Com tantas adaptações de histórias em
quadrinhos ganhando o centro das atenções no cinema comercial hollywoodiano, e
com o despontar qualitativo do cinema nacional dos últimos anos, era mesmo uma
questão de tempo que finalmente as criações de Mauricio de Souza tivessem a sua
oportunidade na tela grande.
O responsável por tal projeto não poderia ser
uma escolha mais promissora: Daniel Rezende, o celebrado montador (“Diários de Motocicleta”, entre outros grandes filmes) que estreou com pé direito na função
de diretor (no formidável “Bingo-O Rei das Manhãs”).
E Rezende, de fato, emprega toda sua eficiência
e seu conhecimento cinematográfico –que não deve, sobremaneira, ser subestimado
–para a concepção desta obra.
Entretanto, adaptar o teor extremamente lúdico
da “Turma da Mônica” para o realismo do live-action mostrou-se uma tarefa muito
complicada: Tomemos o controverso exemplo (para alguns fãs) do cabelo do
Cebolinha (Kevin Vechiatto) cujos cinco fios espetados (impraticáveis em cena)
foram convertidos numa cabeleira normal de fios pontudos.
Como é sabido há décadas por meio dos famosos
quadrinhos, Cebolinha é um pequeno morador do Bairro do Limoeiro, onde ele
trava uma espécie de disputa pueril com a garotinha Mônica (Giulia Benite) de
quem tenta a toda hora tomar o coelho de pelúcia Sansão valendo-se de seus
‘planos infalíveis’. Para ajudá-lo, Cebolinha tem a atrapalhada companhia de
Cascão (Gabriel Moreira), garoto que tem absoluto pavor de água e de banho.
A comilona Magali (Laura Rauseo) termina por
integrar essa turma.
Na trama, retirada em partes da graphic-novel
escrita e ilustrada pelos irmãos Victor e Lu Cafaggi, o cachorro de Cebolinha,
Floquinho, é roubado, e a turminha precisa passar por cima de suas eventuais
rusgas para unir-se e descobrir seu paradeiro.
Há visível paixão na forma com que as criações
de Mauricio de Souza são enfim vertidas para cinema –e só isso já torna “Turma
da Mônica-Laços” uma obra a ser aplaudida.
Tal paixão aparece nas sistemáticas referências
que se apinham na tela; e que vão desde os coadjuvantes Titi e Chaveco, a
aparecer aqui e ali, até indícios não tão evidentes como a notícia de jornal
que fala de um elefante verde (Jotalhão, um primeiros personagens de Mauricio),
o boneco de pelúcio do dinossauro Horácio (outro personagem muito querido) e a
aparição de Cranicola (um dos personagens da “Turma do Penadinho) numa breve
cena em um cemitério.
Como ocorre na graphic-novel, Mônica, Cebolinha
e os outros têm que atravessar a floresta do Parque das Andorinhas para chegar
até a cabana onde mora o maior suspeito por ter roubado o cachorrinho, no
entanto, muita coisa acaba mudando. Durante à noite, por exemplo, enquanto
vigia os amigos que dormem, Cebolinha tem um encontro, como sempre surreal, com
o aloprado personagem do Louco (Rodrigo Santoro, ótimo) que, como ocorre nas
HQs, só interage com o próprio Cebolinha –o quê mantém preservada a teoria dele
ser uma faceta algo esquizofrênica da imaginação do próprio garotinho.
Se a técnica do diretor Rezende é cheia de
predicados louváveis, e as caracterizações de modo geral trazem uma fidelidade
quase comovente à sua fonte (com destaque para a bela atuação da garota Giulia
Benite), o filme em si não chega a harmonizar-se com suas próprias qualidades:
O timing da narrativa se revela imperfeito em diversos momentos, tropeçando com
frequência na inexperiência do elenco infantil, em especial, Kevin Vechiatto,
cujo Cebolinha ganha mais protagonismo aqui do que Mônica, sua personagem
principal de fato.
O excesso de precisão e de austeridade impostos
na intenção de fazer um filme que correspondesse às altas expectativas subtraiu
da obra o tom pueril e idealizado, nostálgico até, que sempre fez o encanto dos
personagens e de suas histórias nos quadrinhos.
“Turma da Mônica-Laços” é bem realizado e
válido em seu esforço de adaptação dos personagens que Mauricio de Souza criou,
mas ele testa a paciência do expectador com um ritmo claudicante e incerto, com
um prolongamento injustificado de sua duração e com algumas incoerências
corriqueiras que vão sabotando a narrativa.
Nada que seja grave demais.
E ainda há chance de melhorar e aperfeiçoar tudo isso no próximo filme que deve
adaptar a segunda graphic-novel dos Cafaggi, “Lições”, infinitamente melhor e
mais emocionante do que “Laços”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário