Não deixa de ser admirável que, entre franquias milionárias de superheróis que dão certo ou não, e criações mirabolantes e fantasiosas afins, o diretor e astro Kenneth Branagh tenha sido capaz de emplacar, nesses tempos atuais de pirotecnia, uma espécie de franquia focada na astúcia do roteiro, na excelência das interpretações e no amparo de adaptações literárias de obras da autora Agatha Christie que estão por aí desde muito tempo. Tudo começou com a versão repaginada, remodelada e modernizada (isso em termos de virtuosismo narrativo) de “Assassinato No Expresso do Oriente”, prosseguindo com este “Morte No Nilo” que dá uma continuidade sutil àqueles eventos.
A verdade é que “Morte No Nilo”, o livro de
Agatha Christie, já havia sido outrora adaptado para cinema; numa produção de
1978 estrelada por Peter Ustinov (em substituição à Albert Finney, que viveu
Hercule Poirot na primeira versão de “Assassinato No Expresso Oriente”) e
dirigida por John Guilhermin. Carente de recursos, de fôlego limitado e
dirigido sem maiores inspirações, era um filme mediano que pouco conseguia
evidenciar qualquer brilhantismo que o texto literário por ventura pudesse ter
–e apesar disso tudo, ainda rendeu uma continuação, “Assassinato Num Dia de
Sol”, de 1982, também estrelada por Ustinov.
Este novo “Morte No Nilo” começa numa cena em
preto & branco, durante a Primeira Guerra Mundial, onde a narrativa trata
de explicar a origem... do bigodão de Hercule Poirot (!), então um jovem
soldado almejando ser fazendeiro, mas dotado de genial mente dedutiva. Salta
para o ano de 1937 e o agora renomado detetive Hercule Poirot, após o que
parece ser a solução de um caso em pleno Egito, busca dar continuidade às suas
férias. Todavia, os contratempos não cessarão: Logo, ele reencontra o amigo
Bouc (Tom Bateman), o mesmo que lhe providenciara a carona no Expresso do
Oriente no filme anterior.
Ao reencontrar Bouc, junto de sua intratável
mãe (Annete Bening), Poirot reencontra também as circunstâncias que, mais uma
vez, tornam a exigir dele sua apurada perspicácia detetivesca. Desta vez, a
trama gira em torno de um casal em lua-de-mel que monopoliza as intrigas dos
personagens: A ricaça Lynnete Ridgeway (Gal Gadot) e seu marido um tanto
oportunista, Simon Doyle (Armie Hammer); sendo que eles foram apresentados, um
ao outro, pela amiga de Lynnete, Jackie de Bellefort (Emma Mackey, de “Barbie”),
então namorada de Simon.
Uma vez casados, Lynnete e Simon recolhem seus
amigos e conhecidos no luxuoso cruzeiro Karnak, a fim de descer as águas do Nilo,
entretanto, cada convidado tem uma razão para desejar o mal do casal: Seja o
médico, Dr. Windlesham (Russell Brand), ainda apaixonado por Lynnete e
visivelmente contrariado com o recente casamento dela; seja sua tia Marie Van Schuyler
, cheia de segredos, inclusive aqueles envolvendo sua enfermeira e acompanhante
Mrs. Bowers (Jennifer Saunders e Dawn French, criadoras da série britânica de
comédia “French & Saunders”); ou o primo distante, o indiano Andrew
Katchadorian (Ali Fazal), a empregada Louise Bourget (Rose Leslie), cheia de
segundas intenções, e até mesmo a dupla contratada para animar a viagem, a
cantora Salomé Otterbourne (Sophie Okonedo, de “Coisas Belas e Sujas”) e sua
filha Rosalie (Letitia Wright, de “Pantera Negra-Wakanda Para Sempre”), esta
por sua vez enamorada por Bouc; e ainda por cima, o aparecimento na embarcação
da própria Jackie! Assim sendo, quando alguém aparece assassinado, sobram
suspeitos para o detetive Poirot investigar, e as circunstâncias em que se deu
o crime são de tal forma melindrosas e complexas que somente uma mente
privilegiada como a dele é, de fato, capaz de encontrar um fio da meada e
descobrir a verdade por trás de tudo.
A fórmula de “Morte No Nilo” segue a mesma de
“Assassinato...”, um crime (aqui, levando um tempo mais considerável para se
suceder) deflagra a investigação e todos os personagens, sem exceção, possuem
segredos a ocultar uns dos outros, desafiando o intelecto à toda prova de Poirot,
contudo, diferente da situação de confinação engendrada em “Assassinato...”,
aqui a direção de fotografia de Haris Zambarioukos explora com avidez visual e
entusiasmo técnico todas as possibilidades paisagísticas oferecidas por
recursos de última geração e efeitos digitais que permitem transformar cada
frame numa pintura.
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