Sempre houve uma espécie de ênfase no materialismo presente no cinema de Ridley Scott; vindo da área da publicidade –onde a estética predominante sempre teve mesmo essa orientação –Scott vislumbrou, em filmes como “Alien”, “Blade Runner” ou “Gladiador”, os adereços visuais do mundo que cerca seus protagonistas, e que em grande medida os define. Claro que ele vislumbrava outras coisas também e, para aliviar sua barra, desde “Thelma & Louise”, Scott soube cada vez mais salientar as particularidades de uma bela história.
Em “Todo O Dinheiro do Mundo”, Ridley Scott,
como quase todo bom autor de cinema, parece esforçar-se para fazer as pazes com
mais essa inquietação, um exorcismo de seus demônios pessoais, e para efetuar
tal gesto, Scott escolhe uma história real: A desastrosa e trágica trajetória
da Família Getty. Girando em torno de seu patriarca, Jean Paul Getty
(Christopher Plummer, soberbo), o filme coloca em foco a ambição e o conflito
moral, ocasionado de raras e improváveis circunstâncias, entre o empuxo pessoal
e ególatra que leva os homens à ascender e o discernimento ético do juízo de
valor.
Se o livro original de John Pearson dedica um
tempo desmedido para relatar a história de vida (e de riqueza) de Jean Paul
Getty, sedimentando assim sua personalidade talhada em meio à rudeza das
negociações bilionárias (algo como um William Randolph Hearst, de “Cidadão Kane”, filme que exerce tremenda influência espiritual neste daqui), o roteiro
de David Scarpa é sucinto, indo com muito mais objetividade ao evento central
da trama: O sequestro, em 1973 na itália, de Paolo Getty (Charlie Plummer, que
NÃO tem nenhum parentesco real com Christopher!), o neto de J. Paul Getty,
filho de Gail Harris (Michelle Williams, sempre maravilhosa) e de J.P. Getty
Jr. (Andrew Buchan), filho de Getty.
Os sequestradores, um grupo comunista com
desespero estampado no rosto, pedem 17 milhões de dólares como resgate à mãe de
Paolo. Apesar da fama da família, Gail era uma mera dona de casa de classe
média –o verdadeiro bilionário era seu sogro que relutava em dividir sua
fortuna com qualquer um. Mesmo o próprio filho, J.P. Getty Jr., acabou
trabalhando com o pai depois de adulto, após anos de indiferença, somente para
viciar-se em drogas e virar uma marionete nas mãos do pai, servindo aos seus
propósitos para tirar os netos da guarda de Gail.
Getty rechaça publicamente o pedido de resgate
afirmando que não irá pagar valor algum no sequestro, entretanto, por baixo dos
panos, chama um de seus mais hábeis negociadores, o ex-agente secreto e especialista
em segurança Fletcher Chase (Mark Wahlberg), para tentar resolver o mais rápido
(e barato!) possível a situação na Itália, na qual a polícia local, a cannabieri, apenas exerce sua
incompetência.
Inicialmente, as investigações de Chase
esbarram na possibilidade de que o sequestro possa ter sido cogitado pelo
próprio Paolo –e nessa esteira, as assombrosas richas e mesquinharias
envolvidas nas relações de J. Paul Getty com seus familiares vão se
descortinando –contudo, a medida que a situação vai se tornando mais alarmante
–Paolo, refém real num caso de sequestro real, acaba vendido para um mafioso
italiano (Marco Leonardi) quando os comunistas se fartam da situação de
impasse, escapa num terminado momento, mas é devolvido aos seus algozes por
policiais corruptos, até que tem sua orelha direita amputada –Chase vai se
dando conta da posição aflitiva e desamparada de Gail e do inacreditável descaso
do Velho Getty.
Um dado curioso a respeito do filme, realizado
durante a celeuma de denúncias de abuso sexual que dominou Hollywood em meados
de 2017, é que “Todo O Dinheiro do Mundo” tinha, em princípio, o ator Kevin
Spacey escalado como J. Paul Getty. Acusado de assédio e com a carreira, até
então, seriamente comprometida, Spacey foi afastado da produção, e substituído
por Christopher Plummer que, como é de hábito, entregou um trabalho sublime
–seja pela excelência de sua performance, seja para apoiar o gesto de
cancelamento de um abusador em potencial, no qual foi necessário refazer grande
parte do filme devido à troca de intérpretes, a Academia de Artes
Cinematográficas indicou Plummer ao Oscar 2018 de Melhor Ator Coadjuvante.
Plummer compõe um homem incapaz de confiar nos seres humanos à sua solta,
paranóico, demasiadamente ciente do interesse geral em sua vasta fortuna, e seu
excesso de preocupação o leva a atitudes tão excêntricas quanto amorais –e
nesse sentido, Ridley Scott não se furta de emoldurá-lo, como o protagonista do
já citado “Cidadão Kane”, num casulo de riqueza: Getty é sempre mostrado em sua
mansão com paredes abarrotadas de obras de arte, vestindo ternos finos, e
sempre exibindo, ostentando ou exprimindo um luxo abundante, em contrapartida
ao fato existencial onde se revela incapaz de abrir mão de uma fração desse
luxo, ou em última instância, de abrir mão de qualquer coisa.
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