sábado, 28 de outubro de 2023

Besouro Azul


 Percebe-se, com facilidade, a procedência inicialmente televisiva deste projeto: Além da relativa timidez –as citações e referências ao Universo DC nos cinemas são tão descompromissadas quanto graciosas –o filme dirigido por Angel Manuel Soto é tecnicamente correto, nada megalomaníaco, tem uma continuidade de ritmo e lógica que, vez ou outra, exige paciência do público e soa como uma festa discreta de empregados amontoados na cozinha enquanto a festa de verdade, com os patrões (isto é, os heróis maiorais como Batman ou Superman), transcorre nos salões. Contudo, “Besouro Azul” beneficiou-se de duas coisas que contribuíram para sua exibição no cinema: De um lado, o trabalho genuinamente apaixonado e competente do diretor Manuel Soto e sua equipe técnica (ademais, obras de TV se sobressaindo em qualidade às de cinema não tem sido, deveras, algo tão incomum de se ver nos últimos anos); e do outro, a tumultuada situação do próprio Universo DC dentro da conturbada gestão da Warner Bros. com fracassos de crítica e bilheteria, decisões equivocadas, mudanças de planejamento em cima da hora e transferências contínuas de cargos de chefia, que acabaram sabotando o resultado final das obras planejadas para cinema, e levaram os executivos a dar uma chance e uma turbinada neste pequeno longa-metragem na esperança de que, nas salas de cinema, de repente, ele fizesse o que produções como “Shazam! Fúria do Deuses” e “Flash” não foram capazes de fazer,

Não foi bem isso, sabemos; “Besouro Azul” passou relativamente em brancas nuvens no cinema, o que só serviu para alimentar o argumento da iminente defasagem dos filmes adaptados de quadrinhos entre o público, entretanto, quem dispor-se a conferi-lo vai se deparar com um trabalho extremamente simpático, ágil –ainda que também sofra da impressão de uma duração prolongada em alguns momentos –e, no fim das contas, sem maiores contra-indicações.

Interpretado por Xolo Maridueña (da série “Cobra Kai”), o herói da vez, Jaime Reyes, chega à cidade de Palmera City graduado na universidade, ainda que, na condição de descendente de imigrantes latinos nos EUA, isso não signifique muito: Tal como sua irmã, a petulante Milli (Belissa Escobedo), Jaime só obtém emprego como limpador de piscinas. É nessa situação improvável –e cuidadosamente descuidada, como costuma ocorrer em produções hollywoodianas –que Jaime é colhido em meio à trama mirabolante que o converte num superherói: Ao buscar por uma oportunidade de emprego nas Empresas Kord –um conglomerado que transfigurou o cenário pitoresco de Palmera City numa pirâmide social –Jaime é abordado pela bela Jenny Kord (a brasileira Bruna Marquezine, estreando com o pé direito no cinema norte-americano) que pede para guardar e zelar por um estranho artefato guardado por ela dentro de uma caixa de hamburger (?!). É claro que Jaime não irá cumprir a recomendação Nº 1 dela (a de que jamais encoste na coisa) e, ao tocá-lo, seu corpo estabelece uma conexão simbiótica com o artefato (que, diga-se, tem origem alienígena).

Transformado num superherói de poderes ainda incalculáveis –pois, muito da premissa, como todo filme de origem, se ocupa de mostrar o herói aprendendo a usar de seus poderes –Jaime e sua espalhafatosa família –cujos membros são, além de Milli, seu pai Alberto (Damián Alcázar), sua mãe Rocio (Elpidia Carrillo, de “O Predador”), sua avó (Adrianna Barraza, de “Babel”) e seu tio Rudy (George Lopez) –devem encontrar um meio de escapar com vida das garras da inescrupulosa Victoria Kord (Susan Sarandon, artificialmente maquiavélica), tia de Jenny, cujo interesse na tecnologia alienígena do artefato pode levá-la a neutralizar Jaime e todos os seus familiares sem pestanejar.

Personagem oriundo do segundo escalão dos heróis da DC nos quadrinhos –mas, certamente visto pelos executivos com potencial para ascender até os principais –o Besouro Azul, dentre outras variações que teve (Jamie Reyes, nas HQs, foi a terceira encarnação), é quase uma versão simplificada e mais liberal do Batman (mais ou menos como o Coruja, em “Watchmen” também já era); incluindo os acessórios como o esconderijo repleto de monitores e a nave personalizada que aparecem, por sinal, neste filme.

Com sua narrativa humilde e auto-contida (mais preocupada, por exemplo, em evidenciar o grande amor que une a Família Reyes, o verdadeiro coração deste filme, e menos incomodada em estabelecer qualquer relação com os eventos de outros filmes de seu universo), o filme de Manuel Soto acaba sendo um acerto justamente por saber apostar exatamente nos elementos em que se mostra eficaz, entregando com isso uma aventura que jamais esquece de ser agradável. Um lição importante que esta singela e pequena realização ensina aos seus pares épicos e grandiosos.

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