A cerca de duas décadas, algo mudou na TV norte-americana (e na TV mundial também, por que não): Séries, minisséries e telefilmes passaram a ostentar, cada vez mais, qualidade cinematográfica. Representativos dessa espécie de revolução foram os seminais “Band Of Brothers”, “Mad Men” e “The Sopranos” –e em grande medida, muito desse manancial de requinte artístico partiu da iniciativa da HBO, canal à cabo que, devido à exclusividade do formato, podia se dar ao luxo de trazer temas adultos contundentes e primorosamente bem-acabados em seus conteúdos. Na esteira desse arrojo vieram trabalhos de muita qualidade e outros canais que adotaram a mesma atitude. Claro que isso é notícia velha, e expectadores mais jovens já vivem convenientemente neste mundo onde obras cinematográficas não se restringem às salas de cinema e nem às durações em geral de cinema (entre duas e três horas). Mas, isso tudo é para contextualizar a circunstância na qual nasce uma obra como “Euphoria”.
Baseada numa série israelense homônima de 2012,
“Euphoria” (lançada por sua vez em 2019) é a história de Rue Benneth (a
sensacional Zendaya), garota nascida três dias após o 11 de setembro que, aos
17 anos, tem ciência de que a vida inteira almejou uma certa sensação que a
livrasse de suas pressões emocionais. Tal sensação, ela só veio a experimentar
quando, numa ocasião, recebeu uma dosagem de Valium em gotas no hospital –uma
letargia que aliviava o peso da realidade. Desde então, na busca paulatina por
esse efeito, Rue se torna uma viciada em drogas, e em algum momento,
eventualmente sofre uma overdose –o que lhe manda para uma clínica de
reabilitação. É o retorno de Rue junto ao seio familiar –que consiste de sua
mãe (Nika Williams) e sua irmã mais nova (Storm Reid) –que marca o início de
“Euphoria”. Ainda viciada, Rue esconde da mãe suas recaídas ao vício
–subterfúgios que geram cenas ora divertidas, ora tensas –e, no percurso de sua
narrativa em off, acabamos conhecendo
outras personagens que orbitam no universo de Rue. E que ganham, também elas,
seus próprios arcos dramáticos: Como a inicialmente tímida gordinha Kat (Barbie
Ferreira) cuja descoberta da sexualidade a leva aos conteúdos sexualmente
degenerados da internet; a inconstante Maddy (Alexa Demie) às voltas num relacionamento
tóxico com o desprezível Nate (Jacob Elordi) que se equilibra entre paixão e
agressão doméstica; a bela Cassie (a fantástica Sydney Sweeney) dona de uma
aparência angelical que esconde tendências promíscuas às quais ela vai cedendo
a medida que o namoro com o inseguro e imaturo McKay (Algee Smith) começa a se
deteriorar; o jovem traficante Fezco (Angus Cloud) dividido entre as exigências
criminosas de seu negócio e a intenção de preservar uma boa índole. Dentre
todos, porém, quem ganha mais importância (ao menos, nesta primeira temporada)
é Jules (Hunter Schafer) uma garota transexual, recém-chegada na escola que
logo se torna melhor amiga de Rue, e com ela estabelece um relacionamento que
flerta o tempo todo com o romance, a despeito de também começar uma relação
virtual com outro garoto, sem ela saber que se trata do tóxico Nate.
O roteiro ágil e primoroso de Sam Levinson
(também produtor executivo da série e diretor da maioria dos episódios) não
economiza nas dinâmicas de natureza dramática a entremear inesperadamente cada
um desses personagens –como o fato do pai de Nate (Eric Dane) ter feito sexo
com Jules, o que denota seu homossexualismo enrustido que, aliás, ele
compartilha com o próprio filho (!) –e, como se pode notar, “Euphoria” também
não economiza no teor de escândalo.
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