sexta-feira, 19 de maio de 2023

Screen, Queen! My Nighmare On Elm Street


 Dentre todos os filmes de franquia “Hora do Pesadelo”, o segundo filme é até hoje alvo de um culto inusitado: Criticado à época e apontado por muitos como uma espécie de alegoria velada ao homossexualismo enrustido –isso, nos anos 1980, quando o ápice da AIDS levou Hollywood e a sociedade à uma crise de discriminação generalizada –comprometendo muitos dos envolvidos no projeto. Certamente, aquele que mais sofreu a repercussão negativa do longa foi o ator Mark Patton, intérprete do jovem protagonista Jesse, cuja interpretação foi, por muito tempo, atrelada ao viés homoerótico apontado no filme.

Este documentário, realizado por Roman Chimienti e Tyler Jensen, em 2018, esmiúça ao lado de Patton, esses percalços em busca de uma verdade e das torpes razões preconceituosas que levam ocasionalmente à destruição de uma carreira.

Inicialmente, “Screen, Queen! My Nightmare On Elm Street” foca sua atenção na progressão da carreira artística de Mark Patton: Por volta de 1977, ele participou de uma montagem teatral, na Broadway, da peça “Come Back To The Five and Dime, Jimmy Dean, Jimmy Dean”, como um dos personagens coadjuvantes. Quando a peça foi adaptada para cinema, em 1982, por Robert Altman, com Cher, Sandy Dennis e Karen Black (aqui no Brasil com o título “James Dean, O Mito Sobrevive”), Mark fez sua estréia cinematográfica. Vivendo de papéis coadjuvantes, ele julgou que havia finalmente ganhado sua grande chance ao ser selecionado para participar de “A Hora do Pesadelo 2”, de Jack Shoulder (diretor de “The Hidden-O Escondido”), afinal, “A Hora do Pesadelo” original havia sido um grande sucesso e revelado ao mundo o astro Johnny Depp. No entanto, nem Mark, nem a indústria hollywoodiana e nem a sociedade norte-americana de então estavam prontos para a desconstrução que o filme propunha em suas entrelinhas: Ao colocar um rapaz como alvo do vilão Freddy Krueger –indo na contramão da tradição do terror que sempre colocava uma mocinha –o roteiro tornava o personagem masculino uma vítima indefesa, agregando-lhe características femininas. Isso, e mais uma variedade de situações criadas dentro do filme (como uma cena ambientada no Bar Gay mais famoso de Los Angeles) acabavam levando à uma conclusão de ambivalência sexual.

O filme despertou a homofobia de parte do público e da crítica, e muitos foram (inclusive o roteirista David Chankins, tentando livrar a cara) os que apontaram a atuação de Mark Patton como principal responsável por essa impressão; há, por sinal, até mesmo um depoimento posterior, no qual o diretor Shoulder tenta afirmar, sem a menor convicção, que não imaginava que “Pesadelo 2” tivesse, na época, essas sugestões homossexuais em seu enredo.

A partir do lançamento do filme, o estigma de homossexual passou a perseguir Mark impedindo-o de obter bons papéis, e fazendo-o, com o tempo, abandonar a carreira de ator. Mark Patton era, de fato, homossexual –ele foi, inclusive, infectado por HIV, por um parceiro –no entanto, ele manteve-se dentro do armário em seu início de carreira, por razões óbvias: O preconceito para com homossexuais era extremo na virada dos anos 1970 para os 80, e o medo da AIDS promoveu uma Caça às Bruxas em Hollywood. Quando ficou claro que ele jamais seria visto pela indústria como algo que não um ator homossexual, Mark Patton desistiu do cinema, foi estudar arquitetura e morar no México.

O filme de Chimienti e Jensen (produzido pelo próprio Mark Patton) resgata sua história e vale-se da passagem do tempo (exatos trinta e três anos depois) para mostrar a mudança radical sofrida pela percepção do filme (outrora execrado, e mais tarde, abraçado pela comunidade LGBT), aproveitando para rever conceitos negados veementemente pelos realizadores de “A Hora do Pesadelo 2” na época em que fora lançado –nesse sentido, a despeito das inúmeras participações do elenco e da equipe técnica que a obra reúne, é absolutamente essencial a cena em que Mark Patton fica cara-a-cara com o roteirista David Chankins, que termina pedindo-lhe perdão por ter botado toda a culpa do subtexto gay do filme em Mark.

Emocionante, “Screen, Queen! My Nightmare On Elm Street” mostra as desilusões incomensuráveis e os abismos insondáveis de tristeza que pode reservar o showbuziness àqueles injustiçados que têm seus sonhos destruídos pelos tentáculos insidiosos do preconceito, nesse sentido, na formidável resolução que o tempo proporciona à tudo, e na recompensadora amostra do culto nascido em torno de Mark e de seu único filme como protagonista, o documentário é uma verdadeira catarse. Ele mostra que o aplauso e a redenção podem, sim, aguardar como recompensa aos tenazes e persistentes ao fim de um árduo e sofrido caminho e que, diante desses e de outros revezes, o mundo real sempre guarda monstros muito mais mortais e perigosos do que Freddy Krueger.

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