sexta-feira, 8 de julho de 2022

Thor - Amor & Trovão


 Se em “Thor-Ragnarok” o diretor Taika Waititi havia encontrado o que parecia ser enfim o tom certo para as aventuras de Thor –o de uma comédia do absurdo temperada com ação épica decalcada do “Flash Gordon” dos anos 1980 –em “Thor-Amor & Trovão” tais aspirações e, sobretudo, a necessidade muito mercadológica de superá-las, ameaçam ruir sob a pressão da própria narrativa.

Como em seu antecessor, “Amor & Trovão” pulsa espirituosidade, e até mesmo uma certa originalidade na maneira com que enxerga uma forma distinta de colocar seu herói mitológico num prisma diferenciado de graça, conflitos existenciais e visual arrojado, contudo, ao procurar ir um pouco mais longe do que foi “Ragnarok”, lhe aumentando o escopo e tudo o mais, este “Amor & Trovão” acaba também expondo as limitações de Waititi. Nota-se, agora, que ele perde um pouco a noção de seu humor a partir do momento em que se defronta com situações que perigam ser repetitivas, e que sua paciência para com as cenas de ação se esgota muito facilmente.

Experimentando uma crise existencial desde que deixou a Terra ao final de “Vingadores-Ultimato” acompanhado dos Guardiões da Galáxia, Thor Odinson (Chris Hemsworth, sempre formidável) revê sua identidade como super-herói –ele mal tem ânimo, ou motivação, para participar das injustificadas batalhas ao lado de seus novos companheiros. Ainda assim, seu caminho toma um novo rumo quando parte atrás do paradeiro de Lady Sif (Jamie Alexander, numa personagem que havia sido estranhamente esquecida em “Ragnarok”) e descobre que um certo Gorr, auto-intitulado Carniceiro dos Deuses, vem fazendo das suas. Vivido pela hábil concepção minimalista do sempre talentoso Christian Bale, Gorr é um personagem trágico como toca a todo bom vilão –suas incomensuráveis aflições sofreram tamanha indiferença da parte dos deuses para quem rogou ajuda que, uma vez dotado da famigerada Espada Necromante, ele decide dar cabo de todas as divindades universo afora.

Esses percalços levam Thor de volta à terra, onde se encontra a comunidade de Nova Asgard, remanescentes da destruição promovida em seu reino no último filme, e lá, em meio à uma batalha, ele reencontra Jane Foster, uma antiga ex-paixão –leia-se: A namoradinha do super-herói nos filmes “Thor 1” e “Thor 2”.

Interpretada por Natalie Portman, que na época havia acabado de levar o Oscar de Melhor Atriz por “Cisne Negro”, Jane Foster era, até então, algo entre uma donzela em perigo e um alívio cômico. Foi Taika Waititi quem convenceu a atriz a voltar ao papel prometendo-lhe um arco narrativo que parecia ser improvável de ganhar as telas de cinema: Nas HQs, Jane se torna digna de empunhar o Mjolnir –o martelo de Thor, feito em pedaços por Hela, a Deusa da Morte, em “Ragnarok” –e com isso adquire todos os poderes do Deus do Trovão convertendo-se numa versão feminina do herói e num dos tantos exemplos de empoderamento e emancipação que afloraram na cultura pop. Mais do que transpor essa trama para o audio-visual, o que Waititi faz aqui é finalmente mostrar porque uma atriz vencedora do Oscar está a desempenhar esta personagem: Se em “Ragnarok” ele remodelou Thor dando-lhe a ênfase de protagonista que outros diretores não souberam dar, em “Amor & Trovão”, ainda que ele mantenha o foco de seu enredo em Thor, ele transforma Jane numa heroína de fato, dando-lhe um propósito e, de certa maneira, um desfecho. Uma personagem numa jornada.

É claro que, no processo, muita galhofa é mostrada o que, na soma de seus elementos, quase converte “Amor & Trovão” numa comédia romântica: Lá está, afinal, o relacionamento cheio de altor e baixos entre dois personagens feitos um para o outro (ainda que os próprios sejam os únicos que não se deem conta disso); lá estão as piadinhas (algumas bem infames) que temperam as dores de amor com um aroma agridoce; e lá também está uma idealização muito cinematográfica das complicações românticas, onde elas ganham ares de conto de fadas. Se tudo isso é descoberto na moldura muito modernosa de um filme de super-herói, é porque trata-se aparentemente de uma das propostas da Marvel Studios nesta produção. Se “Viúva Negra” era um thriller de espionagem, “Shang Chi e A Lenda dos Dez Anéis” era um épico de artes marciais e “Dr. Estranho No Multiverso da Loucura”, um filme de terror, então, “Amor & Trovão” guardadas as devidas concessões com cenas de ação, batalhas e a profusão usual e incontornável de efeitos visuais, é deveras uma comédia romântica.

Desde os eventos bombásticos ocasionados em “Vingadores-Ultimato” muito se pergunta qual será o caminho trilhado pela Marvel daqui para frente. Ele ainda não ficou completamente claro, mas é visto, pelo que se observou até aqui, que o estúdio está disposto a pisar no freio: Afinal, é inconcebível entregar ano após ano um evento cinematográfico da estatura de “Ultimato”.

A saida, portanto, é experimentar com novas interpretações de gênero, daí a sensação de que, diferente de todos os longa-metragens que iniciaram seu festejado universo compartilhado, todos os filmes que integraram até agora a chamada Fase 4 parecem ser obras independentes, pouco ou nada ligadas umas às outras –ainda que, nas sutilezas, as ligações continuem todas lá.

Pela confiança depositada em Taika Waititi e pela natureza mais incomum do próprio protagonista, “Thor-Amor & Trovão” é a obra mais independente de todas as demais, narrativamente falando, o que significa que o expectador pode aproveitar seu humor claudicante (ora hilário, ora constrangedor), sua emoção ocasionalmente eficiente e o exuberante colorido de suas cenas por aquilo que realmente é: Um filme vibrante, ainda que imperfeito.

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