segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Watchmen

Como na graphic-novel que o originou, há em “Watchmen-O Filme” uma riqueza de detalhes tal que se faz necessário assisti-lo muitas vezes para se capturar tudo, e tentar decifrar a razão de tantos pormenores deixados ali. É um trabalho de narrativa dos mais fascinantes este que orquestra Zack Snyder. 
Se por um lado, ele busca obsessivamente satisfazer a imensa legião de fãs que a clássica história em quadrinhos arrebanhou desde que fora lançada em 1989, com uma fidelidade desconcertante de caracterização, diálogos, enquadramentos de câmera e condução de roteiro; por outro, ele busca a cada cena uma forma de alojar as idéias do escritor Alan Moore numa perfeita narrativa cinematográfica. E nesse sentido, o uso magistral da trilha sonora é só o mais evidente esforço. 
Snyder quer, e para minha admiração muitas vezes consegue, trazer a analogia também para o cinema. E essas implicações só tornam “Watchmen” ainda mais complexo e notável. Snyder tinha em mente, eu acredito, que se a graphic-novel era a mais influente história em quadrinhos de todos os tempos, seria necessário que sua adaptação assimilasse e refletisse essa influência para os próprios filmes que são, eles mesmos, adaptações de quadrinhos, e além deles. 
Por isso, a narrativa de “Watchmen” guardar tantos significados, como o trecho do Vietnam, onde o Dr. Manhattan dizima vietcongues ao som da mesma Cavalgada das Valquírias que se ouve em “Apocalypse Now”; ou os trajes (sobretudo de Ozimandias) com musculatura salientada, praticamente uma alusão ao destoamento do figurino de “Batman & Robin”, famoso por ser um exemplo de como um filme não deve adaptar um gibi, os mamilos salientes dos trajes daquele filme, inclusive, são lembrados (e ganham completamente outro contexto) na vestimenta da maravilhosa Malin Ackerman como Espectral. 
Se há outro filme que parece assombrar “Watchmen” (e existem muitos), esse filme é “Blade Runner”, na estética suja e detalhada de uma realidade alternativa, no comentário ocasionalmente melancólico da trilha sonora, na fusão que faz de ação, existencialismo e ficção científica, no próprio potencial Cult, e sobretudo, na curiosa relação que consegue criar, como obra, com a década de 1980, em muito este filme lembra o primoroso trabalho de Ridley Scott. 
Tudo isso e tantas coisas mais que inevitavelmente escaparão aos olhos. 
Em meio à tudo isso, Snyder ainda encontra tempo de colocar em breves cenas um perversamente evidenciado vislumbre do World Trade Center, como antes era, lembrando que acima de tudo esta é uma história sobre a capacidade atroz do ser humano se auto-destruir, e dá ao ator Jackie Earl Haley a chance de dar um show de interpretação gestual no difícil papel de Roscharch. Ele está magnífico, ainda que elogiar Earl Haley é desmerecer o ótimo trabalho do elenco como um todo em captar o tom certo de cada personagem; a densa tristeza de Billy Crudup como Dr. Manhattan; a perplexa racionalidade de Patrick Wilson como Coruja. A presença inebriante de Malin Ackerman; o charme de Carla Gugino como Sally Jupiter; e a ambigüidade sarcástica de Jeffrey Dean Morgan como Comediante. 
Zack Snyder dá um belo salto de sofisticação e inteligência em relação ao seu bom trabalho anterior, o empolgante “300”.

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