segunda-feira, 15 de agosto de 2022

O Destino Bate À Sua Porta


 Uma cria da Nova Hollywood, o diretor Bob Rafelson, a exemplo dos Irmãos Coen com “Gosto de Sangue”, do mesmo período, almejou transpor uma narrativa de filme noir transfigurada para as ousadias mais possíveis e amplas de suas possibilidades sexuais e visuais para o cinema dos anos 1980, ao realizar este “O Destino Bate À Sua Porta”. Diferente dos Coen, entretanto, Rafelson refilmava o que havia sido um filme noir de fato –uma produção de 1946 dirigida por Tay Garnett –uma trama sobre adultério e homicídio premeditado.

O andarilho Frank (Jack Nicholson em sua quarta colaboração com o diretor depois de co-roteirizar “Os Monkees Estão À Solta” e estrelar “Cada Um Vive Como Quer” e “O Rei da Ilusão”) chega ao restaurante de beira de estrada conduzido pelo grego Nick Papadakis (John Colicos, de “A Troca”) e por sua sensual esposa Cora (a linda Jessica Lange). Nos códigos impregnados de propósito de sua narrativa liberadamente sensual, Rafelson expõe, nessa primeira parte, a disparidade entre o casal Nick e Cora: Ela, desejável e bela; ele, desmazelado e repulsivo.

Embora não seja nenhum vilão –retratado com a ambiguidade de uma vítima em potencial como toca ao bom cinema dramatúrgico –não demora o filme despertar o questionamento do expectador acerca da viabilidade desse matrimônio; e com isso fazendo o público cúmplice das obviedades que estão por vir: Frank, disponível, afoito e interessado, irá converter-se, sim, em amante de Cora –numa cena salpicada de audácia, onde fazem sexo sobre a mesa da cozinha!

Na esteira disso, a conclusão obscura e bastante inerente aos filmes noir: O crime (ou melhor, o assassinato) é o atalho mais curto para esposa e amante se livrarem do empecilho que representa ser o marido.

Embora se atenha com certa reverência à trama vinda do filme antigo, o trabalho de Rafelson na condução dessa narrativa nunca deixa de almejar a desmistificação: O próprio ato do homicídio em si, é despido das pulsões abruptas e de certa forma eloquentes do gênero. A morte surge num viés hediondo e fisiológico que a faz terrível e desagradável em qualquer ângulo. É notável também o modo como Rafelson sublinha o papel da mulher nessa execução em detrimento de um parceiro masculino inesperadamente falho e relutante.

Curioso em sua realização (sobretudo, pelo modo com que ressalta seu imprevisto erotismo), lento em sua narrativa (uma característica que Rafelson já demonstrara em outros trabalhos) e indefinido enquanto gênero (oscila entre um suspense de ares fatalista, um drama de obscuras predisposições criminais e, veja só, uma história de amor) “O Destino Bate À Sua Porta” parece deliberadamente ser um corpo estranho no formato e na estrutura  em que se concretiza, sensação potencializada pelo final um tanto arbitrário como forma de ratificar uma moral onipresente sobre o destino torpe de seus personagens.

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