Não deixa de ser um problema para a Marvel Studios o fato de que, quando decidiu adentrar com mais propriedade o terreno das séries de TV, produzindo obras conectadas ao seu Universo Cinematográfico da mesma forma que já o fazia há mais de dez anos (e com largo sucesso) no cinema, isso se deu já entregando seu mais brilhante produto: Primeira das tantas séries e minisséries que saíram com exclusividade na plataforma Disney +, “WandaVision” permanece sendo a mais inteligente, a mais inovadora e, por que não, a mais cativante.
Dirigida (e muitíssimo bem!) por Matt Shakman e
dona de uma desafiadora estrutura narrativa que em princípio faz dela uma
espécie de homenagem da Marvel aos sitcoms televisivos norte-americanos,
“WandaVision” começa com seu primeiro episódio em preto & branco (a evocar
seriados antigos dos anos 1950 como “I Love Lucy” e “The Dick Van Dyke Show”)
trazendo com certa galhofa inocente os personagens de Wanda Maximoff (Elizabeth
Olsen, sensacional) e Visão (o ótimo Paul Bettany) chegando à cidadezinha de
Westview, em New Jersey, e lá se instalando, na busca pela rotina de um casal
de classe média normal, coisa que eles não são: Visão (a despeito de arrumar
trabalho num escritório banal cujos procedimentos não lhe fazem muito sentido)
é um poderoso sintozóide artificial, enquanto que Wanda (embora desempenhe o
papel de uma dona de casa satisfeita e dedicada) é uma feiticeira de abrangente
controle sobre a realidade.
O segundo episódio já remete às séries dos anos
1960, com nítida inspiração em “A Feiticeira” (até mesmo a abertura em animação
é referenciada), enquanto que o terceiro, já adornado de cores, segue o padrão
das séries dos anos 1970. Ao longo dessa evolução estilística, uma trama também
se desenvolve: Wanda e Visão fazem o possível para viver com tranquilidade em
família –ignorando, na medida do possível, que ambos foram Vingadores e que
participaram da árdua batalha contra Thanos em “Guerra Infinita” e “Ultimato”,
de onde o Visão saiu morto (!), mas... não vamos nos apressar.
Conforme seu dia-a-dia nesse subúrbio
idealizado se desenrola, vemos Wanda também engravidar, dar à luz a seus filhos
gêmeos Billy e Tommy (Julian Hilliard e Jett Klyne), que crescem absurdamente
rápido até a idade de dez anos (!), e ainda receber a visita de seu irmão
velocista Pietro (!), ainda que este tivesse morrido (!!) em “Vingadores-A Era de Ultron” (contudo, nesse filme, o personagem era vivido por Aaron Taylor
Johnson, enquanto que aqui, num genial lance metalinguístico, ele é vivido por
Evan Peters que deu vida ao mesmo personagem em “X-Men Dias de Um Futuro Esquecido”), sempre sob a presença insistente e histriônica da vizinha
enxerida Agnes (Kathryn Hahn, de “Glass Onion”).
Contudo, assim como começa a ocorrer com o
expectador, não tarda para que o Visão note algo de muito estranho nisso tudo:
Nada faz muito sentido naquela harmonia perfeita e artificial que partilham. É
em algum momento entre o terceiro e o quarto episódios que “Wanda Vision”
começa a surpreender ainda mais o público ao revelar a personagem de Monica
Rambeau (a maravilhosa Teyonah Parris), uma agente governamental que
infiltrou-se dentro da simulação sobrenatural que é Westview –e penso estar,
agora, adentrando os spoilers da trama, visto que muito do que relatar a partir
daqui haverá de esbarrar nas sensacionais surpresas reservadas por este enredo
até a finalização dos nove episódios.
Apesar dessa inusitada e ousada proposta
–valer-se de um formato estendido de seriado televisivo para homenagear e
parodiar as próprias séries de TV, sua estrutura clássica e seus clichês de
gênero (inclusive os infalíveis ‘saquinhos de risada’), enquanto desenvolve uma
trama mais intrincada e complexa na qual os papéis de vilã e heroína, no que
diz respeito à protagonista, são colocados em notável perspectiva
–“WandaVision” é assombrosamente fluído e compreensível; quando todas as peças
começam a se encaixar, não restam pontas soltas, e se torna cristalina a
belíssima continuidade que os realizadores deram a estes personagens, Wanda e
Visão, normalmente relegados à coadjuvantes em produções anteriores, mas que
aqui, alçados à protagonistas, têm a chance de evidenciar os ótimos e
riquíssimos personagens que são, e os maravilhosos intérpretes que lhes dão
vida.
A trajetória de Wanda Maximoff, à propósito, é
retomada no longa-metragem para cinema “Doutor Estranho No Multiverso da Loucura” que, diferente deste primoroso trabalho, cede com mais facilidade à
obviedade de fazer dela a vilã da história, entretanto, voltando à esta
minissérie: Lá no fundo, “WandaVision” ousa também fazer um bonito e
significativo comentário sobre o luto, construindo a referência narrativa da
progressão de sua história –e gradual descoberta do expectador de todo o
mistério –em torno das suas cinco fases: Negação, Raiva, Barganha, Depressão e
Aceitação.
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