Os percalços que levaram às telas esta nova versão de O Esquadrão Suicida são um exemplo das voltas que o mundo dá: Sucesso de público e fracasso de crítica (um fenômeno muito mais comum do que pode parecer), “Esquadrão Suicida”, dirigido por David Ayer, foi um dos muitos filmes que comprometeram a viabilidade do Universo Compartilhado da DC Comics almejado pela Warner Studios.
Era consenso geral que o trabalho de Ayer foi
incapaz de capturar o sarcasmo necessário aos personagens –um grupo de heróis
formado por vilões –o que transformou o filme numa sucessão de incoerências e
frustrações, longe da intenção inicial de fazer dele uma espécie “Guardiões da Galáxia” da Distinta Concorrência. Contudo, quis o destino que James Gunn,
justamente o cérebro por trás da originalidade palpitante daquele filme da
Marvel Studios, ficasse em maus lençóis com os executivos da Disney devido ao
aparecimento de twits polêmicos que ele escrevera muitos anos atrás. Demitido
(por pouco tempo, já que foi recontratado), James Gunn ficou assim disponível
para ser recrutado pela própria Warner Bros, que não pestanejou diante da
oportunidade de ciscar no terreno do vizinho.
E assim, Gunn incumbiu-se de dirigir e
roteirizar um novo “Esquadrão Suicida” que a um só tempo é continuação,
reinvenção, derivado e reformulação do filme anterior (a única modificação no
título é o acréscimo do artigo “O”). Sob muitos aspectos, ele deixa aquele
filme completamente de lado para alçar voo próprio diante das possibilidades
instigantes que descobre. Roteirista e diretor brilhante (anos-luz à frente de
David Ayer, diga-se), James Gunn é um conhecedor intrínseco de histórias em
quadrinhos, logo, ele compreende o contexto, a proposta e a dinâmica dos
personagens reunidos em “O Esquadrão Suicida” de uma forma que David Ayer
jamais conseguirá. E, como diretor, possuir também uma apurada percepção de
cinema também ajuda muito.
Arrojado que só, “O Esquadrão Suicida” já
começa num enquadramento de câmera absolutamente audacioso, mostrando Savant
(Michael Rooker), um prisioneiro que, nos moldes dos personagens do filme
anterior, é recrutado pela impiedosa Amanda Waller (Viola Davis que aqui não
rouba a cena porque simplesmente todos estão sensacionais) para integrar o
Esquadrão Suicida –um grupo de força-tarefa cujos membros, na falta de heróis
superpoderosos, são escolhidos entre os vilões mesmo.
Único personagem minimamente nobre entre eles é
o Coronel Rick Flag (Joel Kinnaman), oriundo do filme anterior –também são de
lá o ardiloso Capitão Bumerangue (Jai Courtney) e, claro, a doce e psicótica
Arlequina, personagem que, à essa altura, a australiana Margot Robbie já tornou
tão antológica quanto indissociável dela própria.
O grupo é despachado para a republiqueta
sul-americana de Corto Maltese (nome que, em si, já representa uma das muitas e
sensacionais referências plantadas por Gunn na trama) para um missão algo
nebulosa e, logo na chegada, são atacados. E eis que a obra de Gunn revela, já
aí, toda a coragem, habilidade e excelência que faltou no outro filme: Salvo
Rick Flag e Arlequina todos os outros personagens acabam mortos –até mesmo o
personagem de Michael Rooker, até então sugerido pela narrativa como os olhos
do público!
É só o começo, literalmente –tudo isso ocorre
antes mesmo dos créditos iniciais!
Em “O Esquadrão Suicida”, mais que qualquer
coisa, James Gunn exercita sua capacidade de se fazer imprevisível. O andamento
da trama, as mortes que se sucederão ou não, e a guinada de roteiro seguinte
são elementos que dificilmente os expectadores serão capazes de prever.
Um pouco longe dali, um segundo grupo também
foi recrutado e enviado, grupo este composto pelo Sanguinário (o ótimo Idris
Elba), o Pacificador (John Cena, de "Bumblebee", cada vez melhor), o Homem-Bolinhas (David
Dastmalchian, de “Homem-Formiga”), a Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior) e o
simultaneamente fofo e amedrontador Tubarão-Rei (voz de Sylvester Stallone).
Com habilidade insuspeita, o diretor James Gunn
conduz a trama alternando esses dois grupos a medida que vai revelando algumas
surpresas referentes à missão incumbida. Isso permite à Gunn explorar o termo
‘suicida’ presente em seu título –o desapego com que o diretor descarta muitos
personagens ao longo do filme acrescenta um toque inesperado de suspense às
situações de perigo –e operar com uma liberdade que não usufruía nem mesmo na
Marvel Studios –produtora de filmes bem comportados, para todos os públicos,
muito diferentes deste daqui onde Gunn enche a boca de seus personagens com
impropérios e palavrões, pisa no acelerador no quesito da violência e emprega
sanguinolência num nível similar somente ao que ele havia feito na produtora
Troma em seu início de carreira.
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