segunda-feira, 22 de julho de 2019

Gritos e Sussurros

De certa maneira, como havia feito em “O Sétimo Selo”, este filme é uma dissertação de Ingmar Bergman sobre prolongamentos da morte na vida de pessoas ao redor dela.
As irmãs Maria (Liv Ullman), Karin (Ingrid Thulin) e Agnes (Harriet Anderson) se reúnem numa circunstância sombria –os dolorosos e moribundos últimos dias de vida dessa última –numa casa de paredes vermelhas como sangue; a sugerir a vida (o útero materno, quem sabe...) e, obviamente, a morte.
Como é inerente ao seu gosto pessoal e artístico, Ingmar Bergman se vale dessas condições para pairar sobre as impressões sentimentais de cada personagem –além das irmãs, também a dedicada empregada Anna (Kari Sylwan). Munido de perícia técnica flagrante do início ao fim da produção, ele investiga os tormentos pessoais através de elipses vermelhas que terminam num fade in; e assim compreendemos os anseios de Agnes em meio à dor da doença; os motivos da frieza e da distância de Karin; e os dramas que se escondem por trás das veleidades e incertezas de Maria.
Após esse vislumbre notável, Bergman parte para as dinâmicas de relacionamento que tais personalidades em choque acarretam: A animosidade impronunciável entre Maira e Karin (que ganha novas dimensões após a morte de Agnes); o comportamento relutante das duas para com sua irmã moribunda –o que leva Agnes a encontrar conforto nos braços de Anna.
Artesão de cinema que é, Bergman deposita, nesse registro minucioso de peculiaridades emocionais, elementos normalmente associados ao gênero de terror (também essa, uma manobra que ele já fizera em outros trabalhos) como o uso do sangue como detalhe cênico desestabilizador ou o retorno metafísico de um cadáver à vida.
Rigoroso nas dores intimistas que emana e expressa –todo o filme pode ser definido como uma experiência cinematográfica e sensorial que almeja a manifestação e a ilustração da dor –“Gritos e Sussurros” pode perfeitamente ser enxergado como o auge técnico de Ingmar Bergman na segurança assombrosa com que ele compõe as sequências brilhantemente executadas, nos contrastes visuais que propositadamente ele provoca e no manejo revelador entre o som e o silêncio.
Alguns poucos detratores enxergam academicismo na forma com que as angústias dilacerantes da alma são aqui mostradas, mas isso tudo é feito com uma habilidade inquestionável.

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