A Marvel Studios sempre naquela rotina de
entregar ótimos filmes de entretenimento baseados em seus heróis de histórias
em quadrinhos vive em um tênue equilíbrio. De um lado os detratores afirmam que
sua escala de produção impede que diretores mais autorais expressem sua
personalidade nas obras, do outro –quando a própria Marvel busca corresponder a
essas críticas –eles reclamam que os filmes descaracterizam seus heróis; ataque
dirigido, por exemplo, à “Homem de Ferro 3”.
É bem provável que este sensacional “Thor-Ragnarok”
encontre ressalvas desse tipo, visto que ele de fato promove uma desconstrução
do personagem Thor.
Carregando a alguns anos a ingrata pecha de
protagonista de alguns dos mais fracos filmes da Marvel Studios –e, realmente,
tanto “Thor”, de Kenneth Brannagh, quando “Thor-O Mundo Sombrio”, de Alan
Taylor, estão entre os mais formulaicos –isso se refletiu fazendo de Thor, em
meio às reuniões de todos os heróis nos filmes dos Vingadores, um dos
personagens cujos elementos e cujo intérprete (o eficiente Chris Hemsworth)
foram menos explorados.
Mas, a Marvel tinha plena consciência de que
estava mudando as coisas quando chamou Taika Waititi para a direção deste
terceiro filme solo do personagem.
Esperto, objetivo, capaz e perspicaz, Waititi
de início –de início mesmo, já nos quinze primeiros minutos! –estabelece algumas
mudanças profundas na abordagem que diferem seu filme dos anteriores. A
primeira delas e mais pertinente, que define o filme a partir daqui: Na
qualidade de protagonista, Thor é também tornado pelo roteiro e pela direção o
personagem mais interessante em cena (Tom Hiddleston, como Loki, continua
excelente, mas ele já não mais rouba a cena, pelo simples fato de que ele não é
central à premissa).
A segunda: O humor –dono de um senso de humor
tão irresistível quanto peculiar, Waititi encoraja o improviso e a descontração
de seu elenco, evidenciando com isso o impecável timing cômico até então não
aproveitado de Chris Hemsworth, e aproximando o tom de seu filme muito daquela
deliciosa e divertida sensação de matinê que James Gunn soube imprimir ao seu “Guardiõesda Galáxia”. Até mesmo a concepção visual desses dois filmes, a partir de um
determinado momento ganha similaridades.
A terceira diz respeito à própria habilidade de
Waititi como diretor, e ela surge em momentos nos quais muitos o subestimavam,
como as magníficas seqüências de ação já no início, quando vemos Thor, numa
espécie de cruzada investigativa pelo universo, desde que ele se prestou a essa
tarefa no final de “Vingadores-A Era de Ultron”.
Isso explica porque ele se manteve tanto tempo
ausente de Asgard. Quando retorna o que ele encontra –como pôde ser visto ao
fim de “Mundo Sombrio” –é Loki comandando Asgard no lugar que seria de Odin
(Anthony Hopkins).
Uma rápida vinda à Terra (que abre espaço para
uma participação sensacional de Benedict Cumberbath como “Doutor Estranho”) e
eles encontram Odin exilado, temeroso do retorno de Hella, a deusa da morte (a
bela e veemente Cate Blanchett), o quê pode deflagrar o Ragnarok, ou fim do
mundo, em Asgard.
Em seu primeiro embate com Hella, Thor é
exilado no planeta Sakar, de onde passará boa parte do filme tentando partir. E
aí começam os esforços de Waititi em promover a tal da desconstrução do
personagem. Thor perde seu poderoso martelo Mjolnir (isso não é spoiler, pois
já é visto num dos trailers), tem suas longas madeixas cortadas e seu figurino
radicalmente alterado, e isso não é nada perto do que se passará em Asgard até
o final do filme –até chegar lá, todas as características do personagem que em
muito o definiam (e tidas antes por intransformáveis) assim como sua mitologia
de modo geral, terão sido chacoalhadas de modo irreversível por Waititi.
Como o grande diretor que é, ele aproveita cada
instante desse processo para moldar cenas antológicas: Em Asgard, uma
divertidíssima encenação teatral de eventos de “O Mundo Sombrio” coloca numa
mesma participação Matt Damon e Sam Neil (!). Em Sakar, após ser capturado por
Valkiria (a fabulosa Tessa Thompson), Thor deve se provar valoroso como
gladiador aos olhos do Grão Mestre (Jeff Goldblum, impagável) e derrotar seu
campeão que é, ninguém mais ninguém menos do que o Hulk –que recebe uma breve e
eficiente explicação para seu desfecho nebuloso em “A Era de Ultron”.
A participação do Hulk –assim como de Bruce
Banner que Mark Ruffalo interpreta de forma igualmente brilhante –é das mais
suculentas em todos os filmes da Marvel: O gigante verde é essencial à
narrativa contribuindo não só para as espetaculares cenas de ação, mas para a
trama também, e ainda protagoniza a primeira cena de nudez da Marvel Studios
(!).
Em outras palavras, eis um filme que
exemplifica com propriedade a disposição da Marvel em criar cinema de verdade e
entretenimento de primeira a partir de seus produtos.
Divertido, espetacular e,
por que não, mágico.
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