segunda-feira, 22 de julho de 2019

Ex-Machina - Instinto Artificial

Como roteirista, Alex Garland já era conceituado –havia feito o script de “Extermínio” e outras obras de Danny Boyle –entretanto, a história é outra quando escritores se aventuram a contar uma história na função de diretores; tarefa que abrange muito mais do que o manejo competente das palavras.
Havia um rumor (anos depois confirmado) de que havia sido Garland o diretor de fato da ótima aventura de ficção científica “Dredd” –produção na qual ele é creditado somente como roteirista –portanto, as chances de provar seu talento chegaram mesmo com “Ex-Machina”.
E ele o faz com louvor.
Sua narrativa acompanha, em princípio, o jovem Caleb (Doomhal Gleeson), programador de computadores tipicamente solitário e introvertido que, nas cenas que abrem o filme, surge parabenizado por seus colegas: Caleb conquistou uma disputada vaga de visitante na longínqua propriedade de seu milionário empregador, o recluso e genial Nathan (Oscar Isaac).
Lá chegando –uma mansão hightech estranhamente situada num fim de mundo –Caleb percebe a apatia e a impaciência para com relações interpessoais que Nathan se força em disfarçar sem maiores sucessos.
Com efeito, ele quer Caleb lá por uma razão mais prática que a mera visitação.
Próximo da revolucionária criação do primeiro indivíduo com inteligência artificial, ele espera que Caleb realize para ele um Teste de Turing –um bateria de perguntas através das quais um ser humano (o entrevistador) descobre a natureza artificial de um computador (o entrevistado).
A diferença e ineditismo da situação é que Caleb sabe que Ava (Alicia Vikander, possivelmente a protagonista real do filme) é uma máquina; o primor na execução dela –e sobre muitos aspectos, a sua manutenção enquanto ser funcional e intacto –reside na chance dela convencer Caleb, em algum nível existencial, de que ela tem sentimentos e impressões de um ser humano.
Ao longo das sessões –que integram o filme como seus episódios –Ava vai revelando a Caleb informações que modificam a dinâmica da relação que ele mantém com ela e com Nathan. E tudo caminha para um desfecho imprevisto.
Herdeiro de pensadores maiores como Ray Bradbury ou Isaac Asimov acerca dos desdobramentos do futurismo em geral, e da criação da vida artificial pela mão imperfeita do homem em particular, Alex Garland usa da premissa básica deste notável conto sobre definições pessoais para mergulhar o expectador em uma miríade de reflexões que deixariam Stanley Kubrick orgulhoso: Ava revela-se um ser pensante e de percepções auto-suficientes a despeito de sua natureza tecnológica –e parte do fato consumado de ser vivo é tentar lutar pela própria vida; daí que, diante da conclusão de que pode ser descartada pelo instável Nathan em qualquer lapso de insatisfação, ela planeje então sua fuga. E em Caleb, ela enxerga os meios ideais para tal intento.
Há uma ironia no fato algo filosófico de ser o indivíduo mecânico, o mais humanizado dos três protagonistas: Caleb é tão introspectivo que quase desaparece em cena, enquanto que Nathan chafurda a própria genialidade em vícios que o tornam indiferente a tudo; é bastante interessante observar esses dois talentosos atores interpretando personagens inversamente distintos daqueles que eles mesmos vivem na nova trilogia “Star Wars”.
Resta ao fim, Ava, na atuação brilhantemente composta por Alicia Vikander –ela ganhou, no mesmo ano, o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “A Garota Dinamarquesa”, mas provavelmente merecia muito mais por este trabalho aqui.
Sem problema: “Ex-Machina” ao menos, saiu da cerimônia com o Oscar de Melhores Efeitos Visuais debaixo do braço, derrotando com sua sutileza inesperada e desconcertante, pesos-pesados como “Mad Max-Estrada da Fúria” e o próprio “Star Wars-O Despertar da Força”.

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