segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Casablanca

Os grandes filmes são quase sempre os mais difíceis de se comentar. Não há muitas palavras que lhes fazem jus. Menos ainda se é um filme que resiste ao teste do tempo, e do fato de que mesmo diante da pecha de ‘obra-prima imortal’ permanece um trabalho equilibrado e prazeroso de se ver. 
São poucas as obras que reúnem tão efetivamente bem essas características desafiadoras quanto “Casablanca”. 
Em algum ponto do Marrocos, em algum momento da Segunda Guerra Mundial, o enxutíssimo roteiro nos deposita como expectadores da rotina um tanto aventuresca e inusitada (por vezes permitida pela circunstância da guerra) de Rick Blaime em seu bar no centro dessa cidade, que serve também como um providencial refúgio para os dissidentes e fugitivos que desejam escapar do jugo dos nazistas. Incorporado por um icônico Humphrey Bogart, Rick é um anti-herói no sentido mais estrito da palavra. É cínico e calejado pela vida, e de sua boca pouco se ouve sair menções de qualquer pensamento altruísta, mas suas atitudes dizem o oposto: Que Rick se importa, sim, e à sua maneira torpe e corrupta usará os meios que tem para burlar o esquema do mal, instaurado ali, em Casablanca, pelos nazistas. 
Tudo corre relativamente bem até que Laszlo, o líder da resistência tcheca entra em seu bar, ladeado por nada mais nada menos que o grande amor da vida de Rick, a sinuosa e enigmática Ilsa, cuja presença e atuação de Ingrid Bergman fazem jus à todos os predicados da personagem. O passado retorna para assombrar Rick; o passado do amor que viveu ao lado de Ilsa, em Paris, e que viu ela deixando para trás sem maiores esclarecimentos, fazendo ela responsável por grande parte desse cinismo que ele ostenta e que, em grande medida, o define. Ilsa implora à Rick uma chance para que use de seus meios para salvar Laszlo, e tal é seu desespero em relação à isso, que ela oferece para Rick o único pagamento que poderia lhe ser devidamente compensador: Ela própria! 
O dilema de Rick, como protagonista de uma das grandes histórias do cinema é, portanto, decidir entre a sua felicidade –nos braços da mulher que ama –e as vidas inúmeras que o papel fundamental de Laszlo para com a guerra poderão salvar. A tornar esse dilema mais nebuloso, está a memória subjetiva de Rick, rememorando os eventos daquela Paris, ainda potentes e dolorosos em sua lembrança, e que guardam, desafiadores, os traços que fazem de Ilsa uma mulher dúbia e cheia de segundas intenções, ainda que sempre apaixonante na mente de Rick. 
Com esse primor de texto e subtexto, o diretor Michael Curtiz urgiu uma das obras ímpares do cinema, elaborando uma cena magistral em seguida da outra, para culminar na memorável sequência no aeroporto, que você certamente já viu e ouviu falar mesmo sem nunca ter assistido ao filme. E chega a dar pena, muita pena, de quem jamais se prestou a pegar o DVD e assistir a “Casablanca”, este filme envolvente e sensacional, que sem cerimônias, consegue ser um dos grandes esplendores do cinema.

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