A Netflix estabelece tendências formulaicas para o consumo de seus assinantes. Vez ou outra, tanta demanda proporciona a criação de obras que se sobressaem à mesmice dando liberdade autoral aos seus realizadores (“Okja”, de Bong Joon-Ho, e “Roma”, de Alfonso Cuarón estão aí para provar isso), porém, no mais, acabamos com exemplares que expõem não só uma consciência problemática de narrativa e objetivo técnico, mas também um olhar preocupantemente superficial sobre os relacionamentos (e o execrável “365 Dias” está aí para provar isso também).
Fruto infelizmente mais do segundo caso que do
primeiro, o longa-metragem brasileiro “O Lado Bom de Ser Traída”, dirigido por
Diego Freitas, traz todo um aparato técnico que poucas produtoras no Brasil
hoje, como a Netflix, são capazes de bancar –já sua cena inicial, uma espécie
de perseguição de moto pelas ruas de São Paulo, é realizada com um exuberante
recurso de drones e movimentos de câmera que enchem os olhos –mas, na
superficialidade flagrante das dinâmicas de relacionamentos assim esboçadas, e
na condução muito presunçosa e pouco criteriosa dada ao enredo (que adapta o
livro de Sue Hecker) ele deve ser muito mais lembrado pelas cenas tórridas de
nudez e sexo de sua belíssima protagonista (a formidável Giovanna Lancellotti)
do que por quaisquer qualidades artísticas.
Babi (Giovanna) está apaixonada e tem o
casamento já marcado com o noivo Caio (Micael Borges), cuja relação, no início
do filme, parece ir às mil maravilhas –o sexo (como é mostrado com a
sofreguidão insistente de um porn-softcore
já no começo) é bom, e eles aparentemente se amam.
Todavia, a empresa de Caio passa por algumas
investigações de estelionato, e o juíz que investiga a causa, o misterioso e
soturno Marco (Leandro Lima) vem a ser o mesmo com quem, antes mesmo de se
conhecerem, Babi já havia tido um fortuito (ainda que marcante) sonho erótico
(!). Na esteira de alguns acontecimentos ora banais, ora significativos, Babi
descobre uma traição de Caio, o que lhe oferece a chance de reinventar sua vida
e, ao mesmo tempo, tentar estabelecer um relacionamento com Marco, embora a
misteriosa (e ao que tudo indica, turbulenta) vida pessoal dele, não deixe de
afetar a ligação entre os dois.
Por sua profusão é até um pouco complicado
elaborar os tantos problemas que acometem a realização de Diego Freitas –que, a
despeito de seus lapsos, fez bastante sucesso entre os assinantes! –em primeiro
lugar, “O Lado Bom de Ser Traída” não possui um gênero definido, e isso parece
não tanto deliberado, quanto resultado de uma inconstância predominante em sua
história: As idas e vindas de Babi buscam um suspense na descoberta de quem
Marco é de fato (mas, a falta de carisma de Leandro Lima e de profundidade nos
personagens de modo geral põem tudo a perder), almejam uma dramaticidade na
exposição dos sentimentos e dos relacionamentos (mas, a intenção preguiçosa de
roteiro e direção parece ser mais a de registrar a tudo com uma sedutora
estética publicitária do que obter veracidade e autenticidade dessa observação)
e flertam com um apelativo erotismo extraído da conjugação entre tantos rostos
e corpos belos (no entanto, o resultado disso, até pela repetição contumaz de
cenas de sexo, é que as relações acabam tratadas com um verniz de
inverossimilhança).
A verdade é que duas obras transparecem com
maior força ao longo de toda duração de “O Lado Bom de Ser Traída”, e não como
saudáveis referências, mas como fantasmas que a assombram: Na aproximação entre
Babi e Marco, relutante (da parte dele) e injustificada, o filme remete à “9 e½ Semanas de Amor” em seus aspectos mais questionáveis, na esquisitice com que
usa uma mescla de erotismo e comportamentos excêntricos para moldar um
romantismo quase tóxico. E, no objetivo comercial do conteúdo sexual por si
mesmo (pois, parece ser esse o apelo de público do filme, no fim das contas),
“O Lado Bom de Ser Traída” faz lembrar “Cinquenta Tons de Cinza” também nas
facetas em que ele mais se mostra deplorável –o retrato equivocado, degradante
até, de uma dinâmica pautada pelo envolvimento sexual onde aquilo que se
presume como sexo pouco tem a ver com a realidade, o que só enfatiza o
egocentrismo e a apatia de seus personagens (e, em última instância, das mentes
por trás do projeto também).
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