Os grandes filmes são quase sempre os mais
difíceis de se comentar. Não há muitas palavras que lhes fazem jus. Menos ainda
se é um filme que resiste ao teste do tempo, e do fato de que mesmo diante da
pecha de ‘obra-prima imortal’ permanece um trabalho equilibrado e prazeroso de
se ver.
São poucas as obras que reúnem tão efetivamente
bem essas características desafiadoras quanto “Casablanca”.
Em algum ponto do Marrocos, em algum momento da
Segunda Guerra Mundial, o enxutíssimo roteiro nos deposita como expectadores da
rotina um tanto aventuresca e inusitada (por vezes permitida pela circunstância
da guerra) de Rick Blaime em seu bar no centro dessa cidade, que serve também
como um providencial refúgio para os dissidentes e fugitivos que desejam
escapar do jugo dos nazistas. Incorporado por um icônico Humphrey Bogart, Rick
é um anti-herói no sentido mais estrito da palavra. É cínico e calejado pela
vida, e de sua boca pouco se ouve sair menções de qualquer pensamento
altruísta, mas suas atitudes dizem o oposto: Que Rick se importa, sim, e à sua
maneira torpe e corrupta usará os meios que tem para burlar o esquema do mal,
instaurado ali, em Casablanca, pelos nazistas.
Tudo corre relativamente bem até que Laszlo, o
líder da resistência tcheca entra em seu bar, ladeado por nada mais nada menos
que o grande amor da vida de Rick, a sinuosa e enigmática Ilsa, cuja presença e
atuação de Ingrid Bergman fazem jus à todos os predicados da personagem. O
passado retorna para assombrar Rick; o passado do amor que viveu ao lado de
Ilsa, em Paris, e que viu ela deixando para trás sem maiores esclarecimentos,
fazendo ela responsável por grande parte desse cinismo que ele ostenta e que,
em grande medida, o define. Ilsa implora à Rick uma chance para que use de seus
meios para salvar Laszlo, e tal é seu desespero em relação à isso, que ela
oferece para Rick o único pagamento que poderia lhe ser devidamente
compensador: Ela própria!
O dilema de Rick, como protagonista de uma das
grandes histórias do cinema é, portanto, decidir entre a sua felicidade –nos
braços da mulher que ama –e as vidas inúmeras que o papel fundamental de Laszlo
para com a guerra poderão salvar. A tornar esse dilema mais nebuloso, está a
memória subjetiva de Rick, rememorando os eventos daquela Paris, ainda potentes
e dolorosos em sua lembrança, e que guardam, desafiadores, os traços que fazem
de Ilsa uma mulher dúbia e cheia de segundas intenções, ainda que sempre
apaixonante na mente de Rick.
Com esse primor de texto e
subtexto, o diretor Michael Curtiz urgiu uma das obras ímpares do cinema,
elaborando uma cena magistral em seguida da outra, para culminar na memorável
sequência no aeroporto, que você certamente já viu e ouviu falar mesmo sem
nunca ter assistido ao filme. E chega a dar pena, muita pena, de quem jamais
se prestou a pegar o DVD e assistir a “Casablanca”, este filme envolvente e
sensacional, que sem cerimônias, consegue ser um dos grandes esplendores do
cinema.
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