sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Feito Na América

Se outrora a parceria entre o astro Tom Cruise e o diretor Doug Liman havia rendido uma ficção científica divertida, descompromissada e até inventiva (“No Limite do Amanhã”), aqui ela rende um produto um pouco diferente.
Continuam, na verdade, a inventividade e a diversão –sua narrativa é de uma voltagem contagiante –mas, o futurismo fantasioso é substituído pela ancoragem em um fato real, daqueles que o cinema volta e meia acaba abordando, dotado de desdobramentos e circunstâncias tão assim mirabolantes que se torna essencial o lembrete constante de que é baseado numa história verídica (tivesse este enredo sido bolado por um roteirista qualquer para um filme, e afirmariam categoricamente que seus acontecimentos eram inacreditáveis e inverossímeis). Todavia, o diretor Doug Liman, o tempo todo, se esbalda ao deixar bem claro que aquilo realmente aconteceu –de quebra, ainda aproveita para evidenciar o pouco explorado talento cômico de Tom Cruise, que seu status de astro e seu compromisso com protagonistas empostados dificilmente permite aflorar.
No papel de Barry Seal, o piloto de avião bon vivant que, nos anos 1970, passou a pilotar para a CIA e daí para um providencial conluio com alguns dos futuros líderes do Cartel de Medelín, Tom Cruise está sensacional, irrequieto, afiado, não raro, protagonizando cenas de rachar o bico.
“Eu faço tudo meio sem pensar” afirma Seal num dos depoimentos que pontuam a narrativa.
Um desses personagens que interferem intensamente na História por estar no lugar certo e na hora certa, Seal era um piloto de Boeing um tanto quanto aborrecido, em 1978, com o marasmo em que seu trabalho o mergulhava. Daí a facilidade e a displicência com que aceita uma nebulosa proposta do jovem agente da CIA Schaffer (Domhnall Gleeson, cada vez melhor): Tirar fotos das bases militares de investimento soviético erguidas na América Central que forneciam poderio aos revolucionários insurgentes.
Intrépido a ponto de ser quase inconseqüente, Seal praticava vôos rasantes que tiravam fotos incrivelmente precisas e o colocavam quase à beira da morte. Essa inusitada aptidão logo chamou a atenção de Jorge Ochoa (Alejandro Edda) e Pablo Escobar (Mauricio Mejía), então meros traficantes colombianos de cocaína. Eles contrataram Seal –que aceitou por causa da baixa remuneração que recebia da CIA! –para que aproveitasse suas idas e vindas dos EUA para os países latinos (e seu salvo-conduto) e levasse suas cargas de cocaína para os sócios em solo-americano; carga essa a ser desovada na Flórida.
Somente um piloto louco e desapegado como Seal, imaginaram eles, seria capaz de realizar pousos e decolagens da pista particular que eles mantinham –e que matou tantos outros pilotos pelo fato de ser extremamente pequena (única maneira de não ser identificada pelas autoridades). E Seal, de fato, consegue!
Levando muito ao seu jeito descontraído essa atividade involuntária de ‘agente duplo’, Barry Seal, no decorrer dos anos, fez fortuna com a qual chegou a mobilizar a economia da cidadezinha na qual se refugiou com a esposa (a bela Sarah Wright Olsen) e os filhos: O lugarzinho teve de abrir sistematicamente vários bancos para acomodar as contas de Seal –o que logo chamou a atenção do FBI –isso além das malas abarrotadas de dinheiro que passaram a encher os cômodos da casa, as prateleiras da garagem e, depois de um tempo, até os buracos abertos no quintal (!).
Como em tantos ótimos filmes que retratam pessoas de predisposição fora do comum para embarcar em confusões tão verídicas quanto incríveis (como “Profissão de Risco”, com Johnny Dep, “Prenda-Me Se ForCapaz”, de Steven Spielberg, com Leonardo Dicaprio, ou “Sem Dor, Sem Ganho”, com Mark Wahlberg), a narrativa pulsante e bem-humorada de Doug Liman, mais cedo ou mais tarde, irá confrontar Seal com as conseqüências morais e legais de suas travessuras –e mesmo esses desenlaces têm momentos hilariantes que ainda assim soam absurdos!
Uma história notável que, ao assistirmos, percebemos que precisava ser contada (e por um narrador tão vibrante e apaixonado quanto o é Doug Liman aqui) sobre um inusitado personagem nos bastidores de acontecimentos caóticos que determinaram o panorama sócio-político do governo Reagan nos anos 1980 e que demonstra –de uma maneira um tanto torta –que mesmo diante de circunstâncias das mais mirabolantes e impróprias o sonho americano encontra um jeito de se manifestar.

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