quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

As Marvels


 Houve uma época, não muito tempo atrás, em que a Marvel Studios era um gigante das telas de cinema; filmes produzidos pelo estúdio e protagonizado por seus personagens eram estrondosos sucessos de bilheteria e, não raro, iam muito bem numa avaliação da crítica revelando uma capacidade notável para o estúdio compreender as dinâmicas de seus personagens e dar-lhes versões cinematográficas que conseguiam satisfazer em inúmeros aspectos.

Essa, porém, é uma época que ficou no passado –essa é a triste constatação a que se chega ao conferir “As Marvels”. Dono do nada honroso título de pior bilheteria do estúdio (isso dentre seus mais de vinte longa-metragens) o filme dirigido por Nia DaCosta não é exatamente uma obra ruim. Seu pecado é não atingir notas de intensidade que justifiquem qualquer entusiasmo do público, para o bem ou para o mal. Ele não consegue sequer ser um produto de opções controversas que despertam indignação apaixonada nos fãs como fez, por exemplo, “Batman Vs Superman”. Na ânsia de fazer um produto que errasse o mínimo possível, evitando ousar ou atrever-se em qualquer direção, a Marvel Studios realizou uma obra pasteurizada que perde cada uma das chances de se fazer memorável.

E essas chances, infelizmente, existiram.

Temos como exemplo disso o aguardado desenlace da relação entre Carol Danvers (Brie Larson) e Monica Rambeau (a belíssima Teyonah Parris), conduzido desde “Capitã Marvel”, na qual Monica se tornou adulta enquanto esperava pela concretização da promessa da ‘Tia Carol’, de voltar à Terra para rever ela e a mãe, Maria Rambeau (Lashana Lynch). Aconteceu que Carol, ocupada demais com as atribulações pesadíssimas de uma superheroína de nível cósmico por todo o universo afora, não foi capaz de regressar à Terra antes de Maria morrer de câncer e Monica acabar ganhando, também ela, poderes inusitados (explicações para isso, na série “WandaVision”) –em “As Marvels”, o momento em que enfim Monica e Carol se reencontram e têm a oportunidade para esclarecer sua relação afetiva é tão negligenciado, tratado de maneira tão desdenhosa e com tamanha falta de profundidade que dá até pra imaginar o misto de injúria e inconformismo que despertou em todos os fãs.

E essa sensação de descontentamento diante do que podia ter sido e não foi é, lamento dizer, uma constante em “As Marvels”.

Na trama, Monica e Carol têm seus poderes entrelaçados com os da terceira protagonista do filme, Khamala Khan (Iman Vellani, da série “Miss Marvel”, de longe, a melhor coisa do filme todo): Toda a vez que elas usam seus poderes em conjunto, estejam em qualquer lugar do universo que estiverem, as três trocam de lugar –o que prontamente explicada a misteriosa cena pós-créditos no final da série “Miss Marvel”...

Esse curioso efeito acaba tornando-as uma espécie de equipe involuntária, unidas contra a vilã da vez, a implacável Dar-Benn (Zawe Ashton, esposa de Tom Hiddleston, o “Loki”), uma Acusadora do antigo Império Kree (mesmo posto de Ronan, o vilão de “Guardiões da Galáxia”) cujo objetivo é juntar os dois lendários e poderosos braceletes quânticos –um dos quais, responsável pelo despertar dos poderes de Khamala –e usá-los para extrair o poder do sol, ou alguma coisa assim...

Em algum momento dessas idas e vindas, o roteiro deixa entrever numa ou noutra motivação injustificada, o crescente desprezo que os realizadores parecem sentir pelo material com o qual estão trabalhando: Não apenas as predisposições para estabelecer propósitos em seus personagens vai minguando (chegando ao cúmulo de uma constrangedora cena musical ganhar mais importância na trama do que muitas explicações plausíveis), como também inúmeras cenas que deveriam esclarecer alguns pontos de seu enredo acabam completamente ignoradas, talvez, deixadas de lado de forma displicente numa sala de edição, como a aparição sem sentido de Carol Canvers na primeira cena em que as Marvels se veem todas juntas; o destino dado ao planeta Aladna que teve todo seu oceano sugado para outro lugar; o portal que drenava a energia do sol; o destino final dos braceletes (no desfecho, só um deles é visto com Khamala) e muitos outros momentos.

É como se toda aquela minúcia e atenção dedicada aos detalhes que fazia de “Vingadores-Ultimato” uma obra tão brilhante e notável já não fosse qualquer prioridade aqui.

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