sábado, 22 de julho de 2023

Flash


 Falar sobre filmes de superheróis, hoje, é evocar todo um contexto no qual estão inseridos como o universo provavelmente compartilhado que eles habitam do lado de lá das telas, e também, a situação, periclitante ou não, que a produção vivencia do lado de cá. Em “Flash” há muito o que se falar nos dois casos, e nenhum é uma história muito curta: Primeiramente, temos o herói velocista vivido por Ezra Miller (de quem este é o primeiro filme solo), finalmente alçado ao status de protagonista numa trama em que almeja usar de sua supervelocidade para voltar no tempo e impedir o assassinato da sua mãe (a maravilhosa Maribel Verdú, de “E Sua Mãe Também”), crime do qual seu inocente pai (Ron Livingston, de “Band Of Brothers” e “Como Enlouquecer Seu Chefe”, substituindo Billy Crudup dos outros filmes) é acusado.

No entanto, como bem sabem todos os expectadores de “De Volta Para O Futuro”, mexer com o tempo acarreta pesadas repercussões no presente, e é aí que o filme dirigido com notável habilidade por Andy Muschetti começa a se complicar um pouco: “Flash” faz parte do Universo DC nos cinemas, perpetrado por Zack Snyder em seus três primeiros filmes: Esboçado em “Homem de Aço”, ampliado com algum desleixo em “Batman Vs Superman” e bastante comprometido com as turbulências ocasionadas na produção de “Liga da Justiça” –a Liga da Justiça, inclusive, da qual o Flash faz parte, comparece, na bombástica cena de abertura –logo, viajar no tempo, no contexto da sua narrativa, significa revisitar eventos ocorridos nos filmes anteriores, neste caso específico, a chegada do General Zod (Michael Shannon) à Terra, episódio que proporcionou a revelação do Superman (Henry Cavill, que aqui nem aparece) ao mundo, como visto em “Homem de Aço”. Mas, a intervenção de Flash, ou melhor, Barry Allen, no continuum espaço-tempo provocou uma espécie de efeito-borboleta: A maioria dos membros da Liga da Justiça não parece existir nesse mundo, incluindo Superman, assim, aliado a uma versão sua daquela realidade (o ator Ezra Miller faz um incrível trabalho desempenhando com credibilidade duas versões distintas do mesmo personagem), Barry vai à Mansão Wayne tentar encontrar o Batman e, quem ele encontra, ao invés do personagem vivido por Ben Affleck, é o Bruce Wayne interpretado por Michael Keaton, o Batman de 1989, do filme que praticamente deu o estopim para as tentativas de adaptações de histórias em quadrinhos dos últimos trinta e quatro anos!

Ao tentarem juntos descobrir o paradeiro do Superman, os dois Flashs e o veterano Batman descobrem que, nesta nova realidade, quem terminou vindo para a Terra foi sua prima, Kara Jor-El (Sasha Calle, pouco aproveitada) que se encontra, por sua vez, presa na União Soviética como objeto de estudo daqueles militares.

Não há dúvidas de que, para os fãs mais crescidos e nostálgicos, a visão de Michael Keaton retomando seu papel de Batman é um deleite e tanto –ainda mais quando este ótimo ator vale-se de cada instante de filme para roubar completamente a cena e provar que guardadas algumas proporções e distinções, ele é, sim, um dos melhores intérpretes de Batman. No entanto, há um grave problema enfrentado por “Flash”, o filme, e que se reflete na pífia bilheteria que esta superprodução amargou: A despeito de um ou outro momento genuinamente divertido (e de ser, no cômputo geral, um bom filme) “Flash” não passa a sensação de euforia e entusiasmo que se esperaria de um trabalho com essa proposta –a Marvel Studios, valendo-se de mote muito semelhante em “Homem-Aranha Sem Volta Para Casa” levou plateias à vibrarem nas salas de cinema.

Em parte porque desde o primeiro momento de filme, estamos cientes de que “Flash” se passa num universo já moribundo; meses antes de seu lançamento, já sabíamos que a Warner havia contratado James Gunn para reformular todo o Universo DC, recomeçando tudo do zero com novos atores. Ou seja, “Flash”, de Andy Muschetti, representa então os estertores finais, o último suspiro de um mundo com seus minutos contados. Ter consciência disso tira toda a satisfação que, por ventura poderia existir em momentos descontraídos como os esforços a la Marty McFly de Barry Allen em refazer sua realidade como era antes (e não ajuda nada as cenas profusas de efeitos visuais serem adornadas por gráficos que parecem visivelmente mal acabados), nem nas aparições-surpresa que surgem na tela durante o clímax (e que poderiam ser o ponto alto do filme, mas não o são porque os realizadores não sabem explorar o potencial da mitologia que manejam com a mesma habilidade que a Marvel Studios) ou na cena pós-créditos, construída para ser divertida mas que, por razões óbvias, termina sendo completamente vazia. Não haverá uma continuidade em relação a qualquer coisa que se vê aqui, logo, não há qualquer peso nas consequências sugeridas no roteiro, para o bem e para o mal. E o filme de Andy Muschetti, a despeito de todas as suas boas intenções, não se sustenta sozinho para ser, no fim das contas, um projeto válido e digno, mesmo que mal-fadado.

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