quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Thor - Ragnarok

A Marvel Studios sempre naquela rotina de entregar ótimos filmes de entretenimento baseados em seus heróis de histórias em quadrinhos vive em um tênue equilíbrio. De um lado os detratores afirmam que sua escala de produção impede que diretores mais autorais expressem sua personalidade nas obras, do outro –quando a própria Marvel busca corresponder a essas críticas –eles reclamam que os filmes descaracterizam seus heróis; ataque dirigido, por exemplo, à “Homem de Ferro 3”.
É bem provável que este sensacional “Thor-Ragnarok” encontre ressalvas desse tipo, visto que ele de fato promove uma desconstrução do personagem Thor.
Carregando a alguns anos a ingrata pecha de protagonista de alguns dos mais fracos filmes da Marvel Studios –e, realmente, tanto “Thor”, de Kenneth Brannagh, quando “Thor-O Mundo Sombrio”, de Alan Taylor, estão entre os mais formulaicos –isso se refletiu fazendo de Thor, em meio às reuniões de todos os heróis nos filmes dos Vingadores, um dos personagens cujos elementos e cujo intérprete (o eficiente Chris Hemsworth) foram menos explorados.
Mas, a Marvel tinha plena consciência de que estava mudando as coisas quando chamou Taika Waititi para a direção deste terceiro filme solo do personagem.
Esperto, objetivo, capaz e perspicaz, Waititi de início –de início mesmo, já nos quinze primeiros minutos! –estabelece algumas mudanças profundas na abordagem que diferem seu filme dos anteriores. A primeira delas e mais pertinente, que define o filme a partir daqui: Na qualidade de protagonista, Thor é também tornado pelo roteiro e pela direção o personagem mais interessante em cena (Tom Hiddleston, como Loki, continua excelente, mas ele já não mais rouba a cena, pelo simples fato de que ele não é central à premissa).
A segunda: O humor –dono de um senso de humor tão irresistível quanto peculiar, Waititi encoraja o improviso e a descontração de seu elenco, evidenciando com isso o impecável timing cômico até então não aproveitado de Chris Hemsworth, e aproximando o tom de seu filme muito daquela deliciosa e divertida sensação de matinê que James Gunn soube imprimir ao seu “Guardiõesda Galáxia”. Até mesmo a concepção visual desses dois filmes, a partir de um determinado momento ganha similaridades.
A terceira diz respeito à própria habilidade de Waititi como diretor, e ela surge em momentos nos quais muitos o subestimavam, como as magníficas seqüências de ação já no início, quando vemos Thor, numa espécie de cruzada investigativa pelo universo, desde que ele se prestou a essa tarefa no final de “Vingadores-A Era de Ultron”.
Isso explica porque ele se manteve tanto tempo ausente de Asgard. Quando retorna o que ele encontra –como pôde ser visto ao fim de “Mundo Sombrio” –é Loki comandando Asgard no lugar que seria de Odin (Anthony Hopkins).
Uma rápida vinda à Terra (que abre espaço para uma participação sensacional de Benedict Cumberbath como “Doutor Estranho”) e eles encontram Odin exilado, temeroso do retorno de Hella, a deusa da morte (a bela e veemente Cate Blanchett), o quê pode deflagrar o Ragnarok, ou fim do mundo, em Asgard.
Em seu primeiro embate com Hella, Thor é exilado no planeta Sakar, de onde passará boa parte do filme tentando partir. E aí começam os esforços de Waititi em promover a tal da desconstrução do personagem. Thor perde seu poderoso martelo Mjolnir (isso não é spoiler, pois já é visto num dos trailers), tem suas longas madeixas cortadas e seu figurino radicalmente alterado, e isso não é nada perto do que se passará em Asgard até o final do filme –até chegar lá, todas as características do personagem que em muito o definiam (e tidas antes por intransformáveis) assim como sua mitologia de modo geral, terão sido chacoalhadas de modo irreversível por Waititi.
Como o grande diretor que é, ele aproveita cada instante desse processo para moldar cenas antológicas: Em Asgard, uma divertidíssima encenação teatral de eventos de “O Mundo Sombrio” coloca numa mesma participação Matt Damon e Sam Neil (!). Em Sakar, após ser capturado por Valkiria (a fabulosa Tessa Thompson), Thor deve se provar valoroso como gladiador aos olhos do Grão Mestre (Jeff Goldblum, impagável) e derrotar seu campeão que é, ninguém mais ninguém menos do que o Hulk –que recebe uma breve e eficiente explicação para seu desfecho nebuloso em “A Era de Ultron”.
A participação do Hulk –assim como de Bruce Banner que Mark Ruffalo interpreta de forma igualmente brilhante –é das mais suculentas em todos os filmes da Marvel: O gigante verde é essencial à narrativa contribuindo não só para as espetaculares cenas de ação, mas para a trama também, e ainda protagoniza a primeira cena de nudez da Marvel Studios (!).
Em outras palavras, eis um filme que exemplifica com propriedade a disposição da Marvel em criar cinema de verdade e entretenimento de primeira a partir de seus produtos.
Divertido, espetacular e, por que não, mágico.

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