quarta-feira, 16 de agosto de 2023

WandaVision


 Não deixa de ser um problema para a Marvel Studios o fato de que, quando decidiu adentrar com mais propriedade o terreno das séries de TV, produzindo obras conectadas ao seu Universo Cinematográfico da mesma forma que já o fazia há mais de dez anos (e com largo sucesso) no cinema, isso se deu já entregando seu mais brilhante produto: Primeira das tantas séries e minisséries que saíram com exclusividade na plataforma Disney +, “WandaVision” permanece sendo a mais inteligente, a mais inovadora e, por que não, a mais cativante.

Dirigida (e muitíssimo bem!) por Matt Shakman e dona de uma desafiadora estrutura narrativa que em princípio faz dela uma espécie de homenagem da Marvel aos sitcoms televisivos norte-americanos, “WandaVision” começa com seu primeiro episódio em preto & branco (a evocar seriados antigos dos anos 1950 como “I Love Lucy” e “The Dick Van Dyke Show”) trazendo com certa galhofa inocente os personagens de Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen, sensacional) e Visão (o ótimo Paul Bettany) chegando à cidadezinha de Westview, em New Jersey, e lá se instalando, na busca pela rotina de um casal de classe média normal, coisa que eles não são: Visão (a despeito de arrumar trabalho num escritório banal cujos procedimentos não lhe fazem muito sentido) é um poderoso sintozóide artificial, enquanto que Wanda (embora desempenhe o papel de uma dona de casa satisfeita e dedicada) é uma feiticeira de abrangente controle sobre a realidade.

O segundo episódio já remete às séries dos anos 1960, com nítida inspiração em “A Feiticeira” (até mesmo a abertura em animação é referenciada), enquanto que o terceiro, já adornado de cores, segue o padrão das séries dos anos 1970. Ao longo dessa evolução estilística, uma trama também se desenvolve: Wanda e Visão fazem o possível para viver com tranquilidade em família –ignorando, na medida do possível, que ambos foram Vingadores e que participaram da árdua batalha contra Thanos em “Guerra Infinita” e “Ultimato”, de onde o Visão saiu morto (!), mas... não vamos nos apressar.

Conforme seu dia-a-dia nesse subúrbio idealizado se desenrola, vemos Wanda também engravidar, dar à luz a seus filhos gêmeos Billy e Tommy (Julian Hilliard e Jett Klyne), que crescem absurdamente rápido até a idade de dez anos (!), e ainda receber a visita de seu irmão velocista Pietro (!), ainda que este tivesse morrido (!!) em “Vingadores-A Era de Ultron” (contudo, nesse filme, o personagem era vivido por Aaron Taylor Johnson, enquanto que aqui, num genial lance metalinguístico, ele é vivido por Evan Peters que deu vida ao mesmo personagem em “X-Men Dias de Um Futuro Esquecido”), sempre sob a presença insistente e histriônica da vizinha enxerida Agnes (Kathryn Hahn, de “Glass Onion”).

Contudo, assim como começa a ocorrer com o expectador, não tarda para que o Visão note algo de muito estranho nisso tudo: Nada faz muito sentido naquela harmonia perfeita e artificial que partilham. É em algum momento entre o terceiro e o quarto episódios que “Wanda Vision” começa a surpreender ainda mais o público ao revelar a personagem de Monica Rambeau (a maravilhosa Teyonah Parris), uma agente governamental que infiltrou-se dentro da simulação sobrenatural que é Westview –e penso estar, agora, adentrando os spoilers da trama, visto que muito do que relatar a partir daqui haverá de esbarrar nas sensacionais surpresas reservadas por este enredo até a finalização dos nove episódios.

Apesar dessa inusitada e ousada proposta –valer-se de um formato estendido de seriado televisivo para homenagear e parodiar as próprias séries de TV, sua estrutura clássica e seus clichês de gênero (inclusive os infalíveis ‘saquinhos de risada’), enquanto desenvolve uma trama mais intrincada e complexa na qual os papéis de vilã e heroína, no que diz respeito à protagonista, são colocados em notável perspectiva –“WandaVision” é assombrosamente fluído e compreensível; quando todas as peças começam a se encaixar, não restam pontas soltas, e se torna cristalina a belíssima continuidade que os realizadores deram a estes personagens, Wanda e Visão, normalmente relegados à coadjuvantes em produções anteriores, mas que aqui, alçados à protagonistas, têm a chance de evidenciar os ótimos e riquíssimos personagens que são, e os maravilhosos intérpretes que lhes dão vida.

A trajetória de Wanda Maximoff, à propósito, é retomada no longa-metragem para cinema “Doutor Estranho No Multiverso da Loucura” que, diferente deste primoroso trabalho, cede com mais facilidade à obviedade de fazer dela a vilã da história, entretanto, voltando à esta minissérie: Lá no fundo, “WandaVision” ousa também fazer um bonito e significativo comentário sobre o luto, construindo a referência narrativa da progressão de sua história –e gradual descoberta do expectador de todo o mistério –em torno das suas cinco fases: Negação, Raiva, Barganha, Depressão e Aceitação.

A Marvel Studios começou de tal maneira sublime sua contribuição em séries de TV que nenhuma outra produzida –mesmo aquelas que seguiram excelentes –foi capaz de ombrear o brilhantismo de “WandaVision”.

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