As principais agruras enfrentadas pelo cinema comercial estão na dificuldade cada vez maior de satisfazer um público exigente, criado a base de internet e aplicativos digitais. O cinema comercial em geral segue fórmulas testadas e comprovadas para consumo. Se o filme segue essa fórmula com exatidão demasiada, o público pode taxá-lo de genérico; se ele tenta romper com esse parâmetro, o público pode ressentir-se e acusá-lo de ser estranho e/ou alternativo, repudiando-o. Agradar ao público requer um equilíbrio entre competência, tradição e inovação (ou senso de oportunidade) que muitas produções não são capazes de atingir. Não há, afinal, uma fórmula para o sucesso.
É um impasse dessa natureza que enfrenta a
continuação “Shazam! Fúria dos Deuses”. O filme de David F. Sandberg não apenas
continua os eventos da produção de 2019, mas também, sendo parte do turbulento
Universo DC Cinematográfico, chegou às telas num complicado momento de
transição: O universo inicialmente concebido por Zack Snyder em 2013 (do qual
este filme, em tese, faz parte) está em processo de reformulação com a chegada
de James Gunn e Peter Safran como chefes de criação e promessas de que muito do
que havia será rebootado (saem alguns atores antigos, entram atores novos;
personagens recomeçam suas trajetórias do zero). Os personagens referentes à
“Shazam!” nunca tiveram uma conexão mais aprofundada com o restante do Universo
DC, permitindo assim que este filme tivesse autonomia para fazer parte do novo
universo vindouro. No entanto, haviam alguns empecilhos, sendo eles o filme
“Adão Negro” (produção mal-fadada estrelada por The Rock que adaptava o arco de
um antagonista do herói deste filme, metendo os pés pelas mãos) e
principalmente, o descaso de todo o Departamento de Marketing da Warner Bros.
para com este filme, refletido numa pífia bilheteria.
Mais que isso, “Fúria dos Deuses” chega aos
cinemas num momento em que o questionamento em torno da relevância na profusão
de tantos filmes adaptados de histórias em quadrinhos chega ao seu ápice
–muitos são os que garantem que o público e até mesmo a indústria já chegaram
num ponto de saturação em que tais obras se tornam difíceis de engolir.
Independente de quaisquer argumentos contrários à essa questão, a sequência
dirigida por Sandberg realmente (embora não seja uma filme ruim) testa em
muitos momentos, a paciência do expectador.
Ele parte do princípio de que os poderes dados
à Billy Batson (Asher Angel em sua forma adolescente; Zachary Levi em sua forma
de herói adulto), no primeiro filme, pelo mago Shazam (Djimon Hounsou), que o
transformaram num superherói –e, à reboque, todos os membros de sua família,
seus outros cinco irmãos adotivos (!) –também despertaram a ira de duas deusas
legítimas, Hespera (a dama do cinema, Helen Mirren) e Kalypso (Lucy Liu, uma
das “Panteras”), desdenhosas com a dádiva de poderes oriundos de seus pais a um
grupo de mortais. O plano delas, enquanto vilãs, é de uma simplicidade
ginasiana: Usar do cetro mágico do mago Shazam (que, à propósito, elas fizeram
prisioneiro) para roubar os poderes conferidos aos campeões (a família de
Billy) e encontrar a semente da árvore da vida para fazer com que cresça no
planeta –mais especificamente em plena Filadélfia, onde moram os heróis –o que
irá proporcionar uma infestação de criaturas monstruosas que vão varrer a vida
humana da face da Terra.
Ao longo do processo desse embate entre as
forças do bem e do mal, o roteiro de Henry Gayden e Chris Morgan esmiúça um
pouco melhor o aspecto humano de seus protagonistas, esforçando-se em fazê-los
menos caricatos: Billy carrega o peso da liderança e da responsabilidade
(embora, persista aqui a falha do filme anterior na qual os dois intérpretes,
Angel e Levi, não conseguem entrar numa sintonia interpretativa; o primeiro é
um jovem soando demasiado sério, o outro um cara adulto aparentando forçada jovialidade);
seu irmão Freddy (Jack Dylan Grazer ganhando mais tempo de cena do que o
protagonista) enquanto tenta se desvencilhar das obrigações com o grupo e
seguir um caminho mais solitário acaba conhecendo a apaixonante Anthea (a
maravilhosa Rachel Zegler, do remake de “Amor Sublime Amor”, dirigido por
Spielberg), garota que guarda um grande segredo; e os demais irmãos de Billy...
bem, eles são tão enfadonhos e sem carisma que não chegam a importar muito ao
filme ou à sua trama –certamente, com a exceção de Mary (Grace Fulton), a
única que não muda de intérprete quando
se transforma em sua versão superheróica e, por isso mesmo, é a única a
conseguir conservar um carisma intacto na personagem.
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