quinta-feira, 20 de julho de 2023

Turma da Mônica - Lições


 Uma vez que “Turma da Mônica-Laços”, a graphic-novel escrita e ilustrada pelos irmãos Victor e Lu Caffagi e adaptada por Daniel Rezende para cinema em 2019, possuía uma continuação nos quadrinhos, era inevitável que o filme de Rezende ganhasse tal continuação também. E essa continuação chegou com uma considerável margem de superioridade artística: Mais cinematográfica e mais bem resolvida narrativamente falando (características que já se notava na graphic-novel), “Lições” consegue ir além do primeiro filme por se afastar ligeiramente das tramas bucólicas e aventurescas que sempre envolveram os personagens (as quais o primeiro filme buscou homenagear) para focar numa espécie de trama de amadurecimento que consegue surpreender e emocionar o expectador.

Quando “Lições” começa, os personagens concebidos por Maurício de Souza são capturados em suas inerentes peculiaridades, elementos que causam atritos entre uns e outros: Em meio aos ensaios frustrantes da peça teatral “Romeu & Julieta”, Monica (Giulia Benite) se exaspera com Cebolinha (Kevin Vechiatto) que, além de não pronunciar o R, só quer saber de dar nós nas orelhas do coelho de pelúcia dela, Sansão; Magali (Laura Rauseo) não controla sua ansiedade, o que a leva a deglutir tudo à sua volta (inclusive as frutas que deveriam fazer parte da cena!); e Cascão (Gabriel Moreira), ao tentar interpretar o Frei, não contêm seu pavor de água ao executar a cena da benção (!). Esses pequenos atritos chamam a atenção da mãe de Mônica (Mônica Iozzi), o que só vem a potencializar sua decisão, mais tarde, quando o pequeno grupo, ao tentar uma travessa escapadela dos muros da escola, acaba indo longe demais em suas travessuras: Mônica acaba quebrando o braço, e isso leva seus pais a decidir trocá-la de escola.

O filme de Daniel Rezende assim, com uma propriedade dramática que soa muito mais aprofundada do que no filme anterior, explora com delicadeza e sensibilidade os efeitos dessa transformação no dia-a-dia das crianças protagonistas –para Cebolinha, a ausência de Mônica é a chance de sagrar-se o ‘Rei da Rua’, entretanto, ele não contava com o fato de que ela, com sua força descomunal, também o livrava do bullying dos valentões de plantão, e nem com o fato de, lá no fundo, amá-la de verdade; para Cascão, essa mudança leva seus pais a inscrevê-lo num curso extra-curricular de natação a fim de sanar seu medo da água; já Magali, entra para uma aula de culinária ministrada pela compreensiva Dona Nena (Eliana Fonseca) buscando controlar seu impulso de devorar os ingredientes antes mesmo da receita estar pronta (!); contudo, é Mônica quem experimenta as consequências mais pesadas.

Finalmente nomeada a protagonista de fato de seu próprio filme (sendo que o anterior girava em torno de uma pueril aflição de Cebolinha), Mônica precisa se adaptar à nova rotina numa escola estranha, povoada de pessoas que ela ainda não conhece, aceitar o gradual afastamento dos amiguinhos com os quais convive desde o período maternal, e entender que tudo isso faz parte da vida e do ato de crescer. A pavimentar esse caminho de descobertas existenciais, estão uma miríade de personagens extraídos diretamente dos quadrinhos, participações especiais que vão contribuindo à experiência narrativa do filme e, ao mesmo tempo, constroem uma espécie de “Mauricioverso” (!): O pequeno Dudu (Giovani Donato), primo de Magali que, como numa espécie de oposto dela, nunca quer comer nada; os curiosos e solícitos Nymbus (Rodrigo Kenji) e Do Contra (Vinícius Hiho); a amável desenhista Marina (Laís Villela); o inventivo e inteligente Franjinha (Tiago Schmitt) junto do qual podemos ver, de relance numa única cena, o primeiro personagem criado por Maurício, o cachorro Bidu; os adolescentes Tina (Isabelle Drummond), Rolo (Gustavo Merighi) e Pipa (Camila Brandão); e até mesmo o vislumbre, numa especialíssima cena pós-crédito, de Chico Bento, o provável protagonista de um vindouro longa-metragem.

Na inteligente estrutura narrativa que elabora, o roteiro escrito por Thiago Dottori e Mariana Zatz, aproveita o gancho maravilhoso de “Romeu & Julieta” –uma hábil referência sendo essa peça de Shakespeare um dos momentos clássicos dos quadrinhos de Maurício de Souza a envolver estes personagens –e justapõe a inesperada animosidade que vai surgindo entre a mãe de Mônica e a de Cebolinha (Fafá Rennó) para refletir a própria circunstância dos jovens apaixonados das famílias Montecchio e Capuleto. É, portanto, providencial, que o clímax do filme –extremamente bem arranjado e emotivo –seja a apresentação da peça de teatro, com Mônica e Cebolinha nos emblemáticos papéis de Julieta e Romeu.

Superior em praticamente todos os aspectos do que seu já notável longa anterior, “Turma da Mônica-Lições” termina sendo uma emocionante experiência para crianças e adultos, especialmente aqueles que cresceram lendo as histórias desses memoráveis personagens. Seu valor como obra de cinema faz dele também um dos melhores (senão O melhor) filmes infantis nacionais de todos os tempos.

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