O público em geral encontra duas maneiras
distintas de reagir à “Canibal Holocausto”: Uma delas é aderindo ao filme,
abraçando a violência com admiração pela sua execução gráfica e o franco mérito
que a produção possui em mostrar-se de uma crueza que beira o realismo em seus
aspectos mais horripilantes. A outra, é repudiando-o completamente (gesto,
penso, da maior parte do público), não reconhecendo qualquer valor na
reconstituição em minúcia das atrocidades que promove.
Dito isso, é impossível ficar indiferente ao
trabalho de Ruggero Deodato.
Possivelmente o ápice (embora, muitos não
concordem com esse termo) do ‘ciclo canibal’ que dominou a produção de cinema
comercial de baixo orçamento na Itália dos anos 1970, quando a realização de
muitos filmes pegava carona no apelo da exploitation, o plano de Deodato era
conceber o filme de canibal mais ultrajante, assombroso e extremo possível,
superando todos os já infames títulos do movimento.
A idéia era a simulação de realidade até as
últimas conseqüências: E, para tanto, até mesmo a linguagem do filme tinha uma
utilização mais, por assim dizer, sofisticada.
Em Nova York, um pesquisador é despachado para
a Amazônia procurar uma equipe dada por desaparecida. O mistério em torno de
seu destino, dos mais óbvios (foram mortos pelas tribos canibais), não chega a
ser exatamente o cerne da premissa, mas sim o modo como isso se deu, e talvez,
as suas razões.
Ao encontrar a tribo, o pesquisador encontra
também o material documentado por eles em câmeras, no qual estariam gravados
também os acontecimentos que levaram às suas mortes. Após um convulsivo período
de relutância –durante o qual a direção aproveita para criar um suspense barato
em torno dos fatos –as filmagens são então reveladas; e aí, o filme ensaia um
estilo muito parecido com o “found footage”, que virou modismo no cinema de
horror a partir dos anos 1990 com “A Bruxa de Blair”: Muitos inclusive apontam,
“Holocausto Canibal” como o grande (e talvez injustiçado) precursor dessa
técnica, ainda que ela não apareça, neste filme, com todas as características
que foram adotadas depois –o filme nunca se restringe às câmeras de mão, por
exemplo, usando freqüentemente o intercâmbio das cenas de filme convencional,
para esclarecer alguma obscuridade da narrativa.
Mas, nada disso importa.
São as cenas que se
multiplicam e se intensificam à medida que o filme caminha para seu terço
final, que respondem pela verdadeira e única razão pela qual o filme será
lembrado: Ruggero Deodato foi realmente muito além dos limites com sua
premissa, e concebeu uma obra que levanta uma talvez involuntária questão
acerca da violência explícita no cinema. Impelidos por uma sanha inexplicada de
inconseqüência e selvageria (de repente, devido à impunidade com a qual
conseguem infligir sofrimento aos nativos), os cinegrafistas –dois homens e uma
mulher –praticam atos de violência perturbadora, o quê leva, como conseqüência,
a ira dos canibais a cair sobre eles: A mulher é estuprada e morta, e os homens
são assassinados (e depois devorados) com requintes cruéis nos detalhes em que
isso é registrado. Antes mesmos dessas cenas particularmente assombrosas de
sucederem na tela, Ruggero Deodato já adianta esse horror com diversas cenas
onde mostra –em tom quase documental –vários animais sendo mortos pelos
desbravadores da floresta, quase todos em cenas autênticas, o quê, no que diz
respeito à morte dos bichos, transforma a obra de Deodato num verdadeiro
“snuff-movie”.
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