sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O Esquadrão Suicida


 Os percalços que levaram às telas esta nova versão de O Esquadrão Suicida são um exemplo das voltas que o mundo dá: Sucesso de público e fracasso de crítica (um fenômeno muito mais comum do que pode parecer), “Esquadrão Suicida”, dirigido por David Ayer, foi um dos muitos filmes que comprometeram a viabilidade do Universo Compartilhado da DC Comics almejado pela Warner Studios.

Era consenso geral que o trabalho de Ayer foi incapaz de capturar o sarcasmo necessário aos personagens –um grupo de heróis formado por vilões –o que transformou o filme numa sucessão de incoerências e frustrações, longe da intenção inicial de fazer dele uma espécie “Guardiões da Galáxia” da Distinta Concorrência. Contudo, quis o destino que James Gunn, justamente o cérebro por trás da originalidade palpitante daquele filme da Marvel Studios, ficasse em maus lençóis com os executivos da Disney devido ao aparecimento de twits polêmicos que ele escrevera muitos anos atrás. Demitido (por pouco tempo, já que foi recontratado), James Gunn ficou assim disponível para ser recrutado pela própria Warner Bros, que não pestanejou diante da oportunidade de ciscar no terreno do vizinho.

E assim, Gunn incumbiu-se de dirigir e roteirizar um novo “Esquadrão Suicida” que a um só tempo é continuação, reinvenção, derivado e reformulação do filme anterior (a única modificação no título é o acréscimo do artigo “O”). Sob muitos aspectos, ele deixa aquele filme completamente de lado para alçar voo próprio diante das possibilidades instigantes que descobre. Roteirista e diretor brilhante (anos-luz à frente de David Ayer, diga-se), James Gunn é um conhecedor intrínseco de histórias em quadrinhos, logo, ele compreende o contexto, a proposta e a dinâmica dos personagens reunidos em “O Esquadrão Suicida” de uma forma que David Ayer jamais conseguirá. E, como diretor, possuir também uma apurada percepção de cinema também ajuda muito.

Arrojado que só, “O Esquadrão Suicida” já começa num enquadramento de câmera absolutamente audacioso, mostrando Savant (Michael Rooker), um prisioneiro que, nos moldes dos personagens do filme anterior, é recrutado pela impiedosa Amanda Waller (Viola Davis que aqui não rouba a cena porque simplesmente todos estão sensacionais) para integrar o Esquadrão Suicida –um grupo de força-tarefa cujos membros, na falta de heróis superpoderosos, são escolhidos entre os vilões mesmo.

Único personagem minimamente nobre entre eles é o Coronel Rick Flag (Joel Kinnaman), oriundo do filme anterior –também são de lá o ardiloso Capitão Bumerangue (Jai Courtney) e, claro, a doce e psicótica Arlequina, personagem que, à essa altura, a australiana Margot Robbie já tornou tão antológica quanto indissociável dela própria.

O grupo é despachado para a republiqueta sul-americana de Corto Maltese (nome que, em si, já representa uma das muitas e sensacionais referências plantadas por Gunn na trama) para um missão algo nebulosa e, logo na chegada, são atacados. E eis que a obra de Gunn revela, já aí, toda a coragem, habilidade e excelência que faltou no outro filme: Salvo Rick Flag e Arlequina todos os outros personagens acabam mortos –até mesmo o personagem de Michael Rooker, até então sugerido pela narrativa como os olhos do público!

É só o começo, literalmente –tudo isso ocorre antes mesmo dos créditos iniciais!

Em “O Esquadrão Suicida”, mais que qualquer coisa, James Gunn exercita sua capacidade de se fazer imprevisível. O andamento da trama, as mortes que se sucederão ou não, e a guinada de roteiro seguinte são elementos que dificilmente os expectadores serão capazes de prever.

Um pouco longe dali, um segundo grupo também foi recrutado e enviado, grupo este composto pelo Sanguinário (o ótimo Idris Elba), o Pacificador (John Cena, de "Bumblebee", cada vez melhor), o Homem-Bolinhas (David Dastmalchian, de “Homem-Formiga”), a Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior) e o simultaneamente fofo e amedrontador Tubarão-Rei (voz de Sylvester Stallone).

Com habilidade insuspeita, o diretor James Gunn conduz a trama alternando esses dois grupos a medida que vai revelando algumas surpresas referentes à missão incumbida. Isso permite à Gunn explorar o termo ‘suicida’ presente em seu título –o desapego com que o diretor descarta muitos personagens ao longo do filme acrescenta um toque inesperado de suspense às situações de perigo –e operar com uma liberdade que não usufruía nem mesmo na Marvel Studios –produtora de filmes bem comportados, para todos os públicos, muito diferentes deste daqui onde Gunn enche a boca de seus personagens com impropérios e palavrões, pisa no acelerador no quesito da violência e emprega sanguinolência num nível similar somente ao que ele havia feito na produtora Troma em seu início de carreira.

De fato, “O Esquadrão Suicida” tem tudo isso; ação, violência, pancadaria, tiros e mortes, mas, é também um filme cheio de poesia: Na concepção irretocável em termos de um maior requinte cinematográfico, na escolha sublime e primordial das músicas que integram a trilha sonora (milagre que ele já havia executado em “Guardões da Galáxia”), na construção finalmente apropriada, ácida e vibrante dos personagens politicamente incorretos que tem em mãos, James Gunn finalmente mostra como fazer um filme de verdade com o Esquadrão Suicida, e de quebra entrega uma das melhores produções baseadas em histórias em quadrinhos de todos os tempos.

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