É certamente difícil para muitos expectadores
nos dias de hoje enxergarem as razões que, em 1941, tornaram este filme tão
especial a ponto de muitos o nomearem o “melhor de todos os tempos”, mais ou
menos a partir da década de 1960. Na verdade, mesmo na época de seu lançamento
e depois foram poucos os que viram suas qualidades.
Para piorar, muitas das inovações estéticas que
a obra de Orson Welles apresentou foram assimiladas por Hollywood nas décadas
vindouras –sendo o cinema comercial, em sua máxima do formato sobre a essência,
terreno fértil para esse tipo de experimentalismo –tornando-o datado.
Não reconhecer detalhes como esse –e a razão
intrínseca pela qual poucos entendem seu valor –é tão obtuso quanto aqueles
que não compreendem o porque se sua aclamação.
O filme inicia-se com a mais fina das ironias,
no momento da morte de seu suposto biografado Charles Foster Kane (que seria
inspirado em Randolph Hearst, que usou de sua influência para boicotar o filme
de todas as maneiras), dono de enorme império jornalístico nos Estados Unidos, quando
este murmura a palavra "Rosebud" e morre solitário em sua gigantesca
e vazia mansão chamada Xanadu –e lá deixando um enigma, por assim dizer,
insolúvel: “O quê significa Rosebud?”.
A partir daí,um repórter (Joseph Cotten, cujo
rosto nunca é visto) começa a colher depoimentos de todos que o conheceram na
tentativa de descobrir o significado da última palavra do magnata e montar uma
cronologia narrativa plausível de sua vida, e o filme então começa a
estabelecer uma trama linear por meio da qual vemos a personalidade de Kane se
formar desde a infância pobre até a tentativa frustrada de ascensão como
político populista, e a consolidação como magnata da imprensa, paralela às
catastróficas relações –com a esposa e depois com a amante –com as mulheres que
apenas fingiu amar.
O caráter próprio de Kane, contudo, era tão público
quanto escorregadio.
Se existem valores inquestionáveis no filme
hoje, eles respondem pela habilidade com que o roteiro confere corpo à sua
narrativa, utilizando flashbacks em seus diversos propósitos especulativos,
ainda que prosaicos, e também a direção de fotografia de Gregg Toland, de um
repertório amplo e exuberante de inovações, como a profundidade de campo,
através da qual as imagens idealizadas por Welles, e materializadas com
indiscutível excelência cênica, se convertem em cenas absolutamente
antológicas.
“Cidadão Kane” envelheceu, é verdade, e sua
apreciação deve levar em conta essa importância, afinal, como tudo o mais, é
uma obra sujeita a infindáveis interpretações, mas que reflete de maneira
bastante sucinta o enorme gênio de Orson Welles.
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