Houve uma época, não muito tempo atrás, em que a Marvel Studios era um gigante das telas de cinema; filmes produzidos pelo estúdio e protagonizado por seus personagens eram estrondosos sucessos de bilheteria e, não raro, iam muito bem numa avaliação da crítica revelando uma capacidade notável para o estúdio compreender as dinâmicas de seus personagens e dar-lhes versões cinematográficas que conseguiam satisfazer em inúmeros aspectos.
Essa, porém, é uma época que ficou no passado
–essa é a triste constatação a que se chega ao conferir “As Marvels”. Dono do
nada honroso título de pior bilheteria do estúdio (isso dentre seus mais de
vinte longa-metragens) o filme dirigido por Nia DaCosta não é exatamente uma
obra ruim. Seu pecado é não atingir notas de intensidade que justifiquem
qualquer entusiasmo do público, para o bem ou para o mal. Ele não consegue
sequer ser um produto de opções controversas que despertam indignação
apaixonada nos fãs como fez, por exemplo, “Batman Vs Superman”. Na ânsia de
fazer um produto que errasse o mínimo possível, evitando ousar ou atrever-se em
qualquer direção, a Marvel Studios realizou uma obra pasteurizada que perde
cada uma das chances de se fazer memorável.
E essas chances, infelizmente, existiram.
Temos como exemplo disso o aguardado desenlace
da relação entre Carol Danvers (Brie Larson) e Monica Rambeau (a belíssima
Teyonah Parris), conduzido desde “Capitã Marvel”, na qual Monica se tornou
adulta enquanto esperava pela concretização da promessa da ‘Tia Carol’, de voltar
à Terra para rever ela e a mãe, Maria Rambeau (Lashana Lynch). Aconteceu que
Carol, ocupada demais com as atribulações pesadíssimas de uma superheroína de
nível cósmico por todo o universo afora, não foi capaz de regressar à Terra
antes de Maria morrer de câncer e Monica acabar ganhando, também ela, poderes
inusitados (explicações para isso, na série “WandaVision”) –em “As Marvels”, o
momento em que enfim Monica e Carol se reencontram e têm a oportunidade para
esclarecer sua relação afetiva é tão negligenciado, tratado de maneira tão
desdenhosa e com tamanha falta de profundidade que dá até pra imaginar o misto
de injúria e inconformismo que despertou em todos os fãs.
E essa sensação de descontentamento diante do
que podia ter sido e não foi é, lamento dizer, uma constante em “As Marvels”.
Na trama, Monica e Carol têm seus poderes
entrelaçados com os da terceira protagonista do filme, Khamala Khan (Iman
Vellani, da série “Miss Marvel”, de longe, a melhor coisa do filme todo): Toda
a vez que elas usam seus poderes em conjunto, estejam em qualquer lugar do
universo que estiverem, as três trocam de lugar –o que prontamente explicada a
misteriosa cena pós-créditos no final da série “Miss Marvel”...
Esse curioso efeito acaba tornando-as uma
espécie de equipe involuntária, unidas contra a vilã da vez, a implacável
Dar-Benn (Zawe Ashton, esposa de Tom Hiddleston, o “Loki”), uma Acusadora do
antigo Império Kree (mesmo posto de Ronan, o vilão de “Guardiões da Galáxia”)
cujo objetivo é juntar os dois lendários e poderosos braceletes quânticos –um
dos quais, responsável pelo despertar dos poderes de Khamala –e usá-los para
extrair o poder do sol, ou alguma coisa assim...
Em algum momento dessas idas e vindas, o
roteiro deixa entrever numa ou noutra motivação injustificada, o crescente
desprezo que os realizadores parecem sentir pelo material com o qual estão
trabalhando: Não apenas as predisposições para estabelecer propósitos em seus
personagens vai minguando (chegando ao cúmulo de uma constrangedora cena
musical ganhar mais importância na trama do que muitas explicações plausíveis),
como também inúmeras cenas que deveriam esclarecer alguns pontos de seu enredo
acabam completamente ignoradas, talvez, deixadas de lado de forma displicente
numa sala de edição, como a aparição sem sentido de Carol Canvers na primeira
cena em que as Marvels se veem todas juntas; o destino dado ao planeta Aladna
que teve todo seu oceano sugado para outro lugar; o portal que drenava a
energia do sol; o destino final dos braceletes (no desfecho, só um deles é
visto com Khamala) e muitos outros momentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário