Os anos 1970 encontravam-se numa situação
propícia para as arrojadas obras que surgiram naquela época: Não apenas o
cinema –como outras formas de arte, também –oferecia amplo terreno para experimentações
temáticas e estéticas que realmente aconteceram, como a geração de realizadores
que despontaram nesse período mostrou-se avidamente afeita à desbravar esses
novos territórios.
Filmes de terror eram, e até hoje ainda são, um
gênero extremamente popular. Mesmo muitas das obras concebidas com pensamento
subversivo e artístico, acabavam caindo nas graças do público. Provavelmente porque,
ao contrário dos outros gêneros, o terror implica em submeter o expectador à
uma experiência que, não raro, beira o extenuante. Ao menos, aquele tipo de
terror que busca o objetivo primal do gênero: Provocar medo.
Em entrevistas que deu ao longo da carreira, o
diretor William Friedkin –que dois anos antes, em 1971, conquistou o Oscar por “Operação
França” –sempre afirmou que a idéia de seu filme seminal de terror não era
provocar o medo como objetivo final, mas sim levantar uma questão pertinente e
carregada de ramificações humanas a respeito dos obstáculos da fé.
Apesar disso, ele conseguiu, sim, realizar um
dos mais horripilantes filmes do cinema. Tanto que até hoje, blockbusters
providos do gênero, tentam inutilmente imitá-lo na busca vã por recriar seu
singular e longevo efeito amedrontador.
A trama de “O Exorcista” começa no Oriente
Médio, brilhantemente mergulhada nas inquietações do diretor Friedkin, ao
acompanhar a sina do padre Merrin (um extraordinário Max Von Sydow), incapaz de
encontrar paz exatamente porque seus embates com o próprio demônio, na
qualidade de especialista em exorcismos, o deixaram ciente do mal incrustado em
todas as entranhas prováveis e possíveis do mundo.
Um corte tão brusco quanto fenomenal –característica
do diretor –nos arremessa desse cenário poeirento e desolador para um mais
familiar, onde esse mesmo mal se esconde com maior facilidade. É uma cidade dos
EUA. Regan (a impressionante Linda Blair, numa ousada interpretação com apenas
14 anos), uma garotinha de classe média-alta norte-americana, filha de uma
atriz de cinema (Ellen Burstyn, sempre primorosa), apresenta pouco a pouco
sintomas assustadores de dupla personalidade.
Grande artista e narrador tarimbado de
histórias, Friedkin força uma ligeira depreciação da capacidade de seu filme no
expectador em sua primeira meia hora de filme.
As cenas corriqueiras que ele registra –sempre com
perícia –vão tomando o tempo do público, fazendo-o esquecer das conseqüências da
premissa, e dando a absolutamente enganosa sensação de que este será um filme
muito mais sutil.
Ledo engano: Quando menos se espera o filme de
Friedkin começa a surpreender, a espantar, a convencer nosso ceticismo, a
oprimir nossa certeza de segurança –tudo nessa mesma ordem –e a conduzir o
expectador à um terreno que, pelo menos nos anos 1970, uma grande parte do
público não estava pronta a ir.
Gradativamente, aqueles sintomas de dupla
personalidade de Regan vão se somando a acontecimentos estranhos que ocorrem
por toda a casa e vizinhança, alarmando as pessoas próximas. Seus exames
médicos, sucessivos e cada vez mais dolorosos, nada revelam acerca do mal que
acomete à criança, até que a mãe é aconselhada a fazer um ritual de exorcismo.
Incrédula, ela procura por um jovem padre
(Jason Miller) quando esgotam-se suas alternativas, mas mesmo a igreja católica
é cética com a possessão demoníaca nos dias de hoje. Por fim, quando o filme já
se encaminha para sua devastadora meia hora final, Merrin, um dos únicos
exorcistas com experiência no mundo é chamado do Oriente Médio para ajudá-la. A
seqüência de exorcismo que se segue então é um dos momentos mais
impressionantes deste filme de terror lendário, dos poucos capazes de gerar
medo genuíno no espectador.
Visto hoje, após uma ampla, insistente e ainda
persistente tentativa do cinema comercial em imitá-lo paulatinamente, muitas de
suas cenas podem parecer convencionais por já terem sido exploradas em outras
produções.
Mas, a percepção apurada do
diretor Friedkin, que teve o ímpeto de ineditismo de revestir com verossimilhança
sua premissa sobrenatural e sua ousadia em moldar cenas que se mantêm, muitas
delas, aterradoras e chocantes até hoje, é algo que filme algum consegue
reproduzir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário