Batman
Por muito tempo, o cinema tateou na busca por
uma conciliação narrativa com a linguagem dos quadrinhos. Essa busca é bastante
ilustrativa quando olhamos a seqüência de filmes protagonizados pelo Batman,
que ganhou, na opinião de muitos, sua personificação cinematográfica definitiva
com Christian Bale, na Trilogia do Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan.
Bem antes disso, o público e a crítica (na
verdade, bem mais o público do que a crítica) deixou-se encantar pela primeira
versão cinematográfica do herói, concebida por Tim Burton e estrelada por
Michael Keaton.
De um estilo peculiar e personalíssimo, Burton
tinha uma visão eclética do projeto conceitual: Ao mesmo tempo em que ele via
uma apropriada atmosfera sombria a relacionar-se diretamente com o personagem e
o mundo que o cerca (a obscura e corrupta Gotham City) o que passou a
influenciar até mesmo os quadrinhos dali por diante, embora o próprio filme de
Burton deva muito à reformulação do personagem promovida na graphic novel “Cavaleiro
das Trevas”, de Frank Miller –ele também tinha uma certa displicência para com
a figura do próprio herói (visto como nitidamente desinteressante em sua
narrativa) o que priorizou, neste primeiro filme, o antagonista Coringa
interpretado com som e fúria por Jack Nicholson.
O vigilante sombrio e amargurado Batman (cuja origem acaba sendo pouco mais que uma recordação, longe do trabalho cuidadoso feito em "Batman Begins") torna-se quase um detalhe em meio à trama que acompanha Jack Napier (Nicholson) e
a traição sofrida por seu mentor, o líder do crime organizado de Gotham City,
Carl Grisson (Jack Palance), o quê leva Napier à mergulhar acidentalmente num
tonel de ácido, de onde emerge já transformado no maluco homicida Coringa.
Para o Coringa, depois de matar Grisson, o
controle de Gotham agora só encontra obstáculo mesmo no Batman, cuja identidade
secreta, o milionário Bruce Wayne, está às voltas de um relutante romance com a
repórter Vicky Vale (Kim Basinger, esplêndida), dedicada, por sua vez, a
descobrir a real identidade do herói mascarado.
Um sucesso exorbitante, menos por seus valores
cinematográficos e mais por sua campanha maciça de marketing, “Batman” revelou
o inesperado pendor comercial de Tim Burton e uma sutil predisposição dele em
deixar de lado os aspectos mais marcantes de seu estilo em função de uma
colaboração com um produto de estúdio, o quê ele voltaria a fazer, anos mais
tarde, na refilmagem/reinvenção de “Planeta dos Macacos”, de 2001.
Batman-O Retorno
O êxito arrebatador do filme de Burton deixava
claro que, à ele, brevemente uma continuação se seguiria. Se teria Tim Burton
mais uma vez na direção, aí a história era outra (Burton não ficou satisfeito
com o controle criativo limitado que teve no primeiro filme, e o diretor de
arte, Anton Furst, ganhador do único Oscar recebido pelo filme, era muito
cotado para assumir a direção da seqüência, antes de falecer).
O estúdio terminou concluindo que não valia a pena mudar a equipe e manteve Burton dirigindo o novo filme e Michael Keaton o estrelando –embora muitos questionassem sua adequação ao papel.
O estúdio terminou concluindo que não valia a pena mudar a equipe e manteve Burton dirigindo o novo filme e Michael Keaton o estrelando –embora muitos questionassem sua adequação ao papel.
Tal e qual o primeiro “Batman”, neste novo
filme Burton tornou a manifestar seu fascínio pelos desajustados e seu indisfarçável
carinho pelo monstruoso –ou seja, pelos vilões –centrando todo o interesse da
narrativa desta vez, na origem pontuada por abandono e detalhes grotescos de
Oswald Cobblepot, ou melhor, o Pingüim (Danny De Vito, irreconhecível debaixo
da densa maquiagem) e, principalmente, na trajetória envolvente de Celina Kyle,
secretária do empresário Max Shreck (Christopher Walken, num personagem cujo
nome remete ao ator célebre por interpretar o vampiro no clássico “Nosferatu”,
de Murnau) cuja descoberta dos negócios ilícitos do patrão leva Celina a uma transformação
radical, tornando-se a ambígua e sensacional Mulher-Gato (que ganhou, nas
formas e nas expressões de Michelle Pfeifer uma personificação considerada, até
hoje, imbatível).
Batman, como se pode perceber, é um mero
coadjuvante diante de personagens tão exuberantes.
Batman Eternamente
Para Tim Burton, dois filmes bastaram. Após
“Batman-O Retorno”, o máximo que ele se dispôs a aproximar-se do novo projeto
envolvendo o personagem foi na função de produtor executivo. O diretor
escolhido para substituí-lo, sabe-se lá porque, foi Joel Schumacher: Talvez
tenha sido o estilo rebuscado e sombrio que ele demonstrou em “Linha Mortal”,
similar ao de Burton (embora, Schumacher nunca tenha preservado qualquer estilo
ao longo de seus filmes), ou o fato de ser um típico de diretor padrão, ideal
para trabalhar sob contrato.
Com ele no comando, o filme imediatamente
ganhou nova roupagem e um novo intérprete: Val Kilmer, cujo excesso de sisudez
e as madeixas castanhas claras não ajudaram muito a ser visto como uma escolha
melhor do que Keaton.
Também o orçamento inflado da nova produção
deixava claro o quanto Batman, enquanto produto corporativo, significava para o
estúdio: Não foram poupadas despesas, inclusive no que diz respeito ao elenco
milionário –Nicole Kidman (começando uma auspiciosa escalada ao estrelato
graças ao lançamento de “Um Sonho Sem Limites” naquele mesmo ano) como o par
romântico do herói (sendo que as menções às anteriores Vicky Vale e Mulher-Gato
foram completamente ignoradas); Tommy Lee Jones como o pra lá de caricato vilão
Duas-Caras (chega a ser covarde e absurdo comparar esta versão ao bem
construído Duas-Caras de “Batman-O Cavaleiro das Trevas”); Jim Carey como
Charada (papel que ele tirou do anteriormente cotado Robin Willians); e Chris
O’ Donnell surgindo pela primeira vez como Robin, o parceiro do herói deixado
de lado nos dois filmes anteriores.
Aqui, Batman se vê diante do desafio de um novo
chefão do crime, o antigo promotor Harvey Dent transformado no vilão Duas-Caras.
Paralelo ao surgimento de um novo vilão, o Charada, o acrobata Dick Graysson
perde toda sua família, encontrando um lar na mansão Wayne onde passa a
auxiliar Bruce Wayne, o Batman, como seu fiel parceiro, o Robin.
Batman & Robin
E foi assim, com o relativo êxito do filme
anterior que chegamos no quarto e famigerado filme do Batman, o segundo sob o
comando de Joel Schumacher, onde ele teve liberdade para fazer a “sua” visão do
Batman, deixando de lado qualquer realismo ou interiorização sombria, e com
isso soterrando a série no cinema, até que a reformulação radical de Nolan
viesse para salvar o personagem.
A trama acompanha o surgimento dos vilões Sr.
Frio (Arnold Schwarzenegger) e Hera Venenosa (uma deslocadíssima Uma Thurman) –há
também a aparição de Bane “interpretado” pelo brutamontes insípido e
inexpressivo Jeep Swenson, o que reduz o personagem à um mordomo truculento,
longe do significado imposto por Tom Hardy ao personagem em “Batman-O Cavaleirodas Trevas Ressurge” –enquanto pequenas desavenças minam o relacionamento entre Batman (agora George
Clooney no lugar de Val Kilmer...) e Robin (Chris O’ Donnell, cada vez mais
irritante no papel), dando oportunidade para a origem de uma nova heroína,
Batgirl (Alicia Silverstone, inadequada como atriz, num personagem
absolutamente disfuncional, desnecessário, redundante e introduzido de forma
descuidada).
O fato de não manter Val Kilmer como Batman/Bruce
Wayne em seu filme seguinte já indicava uma certa irregularidade da parte de
Schumacher na forma com que ele via o projeto, mas ninguém imaginava que suas
idéias conduziriam a uma obra tão escandalosamente catastrófica quanto foi este
“Batman & Robin”, um filme tão equivocado, tão absurdo em seu desleixo e
ruindade que no making of (disponível na edição em DVD do filme) pode-se
conferir o próprio diretor pedindo desculpas pelo trabalho que realizou (!).
Uma sucessão de cenas absolutamente
vergonhosas: Os novos e alardeados trajes dos heróis que já contavam antes com
ridículos mamilos salientes, aqui ganham cores berrantes como o roxo (no caso
de Batman!) e o vermelho escarlate (no caso de Robin), além de uma iluminação
de neon com muito rosa, verde a alaranjado (!); o leilão pelo corpo de Hera
Venenosa, onde Batman e Robin iniciam uma imatura discussão encerrada de forma
patética com o ‘bat-cartão de crédito’ (“Nunca saia da caverna sem ele!”); o
Sr. Frio de Arnold Schwarzenegger usando pantufas de ursinho polar e regendo um
coro entre seus capangas.
É espantoso notar que o elenco, de
Schwarzenegger à Clooney, passando por todos os outros atores, abraçou a
proposta do diretor e assume suas presepadas sem aparentar constrangimento.
Como se não bastasse esse
erro crasso de tom, o filme ainda se revela sofrível em termos
cinematográficos: Dentre todos os filmes feitos sobre o Batman, este é aquele
que mais o negligencia, colocando-o em segundo e até terceiro plano (e olha que
essa era uma crítica freqüentemente dirigida aos títulos anteriores).
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