O cinema de Christopher Nolan sempre foi uma junção imprevista de gêneros comerciais. Ação e espionagem com thriller onírico em “A Origem”. Ficção científica em larga escala e drama familiar em “Interestelar”. Adaptação de histórias em quadrinhos com referência ao policial setentista em “Cavaleiro das Trevas”. Suspense rocambolesco com filme de época em “O Grande Truque”, e assim por diante. Há uma nova mescla em “Oppenheimer” e, na habilidade melindrosa e na insuspeita elegância com que tudo é feito, isso é um pouquinho mais difícil de ser dissecado.
Como sempre, no interesse irreprimível por seus
personagens e suas trajetórias, Nolan distorce, torce e retorce o tempo a fim
de acompanhar, justapor e refletir as várias etapas de suas vidas. “Como se
resume toda uma vida?” é uma pergunta que surge, mais de uma vez, já na
primeira parte de “Oppenheimer”. Nolan parece usar de seu filme para afirmar
que tal feito não é virtualmente possível. Seu protagonista é J. Robert
Oppenheimer (vivido com solidez metódica e competência instintiva por Cillian
Murphy), o ‘pai da bomba atômica’. E quando o encontramos, Nolan o mostra
contrapondo duas situações distintas no tempo. Em 1954, quando foi intimado a
uma audiência de segurança pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos
(AEC), e logo depois, já na qualidade de pivô para uma audiência posterior no
senado norte-americano, a fim de confirmar a neutralização de sua influência
política, a envolver o Almirante Lewis Strauss (Robert Downey Jr., brilhante).
O Almirante Strauss, aliás, quando surge, quase
sempre nos momentos fundamentais da segunda metade da trama, parece
protagonizar um outro filme à parte –e não à toa, suas cenas são mostradas por
Nolan em preto & branco, numa forma de diferenciar, seus segmentos dos
demais, protagonizados por Oppenheimer. Ademais, essas duas sequências de
audiência (a da AEC, em cores, e a do Senado, em preto & branco) são duas
circunstâncias de julgamento, onde estão em pauta questões morais que só
chegaram a pesar de verdade anos depois da gênese desconcertante da bomba
atômica, e do poder destrutivo que ela, por fim, revelou ao mundo. Em algum
momento, desse fluxo narrativo –que Nolan converte num turbilhão de informações
tecnicamente pesadas até deliberadamente harmonizar seu ritmo, num esforço de
acompanhar a mente inquieta de seu personagem –o filme começa a contar, de modo
um pouco mais linear, a história de Oppenheimer: Estudante de Física Quântica
na Europa, onde acompanhou com entusiasmo as palestras do cientista Niels Bohr
(Kenneth Brannagh), em meados da década de 1920, Oppenheimer ficou conhecido
por sua dedicação e tenacidade nos círculos acadêmicos da Alemanha e da Suíça
antes de voltar aos EUA, na tentativa de levar as arrojadas pesquisas no campo
quântico para as universidades norte-americanas. Em Berkeley, na Califórnia,
ele conhece o Prof. Ernest Lawrence (Josh Hartnett), ao lecionar no Instituto
de Tecnologia, época em que suas primeiras inclinações políticas de esquerda
aparecem: Ele incentiva alunos e professores para a criação de um Sindicato que
representasse a categoria, e envolve-se com a ativista do Partido Comunista
Jean Tatlock (Florence Pugh) para depois casar-se com a ex-comunista Kitty
Puening (Emily Blunt).
Em 1942, com a Segunda Guerra Mundial em curso,
e com os norte-americanos alarmados com as pesquisas avançadas em fissão
nuclear dos cientistas alemães, o governo dos EUA, representado pelo General Leslie
Groves (Matt Damon) convida o Dr. Oppenheimer a liderar o Projeto Manhattan com
a complicada missão de ultrapassar os esforços alemães e chegar na frente da
corrida armamentista para construir a primeira bomba atômica. Para tanto,
Oppenheimer faz exigências inusitadas aos militares: constrói toda uma
cidadezinha do zero, com infraestrutura e tudo, no vale amplo e deserto de Los
Álamos, para abrigar os vários departamentos de produção que ele iria
administrar a fim de que as pesquisas quânticas avançassem sem os empecilhos da
sempre –como a distância dos familiares, por exemplo –e (a exigência mais
difícil para o Exército Norte-Americano), fazer vista grossa às tendências
comunistas deste ou daquele cientista, tido por Oppenheimer como fundamental ao
projeto. Sua equipe incluía o abnegado Edward Teller (o também diretor Ben
Safdie), ferrenho defensor do desenvolvimento da bomba de hidrogênio, o
cauteloso e criterioso Isidor Isaac Rabi (David Krumholtz, de “Roda Gigante”),
o pesquisador Enrico Fermi (Danny Deferrari) e o atencioso David L. Hill (Rami
Malek).
Nos anos tumultuados entre o desenvolvimento do
projeto e a criação de fato da bomba, muitas coisas acontecem –os alemães são
derrotados, restando somente a oposição bélica dos japoneses no Pacífico; o
presidente Dwight Eisenhower, responsável pelo início do Projeto Manhattan,
morre e é substituído por Harry S. Truman (vivido por Gary Oldman); e Jean
Tatlock suicida-se na banheira de sua casa –contudo, no dia 16 de julho de
1945, os esforços de Oppenheimer e sua equipe numerosa culminam no Teste
Trinity, realizado num campo deserto, nas proximidades de Alamogordo, provando
a viabilidade da bomba atômica, e seu poder descomunal de destruição. Na
sequência, as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki são escolhidas para
serem os alvos da bomba, encerrando, por fim, as hostilidades da Grande Guerra.
Entretanto, os transtornos de Oppenheimer
estavam longe de terminar. Quando ele –movido por temores anteriores ao Projeto
Manhattan, discutidos com o sensato Prof. Einstein (Tom Conti), de que a bomba
atômica seria um perigo para o mundo caso não houvesse colaboração entre as
nações –busca restringir novos avanços na pesquisa de energia nuclear para fins
bélicos, ele logo deixa de ser uma celebridade para, aos olhos do governo, se
tornar uma figura discordante com os preceitos da Guerra Fria contra União
Soviética que então se precipitou no horizonte, o que o leva à audiência de
segurança da AEC, cujos depoimentos e interrogatórios (todos posicionados como
ganchos pontuais dos flashbacks do
roteiro), visaram descobrir as relações comunistas mantidas por Oppenheimer.
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