sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Meu Pai


 Não foi, deveras, à toa que Anthony Hopkins conquistou seu segundo Oscar de Melhor Ator por este trabalho (o primeiro, ele ganhou em 1991 por “O Silêncio dos Inocentes”); no papel de um homem idoso assolado por conflitos internos com a própria sanidade, Hopkins equilibra primorosamente um humor raivoso, uma empatia genuína e uma poderosa compreensão sobre os efeitos irreversíveis do tempo sobre todos nós.

Como ele, seu personagem se chama Anthony –estendendo ainda mais a identificação entre ator e personagem, uma vez que o próprio Hopkins reconheceu seu medo avassalador de sucumbir à demência conforme a idade vai avançando –ele mora em um apartamento, no qual recebe ocasionais visitas da filha, Anne (Olivia Colman). Ou será que Anthony, na realidade, mora com a filha e seu marido? –personagem este que, num momento, aparece interpretado por Mark Gatiss (da série inglesa “Sherlock”), noutro, por Rufus Sewell (!), sem que ele consiga compreender por inteiro essa alternância. Logo, não demora muito ao expectador começar a encaixar as peças do quebra-cabeças que permite entender tal confusão: O roteiro (por sinal, também ele premiado com o Oscar) escrito pelo próprio diretor Florian Zeller, em colaboração com Christopher Hampton, se propõe a entrar na mente de Anthony, e fazer do público testemunha de alguém que está perdendo a sanidade.

Assim, do ponto de vista de Anthony, os atores que vivem seu genro se alternam sem que ele consiga distinguir quem eles são –o mesmo, em dado momento, ocorre com Anne, quando a narrativa coloca Olivia Williams para interpretá-la! Situações se sucedem numa atmosfera de estranhamento, e deixam Anthony perplexo diante dos fatos: Em alguns, ele custa a compreender o que se passa, em outros, fica envergonhado de expor aos demais suas escancaradas limitações, e algumas vezes até acredita que as pessoas à sua volta podem estar corroborando para iludi-lo. A reação, autêntica, minuciosa e emotivo de Hopkins, de fato assemelha-se aos comportamentos por vezes tidos como complicados e intratáveis dos idosos acometidos justamente pela senilidade.

Econômico, objetivo (nota-se, com pronta evidência que a estrutura teatral, entre outras coisas, foi consequência do projeto ter sido elaborado e concebido em tempos de pandemia) e extremamente humano, o trabalho do diretor Zeller é um filme que caminha no equilíbrio delicado entre exacerbar o expectador com seu drama irreversível (e nisso, ele tem algo do pungente “Amor”, de Michael Haneke) e levá-lo a refletir ao impor o ponto de vista de outra pessoa, um enfermo, nessas circunstâncias (quando o padrão de filmes assim é assumir o ponto de vista dos filhos –“Meu Pai, Uma Lição de Vida” –ou dos cuidadores), para conseguir a realização de tal milagre, este filme felizmente conta com a presença avassaladora de Anthony Hopkins, um dos grandes atores do cinema, numa das grandes atuações de sua carreira.

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