Se outrora a parceria entre o astro Tom Cruise
e o diretor Doug Liman havia rendido uma ficção científica divertida,
descompromissada e até inventiva (“No Limite do Amanhã”), aqui ela rende um
produto um pouco diferente.
Continuam, na verdade, a inventividade e a
diversão –sua narrativa é de uma voltagem contagiante –mas, o futurismo
fantasioso é substituído pela ancoragem em um fato real, daqueles que o cinema
volta e meia acaba abordando, dotado de desdobramentos e circunstâncias tão
assim mirabolantes que se torna essencial o lembrete constante de que é baseado
numa história verídica (tivesse este enredo sido bolado por um roteirista
qualquer para um filme, e afirmariam categoricamente que seus acontecimentos
eram inacreditáveis e inverossímeis). Todavia, o diretor Doug Liman, o tempo
todo, se esbalda ao deixar bem claro que aquilo realmente aconteceu –de quebra,
ainda aproveita para evidenciar o pouco explorado talento cômico de Tom Cruise,
que seu status de astro e seu compromisso com protagonistas empostados
dificilmente permite aflorar.
No papel de Barry Seal, o piloto de avião bon
vivant que, nos anos 1970, passou a pilotar para a CIA e daí para um
providencial conluio com alguns dos futuros líderes do Cartel de Medelín, Tom
Cruise está sensacional, irrequieto, afiado, não raro, protagonizando cenas de
rachar o bico.
“Eu faço tudo meio sem pensar” afirma Seal num
dos depoimentos que pontuam a narrativa.
Um desses personagens que interferem
intensamente na História por estar no lugar certo e na hora certa, Seal era um
piloto de Boeing um tanto quanto aborrecido, em 1978, com o marasmo em que seu
trabalho o mergulhava. Daí a facilidade e a displicência com que aceita uma
nebulosa proposta do jovem agente da CIA Schaffer (Domhnall Gleeson, cada vez
melhor): Tirar fotos das bases militares de investimento soviético erguidas na
América Central que forneciam poderio aos revolucionários insurgentes.
Intrépido a ponto de ser quase inconseqüente,
Seal praticava vôos rasantes que tiravam fotos incrivelmente precisas e o
colocavam quase à beira da morte. Essa inusitada aptidão logo chamou a atenção
de Jorge Ochoa (Alejandro Edda) e Pablo Escobar (Mauricio Mejía), então meros
traficantes colombianos de cocaína. Eles contrataram Seal –que aceitou por causa
da baixa remuneração que recebia da CIA! –para que aproveitasse suas idas e
vindas dos EUA para os países latinos (e seu salvo-conduto) e levasse suas
cargas de cocaína para os sócios em solo-americano; carga essa a ser desovada
na Flórida.
Somente um piloto louco e desapegado como Seal,
imaginaram eles, seria capaz de realizar pousos e decolagens da pista
particular que eles mantinham –e que matou tantos outros pilotos pelo fato de
ser extremamente pequena (única maneira de não ser identificada pelas autoridades).
E Seal, de fato, consegue!
Levando muito ao seu jeito descontraído essa
atividade involuntária de ‘agente duplo’, Barry Seal, no decorrer dos anos, fez
fortuna com a qual chegou a mobilizar a economia da cidadezinha na qual se
refugiou com a esposa (a bela Sarah Wright Olsen) e os filhos: O lugarzinho
teve de abrir sistematicamente vários bancos para acomodar as contas de Seal –o
que logo chamou a atenção do FBI –isso além das malas abarrotadas de dinheiro
que passaram a encher os cômodos da casa, as prateleiras da garagem e, depois
de um tempo, até os buracos abertos no quintal (!).
Como em tantos ótimos filmes que retratam
pessoas de predisposição fora do comum para embarcar em confusões tão verídicas
quanto incríveis (como “Profissão de Risco”, com Johnny Dep, “Prenda-Me Se ForCapaz”, de Steven Spielberg, com Leonardo Dicaprio, ou “Sem Dor, Sem Ganho”,
com Mark Wahlberg), a narrativa pulsante e bem-humorada de Doug Liman, mais
cedo ou mais tarde, irá confrontar Seal com as conseqüências morais e legais de
suas travessuras –e mesmo esses desenlaces têm momentos hilariantes que ainda
assim soam absurdos!
Uma história notável que,
ao assistirmos, percebemos que precisava ser contada (e por um narrador tão
vibrante e apaixonado quanto o é Doug Liman aqui) sobre um inusitado personagem
nos bastidores de acontecimentos caóticos que determinaram o panorama
sócio-político do governo Reagan nos anos 1980 e que demonstra –de uma maneira
um tanto torta –que mesmo diante de circunstâncias das mais mirabolantes e
impróprias o sonho americano encontra um jeito de se manifestar.
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