Assim como a série “Crepúsculo” –cujo sucesso
parece inexplicável aos muitos apreciadores do cinema de qualidade e com
méritos –a adaptação do best-seller erótico escrito pela autora E.L. James
guarda uma razão bastante lógica para sua gorda bilheteria: Ele “herdou” o
mesmo público de “Crepúsculo”; as mesmas adolescentes que infestaram as salas
de cinema com aquele filme, hoje, cresceram, e têm idade para assistir uma
produção erótica.
Melhor ainda se tal produção vem com aquele
mesmo apelo romântico, egocêntrico e blassé que definia também a história de
amor entre o vampiro Edward e a humana Bella –e, de fato, a autora confessou
ter se inspirado (o quê nem precisava sendo isso completamente óbvio!) no
romance entre os dois personagens para conceber seu livro –ainda aproveitou e
teve a esperteza (ou a sorte) para nele acrescentar justamente o elemento que
faltava à açucarada obra de Stephanie Meyers: Sexo.
Basicamente, é atrás disso que parecem ir os
fãs desse trabalho, ainda que mesmo nesse quesito (a provável e sugestiva idéia
de se mergulhar num mundo de sexo sadomasoquista) a obra termine revelando-se
bastante tímida. E, se isso já ocorria com o livro –cujo despudor para com o
relato das cenas de sexo permitia uma riqueza de detalhes bem intensa –imagine
então numa obra áudio-visual, bancada por um grande estúdio, ou seja, com o
compromisso de ser uma produção “elegante”.
Escolhida para entrar nessa armadilha, a
diretora inglesa Sam Taylor-Johnson (do sensível “O Garoto de Liverpool”) faz o
quê pode priorizando as cenas com uma encenação refinada e enfatizando valores
reais, como o aproveitamento exemplar da trilha sonora de Danny Elfman e das
distintas atmosferas que ela consegue impor.
Mas, seu filme pena pelas mesmas razões que
adaptações em geral sofrem: A versão em filme, com apenas duas horas de
duração, é incapaz de dar conta das nuances de uma história que se prolonga
para além desse tempo: O resultado acaba prejudicando a índole de seu
protagonistas –sem o respaldo explicativo de muitos momentos que foram
necessariamente cortados algumas atitudes ou situações soam forçadas ou sem
sentido, ou mesmo inverossímeis depondo contra os acontecimentos decorridos, e
isso, num filme sobre relacionamentos, onde grande parte da narrativa depende
da percepção e da sutileza com os quais esses desdobramentos de sucedem, é
quase catastrófico.
Ah, sim, vamos à história: A jovem e acanhada
estudante de literatura, Anastassia Stelle (numa atuação até bem acertada de
Dakota Johnson, que se mostra desinibida nas cenas de nudez) tem a incumbência
de entrevistar o todo poderoso e todo ricaço Christian Grey (Jamie Dornam, ora
correto, ora constrangedor), às vésperas de sua formatura. A partir de então, o
enigmático Grey passa a assediá-la, embora seu interesse, no final das contas,
não seja um relacionamento comum: Sujeito misterioso de hábitos sombrios e
reservados, a última coisa que Grey demonstrar querer é romance: Ele, na
verdade, deseja fazer de Anastassia a sua "submissa" e com ela
praticar seus fetiches sadomasoquistas que passam longe de qualquer intenção
romântica.
Apesar de ser avessa a isso, Anastassia começa
aos poucos a ser enredada por Grey (que consegue, ainda sim, mostrar-se galante
e envolvente nos sucessivos encontros e desencontros que se seguem) e esse
sofisticado estilo de vida, entretanto, apesar de tudo é Anastassia quem parece
–um pouco com o auxílio do acaso –subverter o comportamento de Grey, fazendo-o
inconscientemente assumir uma certa relação com ela.
Com relação às cenas de sexo –as quais devem
certamente ter mobilizado a curiosidade de todos que foram conferir o filme
–pode-se afirmar que a diretora até manteve um equilíbrio bastante
satisfatório: Não estão lá todas as relatadas no livro, e nem tampouco a
riqueza de detalhes quase pornográfica com a qual isso é feito, mas as
passagens (pelo menos, aquelas essenciais à trama) não foram ignoradas, apenas
amenizadas, ainda que também isso possa ser frustrante para alguns expectadores
–afinal, se pararmos para pensar no terreno em que a produção entra, as grandes
cenas de sexo do cinema são pautadas por sua transgressão, vide “O Império dos
Sentidos”, “O Último Tango em Paris” ou “Azul É A Cor Mais Quente”.
Todas essas decisões tomadas modificam
“Cinqüenta Tons de Cinza”, o filme, em relação ao livro: Ele deixa de ser uma
obra referencial com o malicioso tempero do sexo para se tornar um filme
romântico que se contenta em registrar os altos e baixos de uma relação.
Só isso.
Essa conclusão questionável,
todavia, não pareceu incomodar as legiões de fãs que fizeram dele um sucesso de
bilheteria.
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