quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Uma Escola Atrapalhada


 Durante a década de 1980, como já foi falado em outras ocasiões, os Trapalhões –formados por Didi (Renato Aragão), Dedé, Mussum e Zacarias –reinavam nas bilheterias nacionais. Seus filmes, feitos para toda a família, levavam multidões aos cinemas e essa tradição se manteve por muito tempo com praticamente uma produção lançada a cada ano. Entretanto, no final daquela década as coisas começaram a mudar; novos nomes emergentes do showbuziness brasileiro (com destaque para Xuxa, Gugu Liberato ou o Grupo Dominó...) passaram a dar as caras nos filmes dos Trapalhões, em princípio, como coadjuvantes de luxo, porém, mais e mais influentes e relevantes na trama a ponto de, em certo momento, suplantarem a importância do próprio quarteto, supostamente protagonista. O auge –ou seria, o cúmulo? –dessa circunstância chegou em “Uma Escola Atrapalhada”, filme lançado em 1990, que em alguns casos gerou indignação na plateia: Os expectadores que foram ao cinema conferir o filme na esperança de ver seus amados Trapalhões como personagens principais (afinal de contas, o adjetivo “atrapalhada” em seu título leva à essa constatação) se depararam com um filme sobre os jovens estudantes de uma escola carioca, às voltas com seus amores, rixas e contratempos diretamente relacionados à escola que frequentam –em suma, quase um embrião oitentista do que viria a ser, quase uma década depois, a novela juvenil “Malhação”.

Dos Trapalhões, contudo, há bem pouco: Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, como veremos mais a frente, são reduzidos aos usuais ‘alívios cômicos’ da obra tal é sua insignificância junto ao enredo.

E quem são os protagonistas? Bem, “Uma Escola Atrapalhada” não traz Xuxa, não traz Gugu Liberato (bem, traz, mas numa breve aparição), não traz o Grupo Dominó (em vez dele, é o Grupo Polegar...). O grupo de jovens estudantes que ocupam a maior parte do tempo da narrativa são vividos por jovens celebridades em ascensão daquele período. Em especial, Angélica –no papel de Tami –que era, então, a mais relevante ‘competidora’ de Xuxa como a mais amada apresentadora infantil do Brasil; e o cantor Supla –no papel de Carlão –cujo atitude parte rock’n roll, parte sufista calhorda, parte bad boy devia fazer a cabeça das meninas. Os dois são o casalzinho protagonista do filme dirigido à duras penas por Antonio Del Rangel (de “O Trapalhão Na Arca de Noé”). E quanto constatamos, de pronto, a incapacidade profunda que os dois têm para atuar, já concluímos o suplício que “Uma Escola Atrapalhada” será...

Tami é uma garota recém-chegada à nova escola do Rio de Janeiro e, por conta disso, seu mistério gera interesse e falatórios pelas dependências do lugar, antro povoado de alunos mimados, filhos de pais ricos, ávidos por posarem como rebeldes. Carlão é o típico exemplar disso: Imaturo, birrento, trajado em roupas estapafúrdias (até mesmo para os padrões dos anos 1980!), ele é irritante, apático e grosseiro –características que, devido ao fato de definirem o protagonista do filme, colocam tudo a perder. E além disso, somos obrigados a testemunhar um ‘pseudo-clipe’ estrelado por ele, besuntado em óleo (!?!).

O roteiro também em nada ajuda: Segue a velha fórmula na qual o casalzinho se estranha em disputas sexistas até o fim, quando descobrem, de forma bem maniqueísta, que se amam –num desfecho romântico completamente destituído de química e envolvimento.

O restante do filme mostra basicamente o dia-a-dia na escola, com antagonistas criados com a maior afetação do mundo (a caricatura de ditador militar construída por Ewerton De Castro), e as intrigas adolescentes entre os alunos (onde se sobressai a participação de alguns dos membros do Polegar, além do vilãozinho vivido por Selton Mello).

Ah, sim, e quanto aos Trapalhões? Eles sequer surgem juntos na mesma cena –na realidade, isso acontece num único trecho do filme! Enquanto Didi repete o mesmo personagem de sempre –o cearense pau-pra-toda-obra e amigo de todo mundo –enamorado de uma bela professora (Cristina Prochaska) que, por sua vez, ama o professor de educação física (Marcelo Picchi). Mussum interpreta Mago Mumu, uma espécie de cartomante (?!) que trabalha nas redondezas da escola (em alguns momentos, parece que ele o faz DENTRO da escola!!), e Dedé e Zacarias vivem dois agentes anti-bombas (ou algo bem esdrúxulo parecido com isso...) que surgem na história quando a escola sofre um alerta de atentado à bomba (!) –na sequência, eles protagonizam cenas cômicas bem infantilizadas (e sem graça alguma) onde, ao invés de fazerem adequadamente seu trabalho, eles são zoados pelos alunos inconsequentes do lugar.

Realizado com nítidas e presunçosas intenções mercadológicas –e quando isso acontece, o resultado artisticamente nunca é bom –“Uma Escola Atrapalhada” refletia a preocupação dos Trapalhões em perder seu forte apelo de público: Suas produções datadas dos três últimos anos da década de 1980 tinham atraído tão somente o público infantil aos cinemas. Mirando num público mais adolescente, eles tiveram a ideia de experimentar colocando, pela primeira vez, as participações especiais de suas obras no foco principal, imaginando que tal manobra despertaria um interesse súbito. O resultado é que, não apenas “Uma Escola Atrapalhada” trata-se de um dos piores filmes brasileiros já concebidos (praticamente relapso em tudo que se propõe, seja na atuação mambembe de seu elenco, na falta completa de noção de seu roteiro, ou no caos absoluto que contamina sua direção) como também perdeu-se a chance de fazer uma obra válida neste que é o último encontro em cena de cinema registrado do famoso quarteto de humoristas –Zacarias viria a falecer ainda durante a pós-produção do filme (a quem é dedicado).

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