domingo, 13 de agosto de 2023

Que Horas Eu Te Pego?


 Maddie Barker (Jennifer Lawrence) vive uma situação periclitante: Depende de seu carro para juntar grana o suficiente trabalhando como uber –pois o rendimento no outro emprego, como garçonete, não basta –a fim de obter dinheiro para pagar a hipoteca da casa onde viveu com a mãe a vida toda. E a qual está ameaçada de perder. Mas, por uma série de razões referentes à constante irresponsabilidade de Maddie, seu carro foi rebocado –e não será, tão logo, devolvido. A saída é, como nas comédias adolescentes dos anos 2000 às quais este filme busca fazer alusão, inusitada: Atender a um pedido no jornal onde um casal de milionários requisita uma moça de 20 e poucos anos (Maddie tem 30, mas é bonita e convence bem) para namorar seu tímido e introspectivo filho de 18, para que ele vá para a faculdade munido de um pouco mais de experiência e auto-confiança.

“No Hard Feelings” parece –e, de fato, é –uma daquelas comédias besteirol que infestaram o cinema a partir da década de 1980, mas que, devido à uma série de mudanças comportamentais específicas nos últimos anos (como a ascensão do politicamente correto, por exemplo) deixaram de serem feitas. E, por isso mesmo, soa quase como um alívio e uma grata satisfação poder conferí-la hoje, no circuito comercial, abarrotado de aventuras e superproduções derivadas de franquias específicas; ou feitas com a intenção de virarem franquias específicas.

Convertida numa celebridade mundial –e arremessada no centro do turbilhão de badalação midiático do showbuziness –devido à participação em sagas como “Jogos Vorazes” e “X-Men”, a estrela Jennifer Lawrence já vinha, em algumas entrevistas, deixando clara uma perplexidade descontente com esse caminho que sua carreira cinematográfica havia tomado. Agora, após tirar o intervalo de um ano sabático, casar-se e ter um filho, ela trocou de agente disposta a dar um rumo novo à sua carreira. Ela integrou o vasto elenco do curioso “Não Olhe Para Cima”, protagonizou o elogiado e singelo drama “Causeway” e, logo em seguida, dedicou-se (inclusive como produtora) a este corpo inesperado e estranho na seara de realizações atuais hollywoodianas: Tivesse sido lançado à dez ou vinte anos atrás, “No Hard Feelings” seria só mais uma dentre tantas produções no mercado. Hoje, ele representa, solitariamente, um gênero do qual o público tem, quando muito, certa lembrança: As comédias popularescas, declaradamente chulas e sem muito pudor em ofender com seu humor nada inocente, tais como “A Vingança dos Nerds”, “A Última Festa de Solteiro” ou “O Último Americano Virgem”.

Entretanto, “No Hard Feelings” não é apenas consciente de sua singularidade; é também um ótimo trabalho: Dirigido e escrito por Gene Stupnitsky, o filme tem piadas divertidas de verdade, uma trama que, se não é um primor de execução e planejamento, se constrói desviando com desenvoltura expedientes mais óbvios (o romance entre os protagonistas termina sendo menos relevante do que outras questões), e seus personagens são carismáticos e interessantes o suficiente para capturar a atenção do expectador do início ao fim.

Após firmar negócio com os pais do moleque –vividos por Mathew Broderick e Laura Benanti –em troca de um carro com o qual possa retomar suas atividades de uber, Maddie parte para cima disposta a enredar, namorar e, ao fim, tirar a virgindade do jovem Percy (Andrew Barth Feldman, uma presença muito mais sólida e competente do que se podia imaginar). Contudo, como bem foi antecipado pelos pais, Percy é um jovem respeitador e contido –a despeito da beleza e exuberância de Maddie (características que, na divertidíssima atuação de Jennifer Lawrence, atraem muitas confusões para o lado da personagem), Percy não deseja logo partir para os finalmentes; ele quer conhecê-la, antes de irem para a cama, numa manobra que promove uma curiosa inversão de valores em relação à “No Hard Feelings” e as demais comédias adolescentes que ele alude: Desta vez é o rapaz (e não a garota) quem exige uma conexão emocional, para além do interlúdio físico.

Impaciente, mas disposta a colaborar, Maddie concorda, o que, nos dias que se seguem, à medida que vão dando prosseguimento à um namorico, vai rendendo uma série de situações hilárias e constrangedoras entre os dois: Como a ida noturna à praia, palco da cena mais antológica e comentada do filme (quando, ao convencê-lo a nadarem nus no mar, Maddie vê desocupados roubando suas roupas e sai de dentro da água, a exibir corajosa e despudoradamente a nudez frontal completa da estrela Jennifer Lawrence, e entra no braço, assim mesmo, sem roupa nenhuma, com três adolescentes!); a chegada a uma festa universitária, onde os dois promovem a maior confusão, inclusive brigando com o proprietário da casa (!); ou o passeio junto do enciumado ex-babá dele (que, sim, vem a ser um homem e não uma mulher!!), e vários outros momentos.

Assim, “No Hard Feelings” no sentimento de júbilo que provoca no público ao proporcionar o êxtase de um gênero que se presumia esquecido, remete todas as boas impressões de uma época em que se faziam filmes mais ácidos e inconsequentes, sem, no entanto, esquecer de seu compromisso com as posturas da atualidade –a despeito de toda a picardia, a personagem de Maddie segue de ponta à ponta, empoderada e forte, mostrando que mesmo comédias desse nicho são capazes de deixar o machismo de lado quando feitas com habilidade.

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