terça-feira, 16 de maio de 2023

Glass Onion - Um Mistério de Entre Facas e Segredos


 Prova do poder abrangente conquistado pela Netflix, a medida que o já estabelecido formato de streaming ganha cada vez mais adesão do público, a plataforma comprou os direitos do sensacional “Entre Facas e Segredos”, de seu criador em pessoa, Rian Johnson, para ter exclusividade absoluta sobre sua continuação, este notável “Glass Onion” –e certamente sobre outras continuações mais que virão.

Seguindo a linha e estilo investigativo de Agatha Christie (as história de Hercule Poirot, como “O Assassino No Expresso do Oriente”) e Arthur Conan Doyle (as histórias de Sherlock Holmes), os filmes dessa nova série centralizam-se no detetive Benôit Blanc (vivido com entusiasmo fulgurante por Daniel Craig), um gênio da dedução prática e do raciocínio rápido que leva, sobre suas influências ancestrais e literárias já citadas, a vantagem de pertencer ao presente, e portanto, à um mundo onde as tramas rocambolescas e intrincadas de investigação veem adornadas com as usuais peculiaridades da vida moderna, como as mídias digitais, o comportamento das pseudo-celebridades e, neste caso em questão, as circunstâncias muito particulares da pandemia: Em seu arrojo, “Glass Onion” é uma das primeiras produções hollywoodianas a ambientar sua trama –ainda que vagamente –dentro do período característico e lastimável do lockdown iniciado em 2020, no qual Benôit Blanc, dono de uma mente brilhante e inquieta –e, por isso mesmo, ávida por desafios ao seu intelecto –está quase a enlouquecer dentro da segurança de seu apartamento.

Contudo, um inesperado caso a ser resolvido vem atender seus anseios: Um convite inusitado para um fim-de-semana junto de vários amigos pessoais do excêntrico bilionário Miles Bron (Edward Norton) em sua luxuosa ilha particular, a fim de participar de uma estranha brincadeira na qual o mistério a ser desvendado vem a ser o de seu iminente assassinato (!). No entanto, há um outro mistério pairando no ar: Ninguém conhece Benôit Balnc (salvo sua alardeada fama, claro), e Benôit Blanc não conhece ninguém. Quem, então, enviou-lhe o convite para que participasse da reunião?

Tal convite, diga-se, é entregue no prólogo, aos demais convidados, na forma de uma caixa enigmática e elaborada a qual eles devem decifrar vários enigmas até abrí-la por completo (no melhor estilo “Código Da Vinci”) para então encontrar o cartão de convite; e tais convidados são: A candidata à senadora Claire Debella (Kathryn Hahn, de “Um Amor A Cada Esquina” e da série “WandaVision”); a fútil modelo Birdie Jay (Kate Hudson) em vias de chegar à precoce aposentadoria da profissão; o cientista Lionel Toussaint (Leslie Odom Jr.), o digital influencer Duke Cody (Dave Bautista), junto de sua ostensiva namorada Whiskey (Madelyn Cline, de “Boy Erased”) e a maior responsável pela fortuna de Miles, Cassandra Brand (Janelle Monáe, de “Estrelas Além do Tempo”) e, por conta de um golpe aplicado no passado pelo próprio Miles, tida pelos demais como persona non grata na ilha.

Todos –talvez, com a exceção de Cassandra e do próprio Benôit –se encontram lá, menos pela forte amizade por Miles Bron, e mais porque cada um, por diferentes razões, depende dele e de seu dinheiro para manter o elevado status de vida, e todos se tornam suspeitos quando, em determinado momento, mortes começam a acontecer –e nenhuma se trata da morte de Miles, veja só!

Como todo o bom suspense que se preza –e que parece fazer muito o gosto do diretor e roteirista Rian Johnson, apaixonado por tramas complexas –nada é o que parece ser, e revelações pontuais acabam não apenas modificando por completo as relações inicialmente presumidas entre os personagens, como também dando rumo completamente inesperado ao próprio filme. Está aqui, pois, um verdadeiro desafio aos expectadores que se acreditam capazes de tentar antecipar e adivinhar as vindouras guinadas de um argumento.

Além de urgir com rara concisão uma trama cheia de admiráveis reviravoltas –algumas tão radicais que podem soar em princípio implausíveis –e contar com um elenco absolutamente estelar e bem calibrado na composição dos integrantes dessa intriga (além dos já citados, também Hugh Grant, Angela Lansbury e Ethan Hawke fazem pequenas participações), Rian Johnson conduz tudo com um vibrante bom humor, conferindo fina ironia à ocasional morbidez e charme irrestrito ao andamento investigativo. Se continuar nesse elevado nível de qualidade, o personagem Benôit Blanc haverá de se consagrar como o protagonista da melhor sequência de filmes de detetive nos tempos atuais.

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