domingo, 23 de abril de 2017

Batman no Cinema

Batman
Por muito tempo, o cinema tateou na busca por uma conciliação narrativa com a linguagem dos quadrinhos. Essa busca é bastante ilustrativa quando olhamos a seqüência de filmes protagonizados pelo Batman, que ganhou, na opinião de muitos, sua personificação cinematográfica definitiva com Christian Bale, na Trilogia do Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan.
Bem antes disso, o público e a crítica (na verdade, bem mais o público do que a crítica) deixou-se encantar pela primeira versão cinematográfica do herói, concebida por Tim Burton e estrelada por Michael Keaton.
De um estilo peculiar e personalíssimo, Burton tinha uma visão eclética do projeto conceitual: Ao mesmo tempo em que ele via uma apropriada atmosfera sombria a relacionar-se diretamente com o personagem e o mundo que o cerca (a obscura e corrupta Gotham City) o que passou a influenciar até mesmo os quadrinhos dali por diante, embora o próprio filme de Burton deva muito à reformulação do personagem promovida na graphic novel “Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller –ele também tinha uma certa displicência para com a figura do próprio herói (visto como nitidamente desinteressante em sua narrativa) o que priorizou, neste primeiro filme, o antagonista Coringa interpretado com som e fúria por Jack Nicholson.
O vigilante sombrio e amargurado Batman (cuja origem acaba sendo pouco mais que uma recordação, longe do trabalho cuidadoso feito em "Batman Begins") torna-se quase um detalhe em meio à trama que acompanha Jack Napier (Nicholson) e a traição sofrida por seu mentor, o líder do crime organizado de Gotham City, Carl Grisson (Jack Palance), o quê leva Napier à mergulhar acidentalmente num tonel de ácido, de onde emerge já transformado no maluco homicida Coringa.
Para o Coringa, depois de matar Grisson, o controle de Gotham agora só encontra obstáculo mesmo no Batman, cuja identidade secreta, o milionário Bruce Wayne, está às voltas de um relutante romance com a repórter Vicky Vale (Kim Basinger, esplêndida), dedicada, por sua vez, a descobrir a real identidade do herói mascarado.
Um sucesso exorbitante, menos por seus valores cinematográficos e mais por sua campanha maciça de marketing, “Batman” revelou o inesperado pendor comercial de Tim Burton e uma sutil predisposição dele em deixar de lado os aspectos mais marcantes de seu estilo em função de uma colaboração com um produto de estúdio, o quê ele voltaria a fazer, anos mais tarde, na refilmagem/reinvenção de “Planeta dos Macacos”, de 2001.

Batman-O Retorno
O êxito arrebatador do filme de Burton deixava claro que, à ele, brevemente uma continuação se seguiria. Se teria Tim Burton mais uma vez na direção, aí a história era outra (Burton não ficou satisfeito com o controle criativo limitado que teve no primeiro filme, e o diretor de arte, Anton Furst, ganhador do único Oscar recebido pelo filme, era muito cotado para assumir a direção da seqüência, antes de falecer).
O estúdio terminou concluindo que não valia a pena mudar a equipe e manteve Burton dirigindo o novo filme e Michael Keaton o estrelando –embora muitos questionassem sua adequação ao papel.
Tal e qual o primeiro “Batman”, neste novo filme Burton tornou a manifestar seu fascínio pelos desajustados e seu indisfarçável carinho pelo monstruoso –ou seja, pelos vilões –centrando todo o interesse da narrativa desta vez, na origem pontuada por abandono e detalhes grotescos de Oswald Cobblepot, ou melhor, o Pingüim (Danny De Vito, irreconhecível debaixo da densa maquiagem) e, principalmente, na trajetória envolvente de Celina Kyle, secretária do empresário Max Shreck (Christopher Walken, num personagem cujo nome remete ao ator célebre por interpretar o vampiro no clássico “Nosferatu”, de Murnau) cuja descoberta dos negócios ilícitos do patrão leva Celina a uma transformação radical, tornando-se a ambígua e sensacional Mulher-Gato (que ganhou, nas formas e nas expressões de Michelle Pfeifer uma personificação considerada, até hoje, imbatível).
Batman, como se pode perceber, é um mero coadjuvante diante de personagens tão exuberantes.

Batman Eternamente
Para Tim Burton, dois filmes bastaram. Após “Batman-O Retorno”, o máximo que ele se dispôs a aproximar-se do novo projeto envolvendo o personagem foi na função de produtor executivo. O diretor escolhido para substituí-lo, sabe-se lá porque, foi Joel Schumacher: Talvez tenha sido o estilo rebuscado e sombrio que ele demonstrou em “Linha Mortal”, similar ao de Burton (embora, Schumacher nunca tenha preservado qualquer estilo ao longo de seus filmes), ou o fato de ser um típico de diretor padrão, ideal para trabalhar sob contrato.
Com ele no comando, o filme imediatamente ganhou nova roupagem e um novo intérprete: Val Kilmer, cujo excesso de sisudez e as madeixas castanhas claras não ajudaram muito a ser visto como uma escolha melhor do que Keaton.
Também o orçamento inflado da nova produção deixava claro o quanto Batman, enquanto produto corporativo, significava para o estúdio: Não foram poupadas despesas, inclusive no que diz respeito ao elenco milionário –Nicole Kidman (começando uma auspiciosa escalada ao estrelato graças ao lançamento de “Um Sonho Sem Limites” naquele mesmo ano) como o par romântico do herói (sendo que as menções às anteriores Vicky Vale e Mulher-Gato foram completamente ignoradas); Tommy Lee Jones como o pra lá de caricato vilão Duas-Caras (chega a ser covarde e absurdo comparar esta versão ao bem construído Duas-Caras de “Batman-O Cavaleiro das Trevas”); Jim Carey como Charada (papel que ele tirou do anteriormente cotado Robin Willians); e Chris O’ Donnell surgindo pela primeira vez como Robin, o parceiro do herói deixado de lado nos dois filmes anteriores.
Aqui, Batman se vê diante do desafio de um novo chefão do crime, o antigo promotor Harvey Dent transformado no vilão Duas-Caras. Paralelo ao surgimento de um novo vilão, o Charada, o acrobata Dick Graysson perde toda sua família, encontrando um lar na mansão Wayne onde passa a auxiliar Bruce Wayne, o Batman, como seu fiel parceiro, o Robin.

Batman & Robin
E foi assim, com o relativo êxito do filme anterior que chegamos no quarto e famigerado filme do Batman, o segundo sob o comando de Joel Schumacher, onde ele teve liberdade para fazer a “sua” visão do Batman, deixando de lado qualquer realismo ou interiorização sombria, e com isso soterrando a série no cinema, até que a reformulação radical de Nolan viesse para salvar o personagem.
A trama acompanha o surgimento dos vilões Sr. Frio (Arnold Schwarzenegger) e Hera Venenosa (uma deslocadíssima Uma Thurman) –há também a aparição de Bane “interpretado” pelo brutamontes insípido e inexpressivo Jeep Swenson, o que reduz o personagem à um mordomo truculento, longe do significado imposto por Tom Hardy ao personagem em “Batman-O Cavaleirodas Trevas Ressurge” enquanto pequenas desavenças minam o relacionamento entre Batman (agora George Clooney no lugar de Val Kilmer...) e Robin (Chris O’ Donnell, cada vez mais irritante no papel), dando oportunidade para a origem de uma nova heroína, Batgirl (Alicia Silverstone, inadequada como atriz, num personagem absolutamente disfuncional, desnecessário, redundante e introduzido de forma descuidada).
O fato de não manter Val Kilmer como Batman/Bruce Wayne em seu filme seguinte já indicava uma certa irregularidade da parte de Schumacher na forma com que ele via o projeto, mas ninguém imaginava que suas idéias conduziriam a uma obra tão escandalosamente catastrófica quanto foi este “Batman & Robin”, um filme tão equivocado, tão absurdo em seu desleixo e ruindade que no making of (disponível na edição em DVD do filme) pode-se conferir o próprio diretor pedindo desculpas pelo trabalho que realizou (!).
Uma sucessão de cenas absolutamente vergonhosas: Os novos e alardeados trajes dos heróis que já contavam antes com ridículos mamilos salientes, aqui ganham cores berrantes como o roxo (no caso de Batman!) e o vermelho escarlate (no caso de Robin), além de uma iluminação de neon com muito rosa, verde a alaranjado (!); o leilão pelo corpo de Hera Venenosa, onde Batman e Robin iniciam uma imatura discussão encerrada de forma patética com o ‘bat-cartão de crédito’ (“Nunca saia da caverna sem ele!”); o Sr. Frio de Arnold Schwarzenegger usando pantufas de ursinho polar e regendo um coro entre seus capangas.
É espantoso notar que o elenco, de Schwarzenegger à Clooney, passando por todos os outros atores, abraçou a proposta do diretor e assume suas presepadas sem aparentar constrangimento.
Como se não bastasse esse erro crasso de tom, o filme ainda se revela sofrível em termos cinematográficos: Dentre todos os filmes feitos sobre o Batman, este é aquele que mais o negligencia, colocando-o em segundo e até terceiro plano (e olha que essa era uma crítica freqüentemente dirigida aos títulos anteriores).

Nenhum comentário:

Postar um comentário