quarta-feira, 30 de abril de 2025

Acompanhante Perfeita


 O ideal seria que o expectador assistisse “Acompanhante Perfeita” sem absolutamente nenhuma informação prévia a respeito do filme, a fim de preservar toda a diversão notável embutida em seu roteiro de desdobramentos inventivos, contudo, como nos tempos digitalizados de hoje –onde a informação corre desenfreada para o bem e para o mal –isso é quase impossível, o leitor precisa saber que, como tantas outras resenhas de “Acompanhante Perfeita” na internet, esta aqui estará cheia de spoilers que, muito possivelmente, haverão de interferir na apreciação do longa-metragem.

O recente cinema de terror já conta com diversos títulos nos quais uma simulação tecnológica se voltar contra o ser humano –presenciamos as máquinas feitas à imagem e semelhança do homem se converterem em assassinos implacáveis, pelas mais variadas razões em obras como o banal, medíocre e erotizado “Subservience” (com Megan Fox) ou o terror genérico “Meg4n”. A grande sacada de “Acompanhante Perfeita” –ou, pelo menos, uma das mais evidentes, visto que ele é repleto delas –é observarmos esse enredo desdobrar-se pelos olhos não dos humanos inevitavelmente envolvidos no banho de sangue, mas, do ponto de vista de uma das máquinas –e, sim, só essa informação já é, de fato, um spoiler.

Iris (Sophie Thatcher, de “Herege” e da série “Yellowjackets”) é a namorada apaixonada, e ocasionalmente insegura, de Josh (Jack Quaid, filho de Dennis Quaid e astro da série “The Boys”). Durante um fim de semana numa sofisticada casa de campo isolada, a maior preocupação de Iris é entrosar-se com os amigos de Josh e não desagradar, de forma alguma, o namorado Os amigos em questão são a apática e antipática Kat (Megan Suri), seu namorado russo, milionário e proprietário do lugar Sergei (Rupert Friend) e os apaixonados Eli (Harvey Guillén, de “O Que Fazemos Nas Sombras”) e Patrick (Lucas Gage, da série “Euphoria”). Aqui e ali, o roteiro esperto do próprio diretor vai plantando detalhes que indicam o rumo imprevisto que os acontecimentos terão –são pequenos comentários, indícios e observações que farão diferença mais tarde; e talvez, tornem a revisão de “Acompanhante Perfeita” uma experiência igualmente divertida.

Acontece que Iris –embora ela mesma ainda não saiba –é um robô! Trata-se de uma máquina que serve de acompanhante (inclusive para fins sexuais!) e cuja programação a faz agir como se estivesse apaixonada por Josh. Entretanto, ele tem um outro plano para ela. Que inclui matar Sergei (a fim de colocar as mãos no dinheiro que, Josh sabe, ele guarda num cofre em seu quarto) e colocar a culpa em Iris, afirmando que isso ocorreu por mau funcionamento.

No entanto, no decurso desse plano, algo inesperado acontece: Iris encontra meios para fugir e para burlar sua própria programação, eliminando algumas restrições, aumentando sua inteligência e exercendo o livre-arbítrio para tentar fazer o que qualquer um tentaria: Sobreviver.

Mescla notável e inspirada de suspense, terror, ficção científica e comédia, o filme dirigido por Drew Hancock é corajosamente inclinado às reflexões mais cínicas de contundentes obras recentes de cinema em relação ao julgamento moral do ser humano (e nesse sentido, é  brilhante “Ex-Machina” quem imediatamente vem à memória) –não há qualquer constrangimento da parte de sua premissa em levar o público a torcer pela robô, colhida inocentemente no olho do furação naquele jogo mesquinho de interesses, em detrimento dos seres humanos desprezíveis e desagradáveis mostrados no filme.

Essa conclusão um tanto amarga presente em inúmeras obras de ficção científica –com certo destaque na excelente série “Black Mirror” –não chega a contaminar o entretenimento eficaz que é “Acompanhante Perfeita” graças ao manejo habilidoso dos acontecimentos, à sucessão envolvente e inteligente de reviravoltas que vão continuamente revitalizando o interesse do expectador, e ao ritmo incessante e bem articulado com que tudo é contado.

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