O cinema de entretenimento às vezes encontra caminhos tortuosos para chegar ao seu público, e com isso, ocorre de surgir na ribalta produções de origem um tanto incomum. “Cocaine Bear”, dirigido pela atriz Elizabeth Banks é um desses casos. Inspirado numa história real –e, por isso mesmo, encarado com alguma seriedade por alguns que lhe foram conferir –o filme em si abre mão de seu realismo para se fazer uma tremenda homenagem aos filmes slasher dos anos 1980 (época em que a trama se passa), à mescla desigual entre terror e comédia (o chamado ‘terrir’) e ao cinema B em geral, vez ou outra, fonte de obras inusitadas que desafiam a crença do expectador pelo simples absurdo de sua proposta. Em sua carreira como atriz, Banks trabalhou com Sam Raimi (na “Trilogia Homem-Aranha”) e com James Gunn (em “Seres Rastejantes”), entre vários outros diretores –entretanto, é essencialmente a influência desses dois que parece guiar as noções narrativas que ela demonstra aqui. A lembrar que Elizabeth Banks também já havia dirigido um reboot de “As Panteras”.
De Sam Raimi, ela empresta a percepção de
gênero, o slasher, no qual a contagem
de corpos vem a ser a estrutura que compõe a história (ainda que os personagens
bolados para serem basicamente as vítimas do urso sejam elaborados num viés de
comédia), e também o apreço por jump scares (tão abundantes em obras como “Evil Dead”); já de James Gunn, ela pega a concepção debochada com a qual molda
núcleos inteiros de personagens norteados por uma certa galhofa, porém,
inseridos num contexto que não deixar de ter tensão.
Na história real da qual o filme se baseia, um
piloto de aeroplano que trafica droga para os EUA (uma característica non-sense do tráfico de drogas nos anos
1980, retratada no filme “Feito Na América”) pensa estar sendo seguido pela
polícia e se livra de vários malotes de cocaína
enquanto sobrevoava o Parque Florestal de Chattahoochee-Oconee, na
Geórgia, antes dele próprio pular do avião e perder a vida (!). Na realidade,
os malotes encontrados e consumidos pelo urso (na verdade, uma ursa) levaram o
animal a ter uma overdose sendo encontrado dias depois pela polícia –o animal,
hoje, pode ser visto pelo público, empalhado no Kentucky Fun Mall. Para muito
além dessa ocorrência curiosa que se espalhou de boca em boca pelos EUA na
época, a diretora Elizabeth Banks imaginou todo um filme no qual o urso,
enlouquecido pelos efeitos da droga, libera sua fúria contra diversos
personagens humanos que inadvertidamente cruzam seu caminho.
E aí entra a sacada bastante inspirada do
filme, em não levar-se a sério e construir personagens que são basicamente
caricaturas divertidas as quais se acompanha com certo prazer sádico suas idas
e vindas, a escapar (ou não) das garras do urso ensandecido. Temos assim os
dois comparsas de traficantes Daveed (O’Shea Jackson Jr., de “Straight Outta
Compton”) e Eddie (Alden Ehrenreich), instruídos pelo chefão Syd (o falecido
Ray Liotta, a quem o filme é dedicado) a recuperar os malotes perdidos a fim de
minimizar seu prejuízo; as duas crianças Dee Dee (Brooklyn Prince, de “Projeto
Flórida”) e Henry (Christian Convery, da série “Sweeth Tooth”), numa tentativa
travessa de cabular aula; a mãe de Dee Dee (Keri Russell) no encalço dos dois;
os obtusos guardas-florestais Liz (Margo Martindale, de “Secretariat” e “Menina de Ouro”) e Peter (Jesse Tyler Fergunson, da série “Modern Family”), e os
policias Bob (Isaiah Witlock, de “A Última Noite”) e Reba (Ayoola Smart), cada
qual ao seu jeito, tentando procurar as drogas extraviadas. Juntam-se a eles
também os destrambelhados paramédicos Beth (Kahyun Kim) e Tom (Scott Seiss)
–protagonistas de uma sequência insana de perseguição à bordo de uma
ambulância! –e um grupo de marginais. Todos esses personagens acabam servindo
de fio condutor à trama, na simplicidade atroz de sua proposta: Não é segredo
para ninguém que a maioria deles serve de carne para abate ao urso
protagonista. E tão mais válidas são suas participações quanto mais
tresloucadas e memoráveis forem suas mortes. E nesse sentido, elas realmente
são –Elizabeth Banks fez bem seu dever de casa e incorpora maravilhosamente bem
o espírito de produção trash (embora
o filme, com um orçamento razoável de 35 milhões de dólares e um CGI
satisfatório da fera alucinada não seja, deveras, uma produção trash) em sequências sucessivas que unem
mortes de incontida sanguinolência macabra com um humor irreprimível inerente
ao fato de ser um urso surtado de tanta droga a praticar essas atrocidades:
Como quando ele salta alucinadamente de uma árvore para outra escolhendo entre
capturar o menino Henry ou o idiota Peter –termina escolhendo este último, pois
ele chafurdou, minutos antes, num monte espalhado de cocaína (!); ou quando
invade o Q.G. dos Guardas-Florestais e a afobada Liz desfere tiros com sua arma
que acertam os marginais que se refugiavam ali, ao invés do urso (!?); ou o
encontro entre o policial Bob e os traficantes Daveed e Eddie num gazebo onde
acham vários malotes perdidos e após uma troca de tiros hilária (que rende um
par de dedos decepados à Daveed!) são encontrados pelo urso, que acaba
desmaiando sobre Eddie, quase esmagando-o (!).
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