sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O Grande Truque


 Projeto do diretor Christopher Nolan ensanduichado entre “Batman Begins” e “Batman-O Cavaleiro das Trevas”, este “O Grande Truque” pode ter sido encarado por ele como um respiro da imersão no universo de histórias em quadrinhos, imergindo, em contrapartida, nos meandros nebulosos e enigmáticos do mundo dos ilusionistas.

Curiosamente, na mesma época, outro trabalho brilhante, “O Ilusionista”, de Neil Burger, com Edward Norton, também dividiu com ele o mesmo tema, os louros da crítica e algum sucesso de bilheteria. Na comparação com a aventura mais singela estrelada por Edward Norton, “O Grande Truque” é logística e narrativamente ambicioso lançando mão de muitas aspirações cerebrais que Nolan só iria amplificar em obras futuras, transformando em seu grande diferencial, como realizador, esse esforço em conciliar, em blockbusters nada discretos, essa predisposição autoral e até intelectual com narrativas escapistas para as massas.

Muitos podem dizer que “O Grande Truque” é desafiador até demais para as percepções do público: Pra começar, há um esforço claro de Nolan e dos atores Hugh Jackman e Christian Bale em tornar ambígua a disputa implacável e incessante entre os mágicos ilusionistas Robert Angier e Alfred Borden. À despeito dessa disputa –mote central do filme –envolver os atores que viviam então Wolverine e Batman nas telas (e de ser esse embate uma clara referência aos olhos do público), não há distinção de bem e mal esboçada nas caracterizações; um elemento corajoso, mas que pode desanimar uma parte considerável da audiência.

Angier é frívolo, amargurado e rancoroso. Borden é arrogante, presunçoso e esnobe. São personagens construídos não para cativar de pronto o público, mas para enfatizar a ele suas características humanas e, não raro, reprováveis: Em ambos jaz uma obsessão injustificada de superar as realizações do outro.

Para cada truque de mágica que Angier elabora, Borden já tem um novo para arrebatar o público e lhe roubar alguns expectadores em plena Londres do Século XIX. Entretanto, sabemos que algo deu tremendamente errado: O filme já se inicia com Borden na cadeia por um crime estarrecedor. Os propósitos que levaram a esse crime são então esmiuçados num flashback –recurso que a narrativa de Nolan usa até levar o público a perder o fio da meada –e dizem respeito aos truques de mágica que, encenados noite após noite nos palcos londrinos, serviram de duelo entre dois homens dispostos a serem insuperáveis em seu ofício.

Levando o conceito de disputa às últimas consequências, Nolan arremessa seus protagonistas num empate que ganha circunstâncias cada vez mais fantasiosas e imprevisíveis –e, portanto, trágicas.

Há, no cinema de Christopher Nolan, esse inusitado resgate de temas masculinos por meio de um prisma onde gêneros improváveis são investigados. Disso se alimenta sua filmografia, incluindo a aclamada “Trilogia do Cavaleiro das Trevas”: Temos o temor do esquecimento (“Amnésia”), ou da dissolução do legado (“Interestelar”) e da imponderabilidade dos anseios (“A Origem”); em “O Grande Truque” está em pauta o medo da derrota perante um adversário, a tornar bastante humana a percepção de um filme todo incomum.

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