terça-feira, 23 de abril de 2024

Imaculada


 Talvez, seja devido à ambientação na Itália –e o fato de grande parte dele ser falado em italiano –que “Imaculada”, desde o início, provoque a lembrança de obras oriundas do terror gótico italiano, algumas em especial realizadas por Mario Bava e Dario Argento. A trama e seu princípio básico até lembram bastante aqueles enredos macabros: Uma jovem vinda de longe chega para viver num local assolado por práticas e costumes que, ela descobrirá junto do público, são orientados por escolhas tétricas. Com essa premissa se materializaram clássicos do gênero como “Suspiria”, “Phenomena” e outros trabalhos um pouco mais obscuros.

Em “Imaculada”, a jovem vinda de longe é a freira norte-americana Irmã Cecilia (Sydney Sweeney, demonstrando considerável versatilidade ao assumir um papel que exige predicados diferentes daqueles que ela ostentou em outros papéis mais voltados para a sensualidade) que vem para a Itália, mais precisamente para o monastério Nossa Senhora das Dores, onde fará seus votos e passará a viver. Contudo, nós expectadores sabemos, desde o sinistro prólogo (onde uma moça tenta escapar de lá à noite e tem um desfecho apavorante) que algo terrível espreita pelos cantos escuros daquele lugar.

Ao longo da narrativa, a dicotomia entre as informações sugeridas nesse prólogo e a trajetória gradual de revelação da Irmã Cecilia irão intrigar o público, não necessariamente das melhores maneiras –durante a maior parte do tempo, não há uma relação coerente ou harmoniosa entre os acontecimentos iniciais e o filme que se segue depois deles, dando a impressão de que tudo são ideias aleatórias justapostas pelo roteiro. Conforme vão passando seus dias naquele lugar regido pelos preceitos de abnegação, onde as freiras mais jovens basicamente devem zelar pelo bem-estar de freiras idosas acometidas de insanidade e toda sorte de mazelas acarretadas pela idade avançada, a Irmã Cecilia se depara com as personalidades distintas que afloram em pequenos gestos: O rancor e a maldade enrustida da Irmã Mary (Simona Tabasco); a rebeldia e a camaradagem da Irmã Gwen (Benedeta Porcaroli); a onipresença sufocante da Madre Superiora (Dora Romano, de “Perfume-A História de Um Assassino”); a severidade ameaçadora do Cardeal Franco (Giorgio Colangeli); a prestatividade insistente e suspeita do Padre Tedeschi (Alvaro Morte, da festejada série “La Casa de Papel”); a omissão cheia de significados do médico local, o Dr. Gallo (Giampiero Judica, de “Todo O Dinheiro do Mundo”) e as aparições súbitas, no meio da madrugada, e algo fantasmagóricas de uma das internas (Betty Pedrazzi).

Após uma noite em que se perde em corredores tenebrosos e aparentemente secretos do lugar, seguido de visões assustadoras e de um desmaio, a Irmã Cecilia fica intrigada com sintomas estranhos que sua saúde começa a apresentar, e logo vem uma surpresa: Ela –virgem e intocada –está grávida! No entanto, apesar da novidade ser recebida entre as demais freiras como um milagre, é numa prisioneira do lugar que, nos dias que se seguem, a Irmã Cecilia parece se transformar: ela não pode sair para o mundo exterior, não pode trabalhar com as outras freiras e, mesmo seus apelos para ser consultada com um médico diferente nas cidades próximas (pois, a exemplo de realizações como “O Bebê de Rosemary”, seu organismo começa a ter reações um tanto estranhas e preocupantes em relação à essa gravidez), é ignorado. O que, logo, desperta nela a vontade de engendrar planos para escapar dali.

A direção de Michael Mohan (que já havia dirigido Sydney Sweeney no suspense “The Voyeurs”) não se equipara, em inventividade e originalidade, a nenhum dos mestres italianos a que, por ventura, seu filme faz referência –sua técnica, na verdade, ainda que consciente dos valores de fotografia e direção de arte enfatizados para a eficaz construção do clima, remete mais à atmosfera gélida dos filmes de terror recentes, também eles recorrentes na evocação de tópicos religiosos para gerar medo no público, à exemplo da franquia “A Freira”, “O Exorcista do Papa” e outros. Apesar disso –e do desperdício nos conceitos de todo um gênero que os italianos provaram ser promissor –“Imaculada” se impõe como uma bela obra de terror no circuito comercial de hoje pela solidez lúgubre de sua trama (a despeito de um ou outro lapso pelo caminho, os desdobramentos obedecem a uma escalação de horrores que prendem os olhos na tela) e pela credibilidade fornecida pelo elenco de apoio à sua ótima protagonista –são todos italianos de fato e não americanos interpretando com sotaque macarrônico. No final das contas, uma boa pedida.

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