terça-feira, 8 de novembro de 2016

Cidadão Kane

É certamente difícil para muitos expectadores nos dias de hoje enxergarem as razões que, em 1941, tornaram este filme tão especial a ponto de muitos o nomearem o “melhor de todos os tempos”, mais ou menos a partir da década de 1960. Na verdade, mesmo na época de seu lançamento e depois foram poucos os que viram suas qualidades.
Para piorar, muitas das inovações estéticas que a obra de Orson Welles apresentou foram assimiladas por Hollywood nas décadas vindouras –sendo o cinema comercial, em sua máxima do formato sobre a essência, terreno fértil para esse tipo de experimentalismo –tornando-o datado.
Não reconhecer detalhes como esse –e a razão intrínseca pela qual poucos entendem seu valor –é tão obtuso quanto aqueles que não compreendem o porque se sua aclamação.
O filme inicia-se com a mais fina das ironias, no momento da morte de seu suposto biografado Charles Foster Kane (que seria inspirado em Randolph Hearst, que usou de sua influência para boicotar o filme de todas as maneiras), dono de enorme império jornalístico nos Estados Unidos, quando este murmura a palavra "Rosebud" e morre solitário em sua gigantesca e vazia mansão chamada Xanadu –e lá deixando um enigma, por assim dizer, insolúvel: “O quê significa Rosebud?”.
A partir daí,um repórter (Joseph Cotten, cujo rosto nunca é visto) começa a colher depoimentos de todos que o conheceram na tentativa de descobrir o significado da última palavra do magnata e montar uma cronologia narrativa plausível de sua vida, e o filme então começa a estabelecer uma trama linear por meio da qual vemos a personalidade de Kane se formar desde a infância pobre até a tentativa frustrada de ascensão como político populista, e a consolidação como magnata da imprensa, paralela às catastróficas relações –com a esposa e depois com a amante –com as mulheres que apenas fingiu amar.
O caráter próprio de Kane, contudo, era tão público quanto escorregadio.
Se existem valores inquestionáveis no filme hoje, eles respondem pela habilidade com que o roteiro confere corpo à sua narrativa, utilizando flashbacks em seus diversos propósitos especulativos, ainda que prosaicos, e também a direção de fotografia de Gregg Toland, de um repertório amplo e exuberante de inovações, como a profundidade de campo, através da qual as imagens idealizadas por Welles, e materializadas com indiscutível excelência cênica, se convertem em cenas absolutamente antológicas.

“Cidadão Kane” envelheceu, é verdade, e sua apreciação deve levar em conta essa importância, afinal, como tudo o mais, é uma obra sujeita a infindáveis interpretações, mas que reflete de maneira bastante sucinta o enorme gênio de Orson Welles.

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