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terça-feira, 16 de abril de 2024

Morte No Nilo


 Não deixa de ser admirável que, entre franquias milionárias de superheróis que dão certo ou não, e criações mirabolantes e fantasiosas afins, o diretor e astro Kenneth Branagh tenha sido capaz de emplacar, nesses tempos atuais de pirotecnia, uma espécie de franquia focada na astúcia do roteiro, na excelência das interpretações e no amparo de adaptações literárias de obras da autora Agatha Christie que estão por aí desde muito tempo. Tudo começou com a versão repaginada, remodelada e modernizada (isso em termos de virtuosismo narrativo) de “Assassinato No Expresso do Oriente”, prosseguindo com este “Morte No Nilo” que dá uma continuidade sutil àqueles eventos.

A verdade é que “Morte No Nilo”, o livro de Agatha Christie, já havia sido outrora adaptado para cinema; numa produção de 1978 estrelada por Peter Ustinov (em substituição à Albert Finney, que viveu Hercule Poirot na primeira versão de “Assassinato No Expresso Oriente”) e dirigida por John Guilhermin. Carente de recursos, de fôlego limitado e dirigido sem maiores inspirações, era um filme mediano que pouco conseguia evidenciar qualquer brilhantismo que o texto literário por ventura pudesse ter –e apesar disso tudo, ainda rendeu uma continuação, “Assassinato Num Dia de Sol”, de 1982, também estrelada por Ustinov.

Este novo “Morte No Nilo” começa numa cena em preto & branco, durante a Primeira Guerra Mundial, onde a narrativa trata de explicar a origem... do bigodão de Hercule Poirot (!), então um jovem soldado almejando ser fazendeiro, mas dotado de genial mente dedutiva. Salta para o ano de 1937 e o agora renomado detetive Hercule Poirot, após o que parece ser a solução de um caso em pleno Egito, busca dar continuidade às suas férias. Todavia, os contratempos não cessarão: Logo, ele reencontra o amigo Bouc (Tom Bateman), o mesmo que lhe providenciara a carona no Expresso do Oriente no filme anterior.

Ao reencontrar Bouc, junto de sua intratável mãe (Annete Bening), Poirot reencontra também as circunstâncias que, mais uma vez, tornam a exigir dele sua apurada perspicácia detetivesca. Desta vez, a trama gira em torno de um casal em lua-de-mel que monopoliza as intrigas dos personagens: A ricaça Lynnete Ridgeway (Gal Gadot) e seu marido um tanto oportunista, Simon Doyle (Armie Hammer); sendo que eles foram apresentados, um ao outro, pela amiga de Lynnete, Jackie de Bellefort (Emma Mackey, de “Barbie”), então namorada de Simon.

Uma vez casados, Lynnete e Simon recolhem seus amigos e conhecidos no luxuoso cruzeiro Karnak, a fim de descer as águas do Nilo, entretanto, cada convidado tem uma razão para desejar o mal do casal: Seja o médico, Dr. Windlesham (Russell Brand), ainda apaixonado por Lynnete e visivelmente contrariado com o recente casamento dela; seja sua tia Marie Van Schuyler , cheia de segredos, inclusive aqueles envolvendo sua enfermeira e acompanhante Mrs. Bowers (Jennifer Saunders e Dawn French, criadoras da série britânica de comédia “French & Saunders”); ou o primo distante, o indiano Andrew Katchadorian (Ali Fazal), a empregada Louise Bourget (Rose Leslie), cheia de segundas intenções, e até mesmo a dupla contratada para animar a viagem, a cantora Salomé Otterbourne (Sophie Okonedo, de “Coisas Belas e Sujas”) e sua filha Rosalie (Letitia Wright, de “Pantera Negra-Wakanda Para Sempre”), esta por sua vez enamorada por Bouc; e ainda por cima, o aparecimento na embarcação da própria Jackie! Assim sendo, quando alguém aparece assassinado, sobram suspeitos para o detetive Poirot investigar, e as circunstâncias em que se deu o crime são de tal forma melindrosas e complexas que somente uma mente privilegiada como a dele é, de fato, capaz de encontrar um fio da meada e descobrir a verdade por trás de tudo.

A fórmula de “Morte No Nilo” segue a mesma de “Assassinato...”, um crime (aqui, levando um tempo mais considerável para se suceder) deflagra a investigação e todos os personagens, sem exceção, possuem segredos a ocultar uns dos outros, desafiando o intelecto à toda prova de Poirot, contudo, diferente da situação de confinação engendrada em “Assassinato...”, aqui a direção de fotografia de Haris Zambarioukos explora com avidez visual e entusiasmo técnico todas as possibilidades paisagísticas oferecidas por recursos de última geração e efeitos digitais que permitem transformar cada frame numa pintura.

Há também um teor trágico mais ressaltado neste trabalho do que no anterior, fruto de uma tentativa de aprofundamento maior no âmago psicológico do normalmente impassível Hercule Poirot, ainda assim, apesar da boa direção de atores exercida por Kenneth Branagh, do ritmo intenso (e, ao fim, bastante exaustivo) e do exorbitante visual de cartão postal que ele imprime do início ao fim, as várias facetas de “Morte No Nilo” não conseguem se harmonizar por completo, gerando um trabalho que, ao oscilar entre suas qualidades e seus lapsos, acaba soando como um entretenimento esquizofrênico.

domingo, 12 de novembro de 2023

Oppenheimer


 O cinema de Christopher Nolan sempre foi uma junção imprevista de gêneros comerciais. Ação e espionagem com thriller onírico em “A Origem”. Ficção científica em larga escala e drama familiar em “Interestelar”. Adaptação de histórias em quadrinhos com referência ao policial setentista em “Cavaleiro das Trevas”. Suspense rocambolesco com filme de época em “O Grande Truque”, e assim por diante. Há uma nova mescla em “Oppenheimer” e, na habilidade melindrosa e na insuspeita elegância com que tudo é feito, isso é um pouquinho mais difícil de ser dissecado.

Como sempre, no interesse irreprimível por seus personagens e suas trajetórias, Nolan distorce, torce e retorce o tempo a fim de acompanhar, justapor e refletir as várias etapas de suas vidas. “Como se resume toda uma vida?” é uma pergunta que surge, mais de uma vez, já na primeira parte de “Oppenheimer”. Nolan parece usar de seu filme para afirmar que tal feito não é virtualmente possível. Seu protagonista é J. Robert Oppenheimer (vivido com solidez metódica e competência instintiva por Cillian Murphy), o ‘pai da bomba atômica’. E quando o encontramos, Nolan o mostra contrapondo duas situações distintas no tempo. Em 1954, quando foi intimado a uma audiência de segurança pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos (AEC), e logo depois, já na qualidade de pivô para uma audiência posterior no senado norte-americano, a fim de confirmar a neutralização de sua influência política, a envolver o Almirante Lewis Strauss (Robert Downey Jr., brilhante).

O Almirante Strauss, aliás, quando surge, quase sempre nos momentos fundamentais da segunda metade da trama, parece protagonizar um outro filme à parte –e não à toa, suas cenas são mostradas por Nolan em preto & branco, numa forma de diferenciar, seus segmentos dos demais, protagonizados por Oppenheimer. Ademais, essas duas sequências de audiência (a da AEC, em cores, e a do Senado, em preto & branco) são duas circunstâncias de julgamento, onde estão em pauta questões morais que só chegaram a pesar de verdade anos depois da gênese desconcertante da bomba atômica, e do poder destrutivo que ela, por fim, revelou ao mundo. Em algum momento, desse fluxo narrativo –que Nolan converte num turbilhão de informações tecnicamente pesadas até deliberadamente harmonizar seu ritmo, num esforço de acompanhar a mente inquieta de seu personagem –o filme começa a contar, de modo um pouco mais linear, a história de Oppenheimer: Estudante de Física Quântica na Europa, onde acompanhou com entusiasmo as palestras do cientista Niels Bohr (Kenneth Brannagh), em meados da década de 1920, Oppenheimer ficou conhecido por sua dedicação e tenacidade nos círculos acadêmicos da Alemanha e da Suíça antes de voltar aos EUA, na tentativa de levar as arrojadas pesquisas no campo quântico para as universidades norte-americanas. Em Berkeley, na Califórnia, ele conhece o Prof. Ernest Lawrence (Josh Hartnett), ao lecionar no Instituto de Tecnologia, época em que suas primeiras inclinações políticas de esquerda aparecem: Ele incentiva alunos e professores para a criação de um Sindicato que representasse a categoria, e envolve-se com a ativista do Partido Comunista Jean Tatlock (Florence Pugh) para depois casar-se com a ex-comunista Kitty Puening (Emily Blunt).

Em 1942, com a Segunda Guerra Mundial em curso, e com os norte-americanos alarmados com as pesquisas avançadas em fissão nuclear dos cientistas alemães, o governo dos EUA, representado pelo General Leslie Groves (Matt Damon) convida o Dr. Oppenheimer a liderar o Projeto Manhattan com a complicada missão de ultrapassar os esforços alemães e chegar na frente da corrida armamentista para construir a primeira bomba atômica. Para tanto, Oppenheimer faz exigências inusitadas aos militares: constrói toda uma cidadezinha do zero, com infraestrutura e tudo, no vale amplo e deserto de Los Álamos, para abrigar os vários departamentos de produção que ele iria administrar a fim de que as pesquisas quânticas avançassem sem os empecilhos da sempre –como a distância dos familiares, por exemplo –e (a exigência mais difícil para o Exército Norte-Americano), fazer vista grossa às tendências comunistas deste ou daquele cientista, tido por Oppenheimer como fundamental ao projeto. Sua equipe incluía o abnegado Edward Teller (o também diretor Ben Safdie), ferrenho defensor do desenvolvimento da bomba de hidrogênio, o cauteloso e criterioso Isidor Isaac Rabi (David Krumholtz, de “Roda Gigante”), o pesquisador Enrico Fermi (Danny Deferrari) e o atencioso David L. Hill (Rami Malek).

Nos anos tumultuados entre o desenvolvimento do projeto e a criação de fato da bomba, muitas coisas acontecem –os alemães são derrotados, restando somente a oposição bélica dos japoneses no Pacífico; o presidente Dwight Eisenhower, responsável pelo início do Projeto Manhattan, morre e é substituído por Harry S. Truman (vivido por Gary Oldman); e Jean Tatlock suicida-se na banheira de sua casa –contudo, no dia 16 de julho de 1945, os esforços de Oppenheimer e sua equipe numerosa culminam no Teste Trinity, realizado num campo deserto, nas proximidades de Alamogordo, provando a viabilidade da bomba atômica, e seu poder descomunal de destruição. Na sequência, as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki são escolhidas para serem os alvos da bomba, encerrando, por fim, as hostilidades da Grande Guerra.

Entretanto, os transtornos de Oppenheimer estavam longe de terminar. Quando ele –movido por temores anteriores ao Projeto Manhattan, discutidos com o sensato Prof. Einstein (Tom Conti), de que a bomba atômica seria um perigo para o mundo caso não houvesse colaboração entre as nações –busca restringir novos avanços na pesquisa de energia nuclear para fins bélicos, ele logo deixa de ser uma celebridade para, aos olhos do governo, se tornar uma figura discordante com os preceitos da Guerra Fria contra União Soviética que então se precipitou no horizonte, o que o leva à audiência de segurança da AEC, cujos depoimentos e interrogatórios (todos posicionados como ganchos pontuais dos flashbacks do roteiro), visaram descobrir as relações comunistas mantidas por Oppenheimer.

Nesse manejo assombroso que executa de uma ampla, complexa e nada simples história real e no vocabulário tecnicamente complexo que seu roteiro abraça, Nolan uma vez mais realiza cinema de gente grande, desta vez, mesclando um resgate urgente e necessário de um registro histórico imprescindível com sua evidente paixão por expedientes de suspense; Ao alterar a cronologia dos eventos como são mostrados, ele transforma a última hora (das nada modestas três que o filme possui!) num verdadeiro thrilher de mistério, para então, ao fim, regressar à intimista reflexão com Albert Einstein, e deixar o público reflexivo com as sombrias (e muito reais) possibilidades da trajetória humana.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Os Indicados Ao Oscar 2022


 E temos então os indicados de 2022 ao grande prêmio do cinema. Segue a lista completa:

FILME

Belfast (Focus)

No Ritmo do Coração (Apple)

Não Olhe para Cima (Netflix)

Drive My Car (Janus/Sideshow)

Duna (Warner)

King Richard (Warner)

Licorice Pizza (MGM/United Artists)

O Beco do Pesadelo (Searchlight)

Ataque dos Cães (Netflix)

Amor, Sublime Amor (20th Century)

DIREÇÃO

Kenneth Branagh, Belfast

Ryûsuke Hamaguchi, Drive My Car

Paul Thomas Anderson, Licorice Pizza

Jane Campion, Ataque dos Cães

Steven Spielberg, Amor, Sublime Amor

A Academia de Artes Cinematográficas repete algumas manobras políticas já empregadas no passado, como a adição-surpresa entre os Melhores Filmes de um candidato estrangeiro –embora o japonês “Drive My Car” dificilmente iguale o prestígio do sul-coreano “Parasita” em 2020 –e a incursão de um filme dirigido por uma mulher: E olha que “Ataque dos Cães”, de Jane Campion, um lançamento da Netflix, ainda chega como grande favorito, tornando possível que este seja o primeiro ano na história do Oscar em que duas mulheres (lembra-se de Chloe Zhao, ano passado?) ganham o maior prêmio simultaneamente.

Surpreendem as presenças dos não tão cotados “King Richard” e “O Beco dos Pesadelos” e as ausências dos imensamente cotados “Apresentando Os Ricardos” e “A Crônica Francesa”.

ATOR

Javier Bardem, Apresentando os Ricardos

Benedict Cumberbatch, Ataque dos Cães

Andrew Garfield, tick, tick…Boom!

Will Smith, King Richard

Denzel Washington, A Tragédia de Macbeth

ATRIZ

Jessica Chastain, Os Olhos de Tammy Faye

Olivia Colman, A Filha Perdida

Penélope Cruz, Madres Paralelas

Nicole Kidman, Apresentando os Ricardos

Kristen Stewart, Spencer

Um incógnita considerável entre as atrizes visto que uma das favoritas –Lady Gaga por “Casa Gucci” –ficou de fora (na verdade, o Oscar foi o ÚNICO prêmio no qual ela não ganhou indicação!) e sua maior concorrente, Kristen Stewart, por “Spencer”, não parece, no momento, gozar de muito prestígio junto aos membros; o que deixa caminho livre para as campanhas de Jessica Chastain, Olivia Colman, Penélope Cruz e Nicole Kidman gerarem frutos.

Entre os atores, há um ranço crescente em relação ao improvável favoritismo Will Smith –eu pessoalmente não gostaria que ele ganhasse por este filme. Quem ganharia então? Possivelmente Benedict Cumberbtch ou Andrew Garfield, não obstante a atuação estupenda de Denzel Washington (na 10ª indicação de sua carreira).

ATOR COADJUVANTE

Ciarán Hinds, Belfast

Troy Kotsur, No Ritmo do Coração

Jesse Plemons, Ataque dos Cães

J.K. Simmons, Apresentando os Ricardos

Kodi Smit-McPhee, Ataque dos Cães

As maiores apostas nesta categoria são aparentemente Jesse Plemons e o veterano Ciarán Hinds, contudo, são vantagens tão tênues que podem perfeitamente cederem a uma vitória-surpresa de Kodi Smith-McPhee.

ATRIZ COADJUVANTE

Jessie Buckley, A Filha Perdida

Ariana DeBose, Amor, Sublime Amor

Judi Dench, Belfast

Kirsten Dunst, Ataque dos Cães

Aunjanue Ellis, King Richard

Supostamente a favorita, Ariana DeBose, se ganhar, entrará para a seleta lista de atores/atrizes que ganharam um Oscar interpretando o mesmo personagem –ao lado dos honoráveis Marlon Brando e Robert De Niro (ambos tendo vivido Vito Corleone em “O Poderoso Chefão” e “O PoderosoChefão-Parte II”) e de Heath Ledger e Joaquin Phoenix (os dois premiados por “Batman-OCavaleiro das Trevas” e por "Coringa”) –já que Rita Moreno levou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme de 1961, entretanto, a supremacia de Ariana aparece inesperadamente ameaçada pelo surgimento da veterana Judi Dench entre as indicadas (ela que sagra-se, assim, como a intérprete de mais idade a constar nessa categoria), embora muitos críticos apontassem que, do elenco de “Belfast”, era Caitriona Balte (de “Ford Vs Ferrari”) quem mais merecesse essa indicação; está parecendo que a Academia entregará o Oscar à Judi Dench pelo conjunto da obra...

ROTEIRO ORIGINAL

Belfast, Kenneth Branagh

Não Olhe para Cima, Adam McKay, David Sirota

King Richard, Zach Baylin

Licorice Pizza, Paul Thomas Anderson

A Pior Pessoa do Mundo, Joachim Trier e Eskil Vogt

ROTEIRO ADAPTADO

No Ritmo do Coração, Siân Heder

Drive My Car, Ryusuke Hamaguchi, Takamasa Oe

Duna, Jon Spaihts, Denis Villeneuve, Eric Roth

A Filha Perdida, Maggie Gyllenhaal

Ataque dos Cães, Jane Campion

Era visto que Adam McKay estaria nesta categoria com seu “Não Olhe Para Cima” –e a pouca cotação de sua obra na categoria principal pode se refletir numa chance real de ter seu roteiro original premiado –ainda que o grande favorito aqui, por razões muito parecidas, seja o elogiado e emocionante “Belfast”. Jane Campion já tem um Oscar de Melhor Roteiro (por “O Piano”) debaixo do braço, apenas o inusitado “Drive My Car” e o surpreendente “A Filha Perdida” a impedem de levar para casa uma segunda estatueta.

FOTOGRAFIA

Duna, Greig Fraser

O Beco do Pesadelo, Dan Laustsen

Ataque dos Cães, Ari Wegner

A Tragédia de Macbeth, Bruno Delbonnel

Amor, Sublime Amor, Janusz Kaminski

MONTAGEM

Não Olhe pra Cima, Hank Corwin

Duna, Joe Walker

King Richard, Pamela Martin

Ataque dos Cães, Peter Sciberras

tick, tick... Boom!, Myron Kerstein, Andrew Weisblum

DIREÇÃO DE ARTE

Duna, Patrice Vermotte, Richard Roberts, Zsuzsanna Sipos

O Beco do Pesadelo, Tamara Deverell, Shane Vieau

Ataque dos Cães, Grant Major, Amber Richards

A Tragédia de Macbeth, Stefan Dechant, Nancy Haigh

Amor, Sublime Amor, Adam Stockhausen, Rena DeAngelo

FIGURINOS

Cruella, Jenny Beavan

Cyrano, Massimo Cantini

Duna, Jacqueline West

O Beco do Pesadelo, Luis Siqueira

Amor, Sublime Amor, Paul Tazewell

MAQUIAGEM

Um Príncipe em Nova York 2

Cruella

Duna

Os Olhos de Tammy Faye

Casa Gucci

TRILHA SONORA

Não Olhe pra Cima, Nicholas Britell

Duna, Hans Zimmer

Encanto, Germaine Franco

Madres Paralelas, Alberto Iglesias

Ataque dos Cães, Jonny Greenwood

Nas categorias técnicas é visível a predominância de “Duna”, 10 indicações –e torço para que ele faça mesmo uma bela campanha, até para compensar a ausência de Denis Villeneuve na categoria de Melhor Direção –ainda que a honraria de filme com maior número de indicações pertença à “Ataque dos Cães”, com 12, “Amor Sublime Amor”, de Steven Spielberg, vem bem atrás com 7.

CANÇÃO

“Down to Joy”, Belfast

“Dos Oruguitas”, Encanto

“Somehow You Do”, Four Good Days

“Be Alive”, King Richard

“No Time to Die”, 007 Sem Tempo para Morrer

SOM

Belfast

Duna

007 - Sem Tempo para Morrer

Ataque dos Cães

Amor, Sublime Amor

EFEITOS VISUAIS

Duna

Free Guy

007 - Sem Tempo para Morrer

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis

Homem-Aranha: Sem Volta para Casa

ANIMAÇÃO

Encanto (Disney)

Fuga (NEON)

Luca (Disney/Pixar)

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (Netflix)

Raya e o Último Dragão (Disney)

Críticos mais rabugentos espernearam com a indicação à Efeitos Visuais de “Homem-Aranha Sem Volta Para Casa” –filme cujas cópias de cinema sofreram até reajustes digitais em algumas cenas –todavia é visto, sobretudo, nesta categoria, que a Academia deseja capitalizar com o sucesso de público. Entre as animações a Disney surge soberana com nada menos do que TRÊS fortes favoritos ao prêmio –os outros dois está ali mais para constar mesmo...

Enquanto que, na categoria de Melhor Canção, “007-Sem Tempo Para Morrer”, com a canção-título de Billie Eilish, surge como favorito, tendo os dois últimos filmes do Bond Daniel Craig (“007-Operação Skyfall” e “007 Contra Spectre”, no caso) levado os prêmios de Melhor Canção Original em seus anos, a despeito das ilustres presenças de Van Morrison, pela canção de “Belfast”, e de Diane Warren (em sua 13ª indicação sem jamais ter ganhado!), pela canção de “Four Good Days”.

DOCUMENTÁRIO

Ascension (MTV)

Attica (Showtime)

Fuga (NEON)

Summer of Soul (Searchlight)

Writing With Fire (Music Box)

FILME INTERNACIONAL

A Felicidade das Pequenas Coisas (Butão)

Fuga (Dinamarca)

A Mão de Deus (Itália)

Drive My Car (Japão)

A Pior Pessoa do Mundo (Noruega)

CURTA-METRAGEM LIVE-ACTION

Take and Run

The Dress

Long Goodbye

On My Mind

Please Hold

CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

Affairs

Bestia

Box Ballet

Robin Robin

Windshield

DOCUMENTÁRIO CURTA-METRAGEM

Audible

Lead Me Home

The Queen of Basketball

Three Songs

When We Were Bullies

Os vencedores serão anunciados na cerimônia a ser realizada no domingo, dia 27 de março.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Tenet


 Existem meios distintos de se abordar “Tenet”: Para a maioria, ele é visto como o filme de Christopher Nolan que finalmente fracassou (tendo sido lançado nos cinemas em meio ao desafortunado cenário da pandemia de 2020) culminando num rumo inevitável pavimentado por sua ambição, pretensão e megalomania.

Entretanto, há algo de ranzinza, invejoso e até rancoroso nessa avaliação: “Tenet” padece de todas as características positivas e negativas do cinema de Nolan, mas é um gesto de deliberada má vontade não reconhecer o fascínio provocado por sua exuberância, nem o assombro acarretado pelo manejo espetacular de seu vasto aparato técnico.

É desafiador apreender “Tenet” numa mera sinopse ou explicação: Nolan ampara sua narrativa em percepções do cinema comercial, em arquétipos que nada mais são do que portais para um de seus mais imponderáveis projetos.

Se existem dois trabalhos pregressos de Nolan que assombram “Tenet” o tempo todo, eles provavelmente são “Amnésia” e “A Origem”: Do primeiro, Nolan pega seu insistente objetivo de inverter a percepção do tempo, e dessa inversão fazer a fonte de sua narrativa. Do segundo, ele extrai a estética, a roupagem, o estilo aventuresco de ação épica e global com traços de filme de espionagem, e possivelmente a intenção de repetir um fenômeno bastante singular entre público e crítica.

Os delírios de Nolan se iniciam numa já estupenda cena do que aparenta ser um atentado na Ópera de Kiev: Agentes interferem na ação de uma espécie de grupo terrorista, entre esses homens misteriosos está o protagonista anônimo vivido por John David Washington (de “Infiltrado Na Klan”). A missão –de resgatar um agente duplo cuja captura o atentado serviria para acobertar –dá errado e ele... morre?!

Talvez sim, talvez não; Ele acorda afirmando que “as pílulas suicidas não funcionaram”... mas, mesmo isso é uma informação incerta –o que poderia indicar que o filme todo pode ou não se passar num pós-morte! A partir daí, as coisas não facilitam. O sacrifício dele o qualifica para subir de nível no ofício de agente secreto que aparentemente desempenhava –instrução recebida numa breve aparição de Martin Donovan, ator que Nolan usou em “Insônia”. Ele –vamos chamá-lo de O Protagonista –é então designado para algo insólito: Um armamento de características improváveis é rastreado pela CIA; tratam-se de projéteis de balas que, ao invés de se chocarem contra um pedaço de muro, retrocedem (inclusive, revertendo também o dano feito ao concreto!). São peças e acessórios encontrados cuja radiação inverte seu fluxo do tempo, sua entropia. A teoria: Tais utensílios veem do futuro, com sua inversão do tempo realizada por alguma tecnologia, e são indícios de uma guerra –talvez, a Terceira Guerra Mundial! –que o Protagonista tem como missão impedir.

A pista dessa inusitada munição o leva à enigmática Priya (Dimple Kapacia), uma traficante internacional de armas na Índia, e depois, a Sator (Kenneth Branagh, espantosamente ameaçador), um perigoso traficante armamentista soviético de quem ele se aproxima por meio da torturada esposa dele, Kat (a interessantíssima Elizabeth Debicki, de “Guardiões da Galáxia-Vol. II”).

Contudo, tal descrição não chega nem perto de ilustrar a complexidade pulsante que predomina na narrativa, ou na trama fragmentada e mirabolante ou mesmo na execução densa e tecnicamente arrojada de “Tenet”: Christopher Nolan, como roteirista e como diretor, desenvolve um conceito onde não apenas as pistas e informações nunca bastam para esclarecer os acontecimentos intrincados por completo, como também, usa de expedientes presentes no próprio enredo para alterar o fluxo do tempo e dos acontecimentos.

Vamos ver se é possível explicar: Dentro de “Tenet” existem personagens que, irradiados por essa tecnologia, têm sua entropia alterada, e vivenciam o tempo em ordem oposta –assim, enquanto alguns personagens agem e fazem as coisas normalmente, outros, paralelos a eles, estão experimentando tudo em ordem invertida (e para eles é a realidade que transcorre de trás para frente!). Lá pelas tantas, na sucessão dessa trama já não muito simples de ser acompanhada, eis que os personagens do Protagonista, Kat e Neil (Robert Patinson, ótimo) usam dessa tecnologia e passam a vivenciar o tempo invertido; e todos os eventos do filme até então vão transcorrendo para eles ao inverso, passando por cenas do filme que testemunhamos desde o começo, até regressar em dias e chegar a situações que surgiram aqui e ali como flashbacks. Parece confuso? Sim, e é muito! É necessário força de vontade para compreender essa estripulia narrativa de Nolan, e quase nunca isso é possível, restando ao expectador somente desencanar e acompanhar o turbilhão de acontecimentos na esperança de que, se nós, como público, nos perdemos, ao menos Nolan, como realizador, não se perca.

Felizmente, ele retribui a atenção que dedicamos à essa sua obra até o final com uma construção primorosa de cenas onde se evidencia os valores elevadíssimos da direção de fotografia (a cargo do talentoso Hoyte Van Hoytema), da montagem prodigiosa de Jennifer Lame (editar todas aquelas sequências caóticas de ação, com trechos convencionais e invertidos e ainda torná-los inteligíveis, resultou num trabalho que isoladamente por ser chamado de obra-prima!) e dos nunca menos que assombrosos efeitos visuais.

Os críticos mais ferrenhos e sisudos insistem que Christopher Nolan, aqui, deu um salto demasiadamente avançado em direção à mescla de cinema cerebral, mas de propensões comerciais, com a qual ele vinha moldando suas obras. E isso pode, de fato, soar elitista, narcisista até, mas o cinema de Nolan não tem um pingo de comodismo nem de conformidade e esse é seu mérito mais salutar: Enxergar, mesmo em meio ao intoxicante ambiente de convencionalismo hollywoodiano, engrenagens pelas quais a luz refletida na tela pode ainda alcançar áreas inexploradas de nossas mentes e de nossos sonhos, e lá nos surpreender.

Ele às vezes se envaidece com o próprio arrojo, mas eu ainda aplaudo Christopher Nolan.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Harry Potter e A Câmara Secreta

Se o segundo filme de saga é, com frequência, apontado por público e crítica como um dos mais desinteressantes da série, ele é também um dos que mais cresce numa revisão.
O primeiro dos filmes a experimentar a consequência notável de como a série registrou, entre outras coisas, o efeito do tempo sobre seu elenco jovem –o ano que separa este de “A Pedra Filosofal” já é perceptível no amadurecimento das crianças –“A Câmara Secreta” dá início ao processo no qual a narrativa lúdica na história de Harry Potter agrega mais e mais elementos sombrios e, por que não, adultos, à sua trama, embora se note que Chris Columbus não pareça muito à vontade com esse teor do material. Ainda assim, ele realiza um belo trabalho valendo-se de diversas cenas (sobretudo de enquadramentos nos diálogos) onde procura empregar de um desigual prologamento de tempo, muito parecido com o usado por Peter Jackson um ano antes em “OSenhor dos Anéis-A Sociedade do Anel”.
Ávido por iniciar seu segundo ano escolar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Harry amarga uma angústia ocasionada pelas últimas férias –durante todo o verão, não recebeu uma única carta de seus amigos, Rony e Hermione. Esse é um dos mistérios –dentre os muitos que aqui se somam –que logo ganha uma explicação: Doby, um elfo doméstico dotado de poderes mágicos (e concebido por meio de um primoroso processo de computação gráfica) cismou que Harry não deve, de forma alguma voltar para Hogwarts, caso contrário, coisas terríveis acontecerão.
Assim, Doby dá o estopim a muitas confusões que definem “A Câmara Secreta”: Deixa Harry em maus lençóis com seus tios, o que lhe acarreta um castigo, trancado dentro de seu quarto; em seu resgate vem Rony e seus irmãos que, à bordo de um carro voador, o levam na calada da noite. É Doby também que frustra os planos de Harry e Rony em pegar o Expresso Para Hogwarts –obrigando os dois a lançar mão, mais uma vez, do carro voador –numa das sequências mais sensacionais do filme.
Finalmente na escola, Harry, a medida que o tempo desse segundo ano passa, eventualmente descobre as razões dos temores do elfo: Uma pixação numa das paredes do lugar evidencia a ameaça –“A câmara secreta foi aberta... inimigos do herdeiro, preparem-se!”
Na esteira desse mistério, personagens começam a aparecer petrificados (primeiro a gata do zelador Filty, depois alguns dos alunos), indicando que um terrível monstro –até então preso na tal câmara –está agora à solta em Hogwarts.
Além disso, Harry descobre que seu poder de comunicar-se com cobras (como foi visto numa das primeiras cenas de “A Pedra Filosofal”) não é algo comum aos bruxos; na verdade, é uma particularidade atribuída quase exclusivamente ao tenebroso Lorde Voldemort.
Todos esses fatores têm o mérito de parecer aleatórios num primeiro momento, mas vão se unindo aos poucos, como pontas soltas numa bem elaborada e detalhada costura.
Seguindo uma fórmula similar ao do filme anterior –fato que incomoda, inclusive, porque a direção de Columbus se revela bastante exaurida em muitos momentos –este segundo filme deixa enfatizado, acima de tudo, que Hogwarts não é um local tão seguro quanto se presumia; tudo o mais que ele poderia fazer, deixa em aberto para os filmes vindouros, estes sim, responsáveis por iniciar a trama propriamente dita do embate das forças do bem contra o mal.
“Harry Potter e A Câmara Secreta” marca também a despedida do saudoso Richard Harris no papel de Alvo Dumblodore, personagem que, neste filme, ele fez questão de interpretar até o fim, em algumas cenas, necessitando de aparelhos para se manter em pé e respirando –nada disso se percebe em cena, claro, resultado da competência da equipe técnica e da brilhante tenacidade desse grande ator.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Assassinato No Expresso Do Oriente

Os méritos de Kenneth Brannagh como diretor são oscilantes: Ele começou bem, com indicação ao Oscar e tudo, em “Henrique V” –que transformou-o numa espécie de Laurence Olivier moderno, o primeiro nome em adaptações cinematográficas de Shakespeare –e, dando incentivo a essa alcunha lançou “Muito Barulho Por Nada”, a suntuosa versão de “Hamlet” e até uma versão musical de “Amores Perdidos” (com Alicia Silverstone, mal lançado por aqui) ao longo da década de 1990. Em meio à eles, alguns filmes menores como o suspense “Voltar A Morrer”, o drama “Para O Resto de Nossas Vidas” e o metalinguístico “Sonhos de Uma Noite de Inverno” entre outros.
Nos anos recentes, Brannagh investiu em projetos de orientação mais comercial: O primeiro “Thor”, da Marvel Studios, a versão em live-action de “Cinderella” para a mesma Disney que produziu a animação, e “Operação Sombra” (uma das muitas tentativas de reiniciar a franquia Jack Ryan) –os quais deixaram mais visíveis suas limitações enquanto realizador.
Como ator, as coisas melhoram um pouco: Criado com base no teatro inglês, Brannagh é, e sempre foi, talentoso, conseguindo quase sempre uma emocionante conciliação de sua verve com o âmago do personagem (um exemplo claro disso é sua belíssima interpretação como –vejam só! –Laurence Olivier, em “Sete Dias Com Marilyn”).
Pois, nessa nova versão de “Assassinato No Expresso Do Oriente” (na versão antiga de 1974, o título não tinha o ‘Do’...), é tanto o Kenneth Brannagh diretor quanto o ator que vemos atuar no filme. E claro que, como ator, Brannagh é de uma precisão exemplar: No papel do famoso detetive Hercule Poirot (que antes foi maravilhosamente vivido por Albert Finney), Brannagh pontua cada peculiaridade do personagem com exuberância –ao contrário do filme de Sidney Lumet, no qual Poirot vai se impondo aos poucos como protagonista, neste aqui, a narrativa já se inicia com uma postura subjetiva, nomeando Poirot quase como os olhos da platéia.
O filme já começa afastando-se de comparações com a produção antiga em sua abertura, sem qualquer menção à sensacionalista introdução do filme anterior, preferindo detalhar o exotismo do Muro das Lamentações em Jerusalém, onde a trama se inicia, numa manobra muito mais condizente com Agatha Christie –inclusive, o detalhe do bigode de Poirot, como descrito no livro, é seguido à risca pelo filme.
Célebre por seu raciocínio rápido, Poirot deixa Jerusalém a fim de prolongar suas férias depois da elucidação prodigiosa de mais um caso (registrado na frenética cena inicial). Com a ajuda de seu grande amigo Bouc (Tom Bateman), ele obtém um leito para viajar no lotado Expresso do Oriente com destino à França. Entre os passageiros, está o milionário Ratchett (Johnny Depp, no papel que foi de Richard Widmark) que, paranóico, propõe a Poirot o cargo de guarda-costas. Poirot nega só para descobrir Ratchett assassinado na manhã seguinte, quando o trem (junto com todos os seus ocupantes) se vê temporariamente detido nos trilhos pelas neves das montanhas.
Com o tempo contando contra ele (afinal, em poucas horas, o trem será liberado, chegará na estação e o assassino, quem quer que seja, ficará livre), Poirot inicia uma investigação através da qual descobre que cada passageiro tem algum segredo a esconder.
No que diz respeito à direção, Brannagh parece ocasionalmente querer afastar-se das comparações com Lumet ao impor um ritmo e um estilo de filmagens que ressaltam as tomadas virtuosas de câmeras, recusando a rendição a um formato teatral tão propício ao enredo (até algumas cenas de ação algo deslocadas ele chega a encaixar na narrativa) –mas, é claro que, sendo ele um profissional formado no teatro, Brannagh não resiste e lá pelas tantas, o filme abre margem para momentos que sugerem entradas e saídas de cenas –disfarçadas com os floreios da edição –e até monólogos intensos, sobretudo, no trecho final onde eles são reservados ao protagonista.
O quê parece de fato tornar este “Assassinato No Expresso Do Oriente” um passatempo interessante é a modificação que a troca de intérpretes promove à percepção do filme em relação à obra de 1974: O elenco que Brannagh reuniu não poderia deixar de ser estelar. No lugar de Sean Connery, por exemplo, temos agora Leslie Odom Jr. (que confere uma atitude mais vulnerável e hesitante ao personagem) e, em vez de Vanessa Redgrave como seu par romântico, a sensacional Daisy Ridley (de “Star Wars”); no papel que foi de Anthony Perkins, o menos irrequieto e mais contido Josh Gad; a grande Judi Dench confere mais humanidade e primor do que Wendy Hiller à sua Princesa Dragomiroff; no papel do mordomo, Derek Jacobi (presença constante nos filmes de Brannagh) substitui John Gielgud; Manuel Garcia-Rulfo (da versão recente de “Sete Homens e Um Destino”) se sai bem num papel que faz as vezes do personagem de Denis Quilley; o enigmático casal de aristocratas, antes interpretados por Michael York e Jacqueline Bisset (bem mais afáveis), são aqui personificados com agressividade por Sergei Polunin e Lucy Boynton; o magnífico Willen Dafoe substitui muito bem Colin Blakely; a ótima Michelle Pfeifer oferece um belo e diferenciado trabalho no papel que foi de Lauren Bacall; e Penélope Cruz compõe com solidez (ainda que menos tempo de cena), a mesma personagem vivida por Ingrid Bergman (e que deu a ela o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante).
A cereja no todo do bolo é o gancho explícito de indisfarçável sanha mercadológica para uma possível continuação –que, em termos literários veio a ser “Morte Sobre O Nilo”; em termos cinematográficos, houve uma adaptação em 1978, com Peter Ustinov substituindo Finney como Poirot de forma um pouco decepcionante. Este pode não ser um filme tão marcante assim, mas até que não seria má idéia ver Kenneth Brannagh novamente como Poirot decifrando outros crimes no Egito.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Geração Roubada

Interessante como o cinema da Austrália (ao menos, o cinema ‘sério’ da Austrália), em geral, costuma refletir seguidamente sobre um mesmo tema: O de não pertencer a nenhum lugar.
Realizadores como Peter Weir ou Nicholas Roeg dedicaram algumas de suas obras a avaliar os desdobramentos e ramificações dessa sensação tão peculiar e indistinta.
Certamente, o povo aborígine é, com freqüência, um tópico e tanto para ilustrar essa questão. Buscando remeter uma austeridade e um engajamento com o qual ele até então não era muito relacionado, o diretor Phillip Noyce (mais conhecido como realizador dos filmes de ação, “Jogos Patrióticos” e “Perigo Real e Imediato”) se debruça aqui sobre essa faceta tão particular do cinema australiano e sobre essa história de três meninas aborígines mestiças.
Filhas de nativas com pais brancos, as irmãs Molly (a expressiva Everlyn Sampi) e Daisy (Tianna Sansbury), mais a prima Gracie (Laura Monaghan), são bruscamente retiradas de seu povoados por agentes policiais (segundo a lei de apropriação instituída em meados de 1931, o governo podia remover as crianças mestiças de sua tribo para submetê-las à outra educação e outra cultura) a mando do reverendo Neville (Kenneth Brannagh, formidável como sempre).
Levadas ao Centro Nativo de Treinamento Moore River, uma rotina esmagadora e inclemente as aguarda: Elas recebem um tratamento desumano, são obrigadas a trabalhar, a estudar e a falar no idioma obrigatoriamente inglês (para que esqueçam o dialeto aborígine) e são selecionadas para ir a outras escolas. O plano do Sr. Neville é encaminhá-las para casamentos arranjados e, num procedimento nauseante que ele ilustra com convicção alarmante, fazer com que a raça à qual pertencem acabe se dissipando ao longo das gerações a partir da miscigenação.
Alguns dias de passam até que a mais velha delas, Molly, inflada de indignação resolve arrastar as outras duas em sua fuga. Não era comum as tentativas de fuga de crianças do Moore River; para isso, eles tinham um rastreador aborígine, o Sr. Moodoo (David Gulpilil, célebre ator aborígine que participou de “Walkabout-A Longa Caminhada”, “Crocodilo Dandee” e outros). Contudo, a esperteza de Molly vislumbra uma vantagem: Fugir horas antes de uma chuva que se forma, para que assim a água apagasse seus rastros.
Essa e outras atitudes perspicazes de Molly (como encobrir as pegadas andando pelo rio, ou plantar indícios propositais na direção errada) vão conferindo às meninas uma prerrogativa que as permite ir muito além das outras.
Eventualmente, as três crianças encontram a grande cerca que percorre todo o território australiano, erguida para afastar os coelhos das grandes plantações do lado oposto –“Rabbit-Proof Fence”, a Cerca À Prova de Coelhos, é à propósito o título original do filme.
Molly e as outras sabem que, seguindo sempre à margem da cerca, elas chegarão na região de sua tribo, onde sua mãe aflita as aguarda, no entanto, existem 2.400 quilômetros à separá-las de casa.
A direção de atores exercida por Noyce não é excepcional, mas ele conta com um roteiro pleno de solidez e objetividade, e com o encanto e a espontaneidade natural de suas três pequenas protagonistas. Sua história (baseado em fatos reais) é deveras tão extraordinária que ele deixa que ela fale por si, enxugando seu filme de firulas e outros incrementos desnecessários.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Dunkirk

Christopher Nolan, ao realizar seu primeiro filme de guerra, procurou ser inesperado; ele foi na contramão do que se pressupõe ser um dos paradigmas do cinema bélico e amparou sua obra –veja só –no silêncio: “Dunkirk” prescinde (ou, pelo menos, busca prescindir) de diálogos e efeitos sonoros mais barulhentos para trilhar uma narrativa que quase remete ao cinema mudo.
Tudo gira em torno dos acontecimentos na cidade francesa de Dunkirk –ou Dunquerque, conforme o texto –na qual um contingente considerável de soldados ingleses, franceses e belgas foi encurralado pelas forças alemãs em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial; e mais de um ano antes do ingresso dos EUA no conflito.
De 26 de maio a 4 de junho daquele ano, os soldados desarmados, desmotivados, sem recursos e sem suprimentos foram deixados a mercê dos bombardeios inimigos naquela praia cuja travessia do Canal da Mancha era a única coisa que os separava de sua Inglaterra natal.
Desse episódio dramático –e pouco explorado pelo cinema –Nolan extraí as peças que encaixadas irão compor sua narrativa.
Uma delas acompanha um soldado inglês (o jovem Fionn Whitehead) que, na seqüência inicial –silenciosa, como muitas deste filme –acaba sendo o único sobrevivente de um grupo que a duras penas conseguiu chegar ao trecho da praia, ainda sob domínio dos franceses. Ele protagonizará –ao lado de outros personagens que aparecerão como o oficial inglês vivido por Kenneth Brannagh –a árdua e penosa semana que eles passarão ali, até que algum milagroso indício de ajuda apareça.
Em outro lugar, a narrativa de Nolan irá se deter –desta vez durante um dia –no esforço dos ocupantes de um barco pesqueiro, seu dono (Mark Rylance, de “Ponte de Espiões”), seu filho (Tom Glynn Carney) e um amigo (Barry Keoghan) para irem, por conta própria, cruzar o Canal da Mancha e resgatar os desamparados soldados.
A terceira peça do quebra-cabeças é a seqüência estrelada por Tom Hardy no papel de um dos pilotos de caça britânico. Ao longo de uma hora, o filme registra os esforços dele em tentar proteger os barcos e os soldados em terra e mar da sanha impiedosa dos bombardeios alemães, ávidos por tantos alvos fáceis à sua disposição.
Dirigindo com primor inquestionável –e, não raro, exaurindo o expectador com a tensão extenuante que consegue criar –Christopher Nolan contrapõe essas três linhas narrativas (a semana toda do jovem soldado; o dia inteiro dos tripulantes do barco; toda a hora do piloto de avião) e com elas instiga e desafia o expectador a encontrar o momento e a maneira com que elas haverão de se encontrar (e elas realmente se encontram). Fundamental para o enlace hábil de todas essas pontas soltas –bem como da impressão que almeja suscitar por cada uma delas –é a trilha sonora de Hans Zimmer, tão mais fundamental, válida e inestimável quando estamos falando de um filme com falas reduzidas ao mínimo necessário.
Há uma incongruência no resultado incomum que Nolan sempre costuma obter ao trabalhar certas emoções. Em “Dunkirk” ela surge em dois extremos: A euforia emocionante e vívida ao constatar o esforço do cidadão comum quando incontáveis moradores arriscam suas vidas para salvar, a bordo de barcos de passeio e outros meios marítimos civis, a vida de milhares de jovens soldados, e a decepção profunda acompanhada de uma amarga tristeza ao perceber que este é um caso isolado de solidariedade em meio à uma guerra gigantesca, sangrenta e desumana.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Sete Dias Com Marilyn

“O primeiro amor é um doce desespero...”
Certamente, não haveria de ser fácil capturar, mesmo que na fugacidade da tela de cinema, o fascínio provocado por Marilyn Monroe, na ausência dela própria que partiu de nosso mundo e descansa em paz desde 1962.
Os produtores deste sensível trabalho –inspirado num fragmento real da vida de Marilyn –foram imensamente felizes ao confiar no talento da jovem Michelle Willians que, embora na vida real não se pareça de forma alguma com a estrela, conseguiu, em cena, captar todos os sesu trejeitos, a sua exuberância e uma característica geralmente indefinível que a acompanha, e que responde por grande parte do charme deste projeto.
Em 1957, com apenas 23 anos, o jovem inglês Colin Clark (Eddie Redmayne, administrando adequadamente o acanhamento e a impetuosidade do personagem) consegue um emprego como diretor assistente na produtora de Lawrence Olivier (Kenneth Brannagh) às vésperas das filmagens de "O Príncipe e A Corista" que trazia dos EUA a estrela americana Marilyn Monroe (Willians).
Em meio às filmagens, marcadas pela conturbada personalidade da atriz, o jovem torna-se seu amigo e confidente, e por ela se apaixona.
É deveras impressionante ver a composição de Michelle Willians como uma Marilyn Monroe avoada, complicada, carente e problemática –e no final das contas, apaixonante. Felizmente, porém, o filme não é só dela. Brilhante também está Kenneth Brannagh, magistral como um Lawrence Olivier comprometido com sua arte, perplexo pelas complicações de sua estrela e, no fim, profundamente inspirado por ela mesma.
“Eu tentei mudá-la, mas ela continuou brilhante, apesar de mim.”
Um filme sobre as aspirações e inspirações da arte, sobre os sempre saborosos bastidores do cinema e suas divertidas histórias ocultas, e sobre o desabrochar de novas experiências que, quase sempre confluem em emoções poderosas –que o diga o jovem Colin que, pelo menos durante um curto período de tempo teve, em seus braços, uma deusa como Marilyn Monroe.

domingo, 16 de abril de 2017

Frankenstein de Mary Shelley

Em meados dos anos 1990, os grandes monstros clássicos da literatura haviam se tornado uma espécie de obsessão para Francis Ford Coppola. Em 1993, ele prestou-se a dirigir o singular “Drácula de Bram Stoker” numa iniciativa de adaptar com fidelidade inédita a obra literária, dando a ela, no processo, uma nova abordagem cinematográfica enfatizando aspectos que não apareceram nas adaptações mais conhecidas.
É mais ou menos o mesmo princípio que orienta este “Frankenstein de Mary Shelley”, de 1994, que Coppola não dirigiu, mas assinou a produção ao lado de James Hart (roteirista de “Drácula de Bram Stoker”), deixando a direção a cargo do talentoso Kenneth Branagh.
Assim como em suas celebradas adaptações de Willian Shakespeare (“Henrique V”, “Muito Barulho Por Nada” e, mais tarde, "Hamlet") o diretor reservou também o papel de protagonista, o Dr. Victor Frankenstein, para si.
Mas a grande surpresa vinha na escalação da Criatura: Ninguém menos do que Robert De Niro encarnando uma versão desigual e cientificamente mais plausível da Criatura imortalizada na figura de Boris Karloff.
A trama inicia-se em 1794, quando o capitão Walton (Aidan Quinn) encontra, ensandecido e catatônico, o Dr. Frankenstein perdido em algum lugar das geleiras do Ártico. A fim de elucidar sua misteriosa e alarmante presença ali, Frankenstein recorda de quando ingressou na carreira científica e foi tomado por uma obsessão sem par: A de criar vida a partir de experiências com partes de corpos humanos.
Em seu impulso unilateral e inescrupuloso de contrariar a morte, ele acabou dando vida a uma Criatura que com o tempo ressentiu-se de uma condição solitária e rejeitada e se descontrolou, revelando-se um monstro.
A direção de Branagh se deleita com os vastos recursos técnicos que tem a disposição (figurino exuberante, direção de arte suntuosa, fotografia prodigiosa), mas não sabe controlar a voltagem desses excessos a fim de evidenciar o quê seu filme tem de realmente singular –e que parece resumir-se ao registro peculiar e expressivo proporcionado por De Niro.
O filme resulta num espetáculo de ritmo histérico, oscilante e claudicante, esquizofrênico na maneira com que trata as várias facetas da trama e duvidoso na ênfase que confere ao seu esmero visual.

Numa comparação com o preciso “Drácula de Bram Stoker” concebido por Coppola, sai perdendo de lavada.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Thor

A Marvel Studios foi só cuidados quando moldou as versões cinematográficas de seus personagens; um dos mais complicados era certamente Thor, uma vez que ele representava também a introdução de todo um contexto mitológico e fantástico em contraponto à tecnologia que definia a essência do Homem de Ferro, o único personagem até então a ganhar, não um, mas dois filmes.
Foi com muita perspicácia que a Marvel agradou fãs e críticos fazendo a inusitada escolha do ator Kenneth Brannagh para dirigir este filme.
Famoso pela opulência e suntuosidade de suas adaptações de Shakespeare para as telas de cinema (como “Henrique V” e “Hamlet”), Brannagh adotou uma postura um pouco similar em sua abordagem para o mundo fantasioso de Asgard: Havia necessidade de uma percepção teatral, imprescindivelmente artística, para fazer com que um mundo novo (e os personagens que nele habitavam) não soasse fora de contexto.
Filho do todo poderoso Odin (Anthony Hopkins), senhor de Asgard, Thor (Chris Hemsworth, uma ótima escolha), o deus do trovão não se contenta em herdar o trono de seu pai. Ele quer também provar seu valor como guerreiro, no que é encorajado por seu meio-irmão Loki (Tom Hiddleston, sensacional no papel), o deus da trapaça. Suas artimanhas levam Thor a desobedecer Odin e, no atrito entre pai e filho, Thor é exilado no planeta Terra, sem poderes, sem seu martelo, Mjolnir, e sem permissão para retornar a Asgard. Aqui na Terra, entretanto, Thor aprenderá a humildade, o valor da vida, e outras lições (incluindo o amor por uma terráquea, a astrônoma Jane Foster, vivida por Natalie Portman, recém-saída de “Cisne Negro”) que uma vez mais o tornarão digno de seu vasto poder.
É uma adaptação requintada e descontraída de um personagem da Marvel que termina por representar outras facetas do Universo Marvel que, vale lembrar, ainda estava criando corpo naquela época (meados de 2011). Na cronologia de histórias do estúdio, este filme é antecedido por “Homem de Ferro 2” (com o qual a trama se interliga graças à sua cena pós-crédito e ao personagem do Agente Coulson) e sucedido pelo primeiro filme solo do Capitão América –ambos já traziam pistas bastante significativas a respeito da trama do ainda vindouro filme que viria a reunir os Vingadores.