Quando a Marvel Studios lançou a pra lá de bem-sucedida dobradinha, “Vingadores-Guerra Infinita” e “Vingadores-Ultimato”, em 2018 e 2019, não imaginava estar criando uma verdadeiro cilada para si mesma e para suas vindouras produções a serem elaboradas futuramente –ao conceber duas obras que, em si, atingiam ápices cinematográficos antes inimagináveis, a Marvel estabeleceu um patamar altíssimo, padrão para as expectativas que seu público teria em relação à obras que viessem depois.
Embora realmente tenham havido, depois disso,
filmes oscilantes em qualidade –e desse fato alimentar uma constante e
aborrecida discussão sobre a saturação das adaptações de histórias em
quadrinhos junto ao público –a Marvel ainda conseguiu, vez ou outra, entregar
algo de qualidade. Afinal, para cada presepada como “Thor-Amor e Trovão”, havia
um passatempo satisfatório como “Homem-Aranha Sem Volta Para Casa”, para cada
deslize como “Homem-Formiga e A Vespa-Quantumania” ou “As Marvels”, havia um belo
trabalho como “Guardiões da Galáxia Vol. 3” ou “Deadpool & Wolverine”.
Bem, em 2025, a Marvel Studios, se não foi
capaz de fazer “Capitão América-Admirável Mundo Novo” tão memorável quanto seus
pares, ela conseguiu, com este “Thunderbolts*” entregar aos expectadores tudo
aquilo que, no geral, sempre deles se espera –uma obra vibrante, com
personagens cativantes e envolventes do início ao fim, bem conjugada no manejo
de uma trama que oscila, com desenvoltura e descontração, entre a ação, o humor
e o drama.
Grupo clandestino e marginalizado de anti-heróis
nos quadrinhos da Marvel –mais ou menos que é “O Esquadrão Suicida” na DC
Comics –os Thunderbolts são, tal e qual os Vingadores, uma junção de vários
personagens, oriundos de diversos filmes e séries que a Marvel Studios foi
produzindo ao longo dos anos; com o adendo de que, diferente dos heróicos e
nobres protagonistas à toda prova de antes, agora temos aqui personagens
ambíguos, sobreviventes no limiar de suas próprias falhas traumáticas, das
experiências defeituosas e das trajetórias torpes que a cada um foi imposta. E o
diretor Jake Schreier (de "Cidades de Papel") espertamente soube ancorar esses elementos um tanto
quanto diferenciais na narrativa absorvente, política e intrigante que conduz
com seu filme.
Pode-se partir do princípio que o eixo em torno
do qual “Thunderbolts*” gira é Yelena Belova (Florence Pugh, maravilhosa), a ‘Nova
Viúva Negra’, introduzida no Universo Marvel em “Viúva Negra”, sendo irmã
adotiva de Natasha Romannof, a Viúva Negra ‘original’, e amargurada desde a
morte desta em “Ultimato” –Yelena assume, em “Thunderbolts*”, um protagonismo
que Natasha jamais teve a chance de ter num filme dos Vingadores. Além dela,
seu ‘pai’, Alexei Shostakov (David Harbour), o Guardião Vermelho, surge como o
grande alívio cômico do filme, roubando com carisma inabalável, muitas das
cenas em que aparece. Operando nas sombras, e agindo com a ambivalência moral
que pouquíssimas vezes vimos em Natasha, Yelena vai finalmente deixando para
trás o luto pela irmã, enquanto começa, pouco a pouco, a questionar as missões
nebulosas designadas a ela por Valentina Allegra de Fontaine (Julia
Loius-Dreyfus, perniciosa feito uma cobra!). Executiva de alto nível em
Washington, e encarregada da C.I.A., Valentina enfrenta, no Senado, uma
tentativa de impeachment capitaneada,
entre outros, por Bucky Barnes (Sebastian Stan, cada vez mais sensacional),
devido às atividades nada ortodoxas do Serviço de Inteligência durante a sua
gestão. Para continuar no jogo do poder e evitar o impeachment, Valentina vale-se de Yelena para ‘queimar arquivos’
referentes às inúmeras experiências ilícitas que andou autorizando para criar toda
uma nova geração de superhumanos a fim de substituírem os tão saudosos
Vingadores.
É assim que Yelena termina numa base de
operações científicas longínqua, encrustrada numa montanha, onde aparentemente
deve dar cabo da Fantasma (Hannah John-Kamen), uma operativa com poder de
intangibilidade cuja origem foi revelada em “Homem-Formiga e A Vespa”. No entanto,
lá Yelena encontra também o Agente Americano, John Walker (Wyatt Russell), o
ex-Capitão América mostrado na minissérie “Falcão e O Soldado Invernal”,
enviado para neutralizá-la, além da Treinadora (Olga Kurilenko), também vista
em “Viúva Negra” –e, após alguns atritos, todos chegam à conclusão de que foram
para lá despachados a fim de se matarem, pois, como tudo o mais, eles são indícios
vivos das travessura ilegais que Valentina tem autorizado por baixo dos panos,
e devem ser, assim, eliminados. Junto deles, há também o misterioso Bob Reynolds
(Lewis Pullman, filho do ator Bill Pullman) cuja atitude normal e amedrontada
esconde o fato de que foi cobaia numa experiência que pode fazer dele um dos
seres mais poderosos do Universo Marvel: O Sentinela.
Adentrar mais na trama de “Thunderbolts*”, que
se desdobra para muito além disso, seria revelar spoilers que certamente comprometeriam a diversão –e fica,
portanto, aquela orientação básica, usual à todo lançamento de um filme da
Marvel Studios, de evitar a internet
(e os spoilers) até que se tenha
visto o filme!
Adornado de um clima sombrio e fatalista que
poucos filmes da Marvel em geral chegaram a adotar –até porque, neste caso,
isso reflete bastante as personalidades alquebradas e em constante conflito
pessoal dos anti-heróis aqui reunidos –“Thunderbolts*” é dirigido e roteirizado
com primordial atenção à essas facetas desiguais de seus personagens, levando
em conta cada uma de suas motivações para a composição do arco de história que
os fará uma equipe e os colocará, no clímax fabuloso, na improvável condição de
heróis –e por mais que Yelena e Bucky possuam um respaldo de protagonismo muito
maior na importância final, todos aqui têm seu momento.
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