segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Como Enlouquecer Seu Chefe


 A arte de se conceber um longa-metragem é, como todas as outras mais, ambígua; o diretor Mike Judge (criador da animação “Beavis & Butthead”), baseado no curta-metragem “Milton”, realizou “Como Enlouquecer Seu Chefe” em 1999 depositando nele suas impressões sobre o descontentamento trabalhista da classe média norte-americana com o foco numa usual e convencional empresa de executivos. Terminou concluindo que sua realização estava abaixo da qualidade que perseguia. Entretanto, com o passar do tempo, o público foi fornecendo uma percepção diferente: Embora não tenha se consolidado como um sucesso, “Como Enlouquecer Seu Chefe” ganhou admiradores, apreciadores e cultuadores ao longo dos anos, atentos ao apuro incomum de seu humor, aos personagens memoráveis e às cenas notáveis carregadas de inspiração.

Peter (Ron Livingston, de “Band Of Brothers”) trabalha como executivo na quase medíocre empresa Initech –um conglomerado de divisórias e cubículos de escritório no qual as funções de cada um pouco ou nada fazendo de sentido. Peter não gosta de seu trabalho, opinião partilhada, ainda que com mais cautela, por seus colegas e melhores amigos Samir (Ajai Naidu, de “Pi” e “Papai Noel Às Avessas”) e Michael Bolton (David Herman, num personagem que padece por ter o mesmo nome do cantor...). Também pudera: Chefiado por quase uma dezena de supervisores, Peter tem de ouvir as mesmas reclamações, recriminações e reprimendas múltiplas vezes, além de quase nunca escapar do inevitável “convite” para fazer serão nos sábados e domingos (!).

Numa noite de sexta-feira, quando participa de uma incomum sessão de psicoterapia arrastado pela quase ex-namorada, Peter é hipnotizado a fim de experimentar um momento de relaxamento em relação às pressões cotidianas. O problema é que o psicoterapeuta tem um infarto um segundo antes de tirá-lo do transe (!), o que mantém Peter nesse estado de, digamos, leveza existencial com o qual acaba indo trabalhar na segunda-feira.

Agora, Peter não mais se importa com o trabalho, com as exigências dos patrões (sendo o mais mala-sem-alça deles o bizarro Lumbergh vivido por Gary Cole) nem com as demandas de sua ocupação. Contudo, a nova atitude parece agradar e muito os profissionais contratados para promover cortes na empresa, e eles se decidem por não apenas manter Peter no escritório (a despeito das inúmeras demissões impiedosas que vão praticando) como também resolvem promovê-lo (!).

Em si, pode-se afirmar que não há nada de extraordinário em “Como Enlouquecer Seu Chefe”, e esse é um dos muitos equívocos que os desavisados são capazes de cometer em relação à ele: Uma olhada com atenção pode perfeitamente evidenciar qualidades insuspeitas em sua realização, uma criatividade singular na elaboração sucessiva de sequências memoráveis (a cena inicial ilustrando brilhantemente os aborrecimentos do engarrafamento de trânsito; o irônico e repentino acidente de carro sofrido por um empregado que, segundos antes, desistiu do suicídio; a ressentida e hilariante vingança dos três amigos contra a impressora do escritório que sempre dava pane nos piores momentos, além de inúmeras outras) e principalmente, a brilhante construção de personagens: Se o protagonista, ainda que funcional e simpático, soa genérico, toda a fauna que o cerca é absolutamente genial, começando pelo hilário Milton, personagem oriundo do curta que inspirou o filme (interpretado por Stephen Root numa das mais curiosas composições de comédia já realizadas); Joanna, o interesse romântico vivido por Jennifer Aniston durante a fase “Friends” que não tarda começar a surpreender o expectador; e o sensacional vizinho Lawrence (Diedrich Bader, de “Napoleon Dynamite”) que, devido à fragilidade na espessura das paredes do apartamento tem noção de absolutamente toda a história do filme, sem jamais participar dela (!!).

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