sábado, 13 de maio de 2023

Shazam! - Fúria dos Deuses


 As principais agruras enfrentadas pelo cinema comercial estão na dificuldade cada vez maior de satisfazer um público exigente, criado a base de internet e aplicativos digitais. O cinema comercial em geral segue fórmulas testadas e comprovadas para consumo. Se o filme segue essa fórmula com exatidão demasiada, o público pode taxá-lo de genérico; se ele tenta romper com esse parâmetro, o público pode ressentir-se e acusá-lo de ser estranho e/ou alternativo, repudiando-o. Agradar ao público requer um equilíbrio entre competência, tradição e inovação (ou senso de oportunidade) que muitas produções não são capazes de atingir. Não há, afinal, uma fórmula para o sucesso.

É um impasse dessa natureza que enfrenta a continuação “Shazam! Fúria dos Deuses”. O filme de David F. Sandberg não apenas continua os eventos da produção de 2019, mas também, sendo parte do turbulento Universo DC Cinematográfico, chegou às telas num complicado momento de transição: O universo inicialmente concebido por Zack Snyder em 2013 (do qual este filme, em tese, faz parte) está em processo de reformulação com a chegada de James Gunn e Peter Safran como chefes de criação e promessas de que muito do que havia será rebootado (saem alguns atores antigos, entram atores novos; personagens recomeçam suas trajetórias do zero). Os personagens referentes à “Shazam!” nunca tiveram uma conexão mais aprofundada com o restante do Universo DC, permitindo assim que este filme tivesse autonomia para fazer parte do novo universo vindouro. No entanto, haviam alguns empecilhos, sendo eles o filme “Adão Negro” (produção mal-fadada estrelada por The Rock que adaptava o arco de um antagonista do herói deste filme, metendo os pés pelas mãos) e principalmente, o descaso de todo o Departamento de Marketing da Warner Bros. para com este filme, refletido numa pífia bilheteria.

Mais que isso, “Fúria dos Deuses” chega aos cinemas num momento em que o questionamento em torno da relevância na profusão de tantos filmes adaptados de histórias em quadrinhos chega ao seu ápice –muitos são os que garantem que o público e até mesmo a indústria já chegaram num ponto de saturação em que tais obras se tornam difíceis de engolir. Independente de quaisquer argumentos contrários à essa questão, a sequência dirigida por Sandberg realmente (embora não seja uma filme ruim) testa em muitos momentos, a paciência do expectador.

Ele parte do princípio de que os poderes dados à Billy Batson (Asher Angel em sua forma adolescente; Zachary Levi em sua forma de herói adulto), no primeiro filme, pelo mago Shazam (Djimon Hounsou), que o transformaram num superherói –e, à reboque, todos os membros de sua família, seus outros cinco irmãos adotivos (!) –também despertaram a ira de duas deusas legítimas, Hespera (a dama do cinema, Helen Mirren) e Kalypso (Lucy Liu, uma das “Panteras”), desdenhosas com a dádiva de poderes oriundos de seus pais a um grupo de mortais. O plano delas, enquanto vilãs, é de uma simplicidade ginasiana: Usar do cetro mágico do mago Shazam (que, à propósito, elas fizeram prisioneiro) para roubar os poderes conferidos aos campeões (a família de Billy) e encontrar a semente da árvore da vida para fazer com que cresça no planeta –mais especificamente em plena Filadélfia, onde moram os heróis –o que irá proporcionar uma infestação de criaturas monstruosas que vão varrer a vida humana da face da Terra.

Ao longo do processo desse embate entre as forças do bem e do mal, o roteiro de Henry Gayden e Chris Morgan esmiúça um pouco melhor o aspecto humano de seus protagonistas, esforçando-se em fazê-los menos caricatos: Billy carrega o peso da liderança e da responsabilidade (embora, persista aqui a falha do filme anterior na qual os dois intérpretes, Angel e Levi, não conseguem entrar numa sintonia interpretativa; o primeiro é um jovem soando demasiado sério, o outro um cara adulto aparentando forçada jovialidade); seu irmão Freddy (Jack Dylan Grazer ganhando mais tempo de cena do que o protagonista) enquanto tenta se desvencilhar das obrigações com o grupo e seguir um caminho mais solitário acaba conhecendo a apaixonante Anthea (a maravilhosa Rachel Zegler, do remake de “Amor Sublime Amor”, dirigido por Spielberg), garota que guarda um grande segredo; e os demais irmãos de Billy... bem, eles são tão enfadonhos e sem carisma que não chegam a importar muito ao filme ou à sua trama –certamente, com a exceção de Mary (Grace Fulton), a única  que não muda de intérprete quando se transforma em sua versão superheróica e, por isso mesmo, é a única a conseguir conservar um carisma intacto na personagem.

Embora elaborado com relativa habilidade e cheio de boas intenções, este segundo filme, na sinergia nem sempre harmoniosa de suas cenas de ação, no manejo ocasionalmente atrapalhado de diferentes núcleos de personagens e motivações e na complicação natural de abarcar personagens demais numa trama que pretende dar tempo de tela à todos na medida do possível (problema notoriamente enfrentado com bravura pelo diretor Bryan Singer, nos filmes dos “X-Men”) acaba ressaltando com involuntário exagero todos os elementos que já caracterizavam-se como defeitos pontuais do filme anterior, aqui evidenciados a ponto de comprometer muito do resultado. É possível, sim, assistir à “Fúria dos Deuses” e divertir-se com ele, mas sua chegada –num momento em que filmes de superheróis já se encontram defasados na predileção do público e o próprio universo do qual faz parte já tem suas primeiras pás de cal jogadas sobre si –não poderia ser numa hora pior.

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