segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Parceiros da Noite


 Em 1980, William Friedkin já era um diretor consagrado –tinha ganho o Oscar uma década antes com “Operação França”, era reconhecido pelo fenômeno “O Exorcista” e tinha assinado grandes obras como “Comboio do Medo” –entretanto, diferente do que costuma acontecer com frequência hoje em dia, o reconhecimento não lhe tinha tirado a audácia. No início daquela década, ele aproveitou o gancho de um livro homônimo de autoria do jornalista da prestigiada “The New Yorker”, Gerald Walker, para realizar um filme que girava em torno dos assassinatos cometidos contra homossexuais na Nova York dos anos 1970. Estava então aceso o estopim para o explosivo "Parceiros da noite" –ou “Cruising”, seu título original –o primeiro filme hollywoodiano a retratar o universo gay de forma realista.

Proibido em diversos países e quase responsável pelo comprometimento das carreiras do diretor Friedkin e do astro Al Pacino que executaram uma manobra corajosa e vanguardista ao darem a cara a tapa neste projeto audacioso.

A despeito do fracasso homérico de público e crítica experimentado em sua estréia, “Parceiros da Noite” é hoje, entre outras coisas, uma espécie de clássico maldito e um importante registro histórico de mazelas culturais e sociais muito particulares da cena de Nova York no início da década de 1980.

Vivido por Al Pacino, Steve Burns é um policial convencional de Nova York –diferente de “Serpico” (que o próprio Al Pacino vivenciou magnificamente sete anos antes), Steve é um homem comum, casado, doméstico e rotineiro. Quando seu distrito se vê alarmado pelas ações de um serial killer que aparentemente ataca a comunidade gay, seu chefe, o Capitão Edelson (Paul Sorvino) instrui Steve para agir como um agente infiltrado na Time Square e no Central Park, redutos de prostituição e sexo livre na Nova York de então, na tentativa de rastrear o assassino. Steve tem assim, que adotar uma nova persona, o que o afasta da esposa Nancy (Karen Allen, um ano antes de “Os Caçadores da Arca Perdida”). Entretanto, com o tempo e à medida que  vai emergindo mais e mais no submundo gay nova-iorquino, Steve se transforma. Algo nele mudou, e ele não é mais o homem que era antes a partir do momento em que passou a descobrir certas verdades a respeito de si mesmo.

Como em seus trabalhos mais reconhecidos e premiados, William Friedkin promove, em “Parceiros da Noite” um mergulho sem concessões em áreas sombrias da mente humana. Áreas essas que o expectador, não necessariamente tem vontade de adentrar –e, de certa forma, está aí o segredo de sua contundência: Ao abraçar o caráter homofóbico e misógino embutido em sua premissa, Friedkin elabora um tratado sobre a distinção humana tão fascinante e perturbador quanto o foi “O Exorcista”, e tão poderoso e chocante em seu retrato cru e violento quanto foi “Operação França”, colocando, de certa maneira, um espelho diante do próprio público e convidando-o a contemplar com perplexidade as dimensões desagradáveis de sua própria discriminação. A um só tempo obra de arte e painel das perversões e crueldades urbanas, “Parceiros da Noite” é um exemplo da tenacidade irrestrita com que um diretor é capaz de mergulhar na caracterização do universo pernicioso e fetichista que se dispõe a abordar.

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