Há algo de angelical na beleza amadurecida e melancólica de Victoria April; em contrapartida, há algo de diabólico na sensualidade à flor da pele e na juventude vulcânica de Penelope Cruz, e esse acerto na escalação de duas atrizes em estado de graça, donas de carisma incomum no cenário cinematográfico mundial, para interpretar personagens assim antagônicas e a um só tempo complementares, é pois o elemento em torno do qual se constrói “Sem Notícias de Deus”, do diretor Augustín Diaz Yanes –a razão, por assim dizer, para que tal projeto exista. Não deixa de ser um procedimento um tanto batido que o cinema espanhol parece decalcar do cinema norte-americano: Reunir em cena dois grandes nomes de forte apelo junto ao público a fim de atrair expectadores para o filme.
Sua trama, num gesto de audácia autoral, cutuca
diretamente preceitos religiosos para deles extrair uma certa graça –que nem
sempre se revela ferina de fato –o Inferno (no qual seus membros condenados
falam sempre em inglês!) envia para a Terra a intempestiva e sensual Carmem
(Penelope Cruz), enquanto que o Céu (um ambiente preto & branco vintage onde a língua predominante é o
francês!) envia a sensata e bem-intencionada Lola (Victoria April). A razão é o
salvamento da alma do boxeador Manny (Demián Bichir): O Céu e o Inferno resolveram
disputar a sua alma simbolicamente numa queda de braço onde decidirão se o Céu
prossegue com sua carência cada vez maior e mais alarmante de almas
benevolentes e o Inferno, com as condições precárias e impraticáveis para a
superlotação que, nos últimos tempos, o assolou.
Encarnada na esposa de Manny, Lola tem
considerável vantagem nessa disputa, mas Carmem pode apelar para as escapadelas
e desvios morais que vez ou outra o suscetível Manny comete –e são inúmeros:
Inclusive envolvendo o perigo da criminalidade, algo que, em dado momento,
ameaça atingir as duas enviadas do além, obrigando-as a fazer algo que não
queriam e nem imaginavam: Unir forças.
Longe de emular Pedro Almodóvar –a primeira
referência que vem a mente ao vermos Victoria April e Penelope Cruz no filme
–embora hajam traços do cinema latino, sobretudo, na abordagem algo debochada
da religiosidade, o trabalho de Diaz Yanes, datado de 2001, é, do início ao
fim, assombrado por Quentin Tarantino: A abertura é totalmente inspirada em
“Pulp Fiction”, e a condução de seu enredo prima por uma manutenção de diálogos
abastecidos de um sarcasmo mesclado à inusitado senso de observação, tudo isso,
mais a ênfase já nem tanto original na criminalidade urbana remete muito ao
diretor de “Cães de Aluguel”. Entretanto, não é somente Tarantino quem parece
orientar as inspirações de Diaz Yanes; também o filme alemão “Corra Lola Corra”, dirigido por Tom Tykwer, de 1998, é talvez sua mais inescapável fonte,
na repetição dos nomes dos protagonistas –Lola, a personagem feminina principal
(lá interpretada por Franka Potente), e Manny (vivido naquele filme por Moritz
Bleibtreu) o personagem masculino principal –e na premissa onde uma mulher (ou
duas, como aqui) se propõe a toda uma jornada de exaspero físico e significado
metafísico a fim de garantir a redenção de um homem.
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