptando o livro “The Death Of A Playmate”, de Teresa Carpenter, vencedor do Prêmio Pulitzer.

A obra que Fosse constrói aqui, ainda que brilhantemente fotografada (por Sven Nykvist, cinegrafista de muitas obras de Ingmar Bergman), e primorosa enquanto narrativa cinematográfica, não tem a intenção de extasiar o público, pelo contrário: No magistral retrato de uma tragédia anunciada, ele compõe, nesta produção de inquestionável excelência, um reflexo das celeumas de desilusão dos anos 1980, em contraponto a um fulgor criativo mais otimista que ele enxergou nos anos 1970.

A um só tempo angustiante, atordoante e impecável, este filme foi aplaudido como uma dramatização cheia de brilho e verdade acerca de um caso lamentável onde testemunhamos uma mulher que tentou apenas ser livre e independente, mas terminou vítima de um homem perturbado, machista e agressivo. É doloroso e difícil de se assistir, mas é também cinema do mais alto nível.

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