As obras de Wes Anderson flertam a todo o instante com o estranhamento. Um filme seu corresponde ao caminhar sobre uma corda bamba; o grande achado em seu cinema é o equilíbrio improvável entre a queda drástica rumo à incompreensão e à esquisitice que sempre o assombram e a continuidade de dinâmicas, premissas e dramas que se preservam interessantes, emocionantes e inteligíveis graças ao seu talento. Entretanto, num ou noutro caso pode haver um escorregão –e o exemplo mais patente disso é, na filmografia de Wes Anderson, “A Vida Marinha de Steve Sizou”. À ele junta-se agora este “Asteroid City”.
Como o fizera em “O Grande Hotel Budapeste”,
Anderson começa explorando uma narrativa de metalinguagem na qual o filme a se
desenrolar mais afrente é, na realidade, um peça de teatro –filmada em preto
& branco, na intenção de diferenciar a encenação da trama principal –cujo
autor Conrad Earp (Edward Norton) e todo seu séquito de intérpretes são
introduzidos ao público pela narração algo irônica e vintage do ator Bryan Cranston.
Quando a peça se iniciar –e o filme, por conta
disso, adquirir cores –irá se iniciar também sua trama principal; que, numa das
ironias do projeto, tem muito pouco, ou quase nada, de teatral: Asteroid City é
o nome de um lugarejo que mal pode ser definido como cidade; um apanhado de
instalações (um hotelzinho; uma oficina; um restaurante; um posto militar e
pouco mais que isso) que, em meados da década de 1950, cercam o local onde,
anos antes, um asteróide lendário caiu. E sua cratera, com todas as ênfases turísticas, se encontra lá. A câmera de Anderson explora –com sua
típica observação fria e simétrica –todo esse ambiente aberto num dos primeiros
takes, indicando a propriedade hiperlativa da direção de arte e da direção de
fotografia, criando juntas, em conjugação, um cenário a um só tempo irreal,
impressionante e paradoxalmente autêntico que se enquadraria bem numa narrativa
de Federico Fellini, não fosse a pontual e infalível modernidade de suas
inserções digitais.
O elenco reunido em “Asteroid City” é vasto e
espetacular, daqueles que pouquíssimos diretores tem gabarito capaz de reunir
num único projeto, e eles defendem, todos, personagens capturados em suas
excentricidades, perplexos diante de uma tristeza a brotar de lugares inesperados.
Há, por exemplo, Augie Steenbeck, vivido por Jason Schartzman, que levou os
quatro filhos (um rapazinho e três garotinhas trigêmeas) para Asteroid City a
fim de finalmente revelar a eles que sua mãe (vivida por Margot Robbie, numa
breve cena como a atriz que a interpretaria) faleceu à três semanas (!?). Com
seu carro avariado –devido à uma pane que o incompetente mecânico local (Matt
Dillon) é incapaz de consertar –eles resolvem ficar por lá, à espera de seu
sogro, Stanley (Tom Hanks) que, a despeito da ligeira indisposição com Augie,
segue para lá de carro para resgatá-los. Existem ainda June (Maya Hawke), jovem
professora tentando administrar os interesses ocasionais de seus jovens alunos; Midge Campbell (Scarlett Johansson)
dona de casa em crise cuja relação com a filha (Grace Edwards) acentua ainda
mais sua predisposição à depressão; J.J. Kellog (Liev Schreiber) um turista
eventual, constantemente à beira de um ataque de nervos graças às provocações
do próprio filho; além de toda fauna de estudantes, pais, professores e
cientistas de uma convenção científica realizada lá (a reunir rostos como
Sophia Lillis, Rupert Friend, Tlida Swinton e outros); e os militares
basicamente representados pelo oficial displicente e indiferente (Jeffrey
Wright) e seu subalterno (Tony Revolori).
O vazio existencial estranhamente cômico de
cada um desses personagens ganha um novo viés quando Asteroid City é visitada
por um alienígena (Jeff Goldblum) –cuja aparição converte brevemente o filme
numa animação, outra área de atuação do diretor Wes Anderson, vide o
maravilhoso “Ilha dos Cachorros” –e o governo ordena que seja imposta uma
quarentena. Confinados naquele espaço, todos os personagens estabelecem uma
rotina por meio da qual não apenas convivem uns com os outros, mas também com
suas próprias idiossincrasias –material que faz muito o gosto do diretor –sem
que aquilo jamais gere, na realidade, um microcosmos: O trabalho de Wes
Anderson, bem como sua visão particular de cinema e de mundo, terminam sendo
pessoais e peculiares demais para que se possa estabelecer algum tipo de
analogia. E quando cai a pergunta “Então sobre o quê exatamente versa o filme?”
é quando os problemas de “Asteroid City” começam a se acumular de verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário