Diferente do que aconteceu com “Viúva Negra”, pode-se dizer que “Eternos”, também da Marvel Studios, relativamente beneficiou-se do atraso de um ano de seu lançamento nos cinemas em decorrência da pandemia: Em 2020 (data inicial de seu lançamento), a diretora Chloe Zhao era uma ousada aposta da parte da Marvel –uma cineasta pouco conhecida, incumbida de retratar um aspecto cósmico e pouco conhecido dos não aficcionados por quadrinhos do Universo Cinematográfico da Marvel; aspecto cósmico este que tinha sido vislumbrado tão somente em “Guardiões da Galáxia”, de James Gunn, e, vá lá, em breves relances de “Thor-Ragnarok”, de Taika Waititi, e “Capitã Marvel”, de Anna Boden e Ryan Fleck. Acontece que ao longo do ano de 2021, a diretora Chloe Zhao deixou de ser uma incógnita para se tornar uma alta expectativa, depois de conquistar o Oscar 2021 (sobretudo, o de Melhor Direção, o segundo conferido a uma mulher na História do prêmio) por “Nomadland”.
É inevitável notar o contraste gritante de
estética, estilo e conceito básico entre esse premiado filme independente de
Chloe Zhao e a fórmula estabelecida pela Marvel Studios que engendrou grandes
sucessos de bilheterias e, na maioria esmagadora das vezes, ótimas produções.
Chloe Zhao e seu “Eternos” vem justamente para
rebater uma das críticas mais contumazes dirigida às obras de Marvel: A de que,
na manutenção segura e bem-sucedida dos paradigmas comerciais definidos desde
seu início, eles não têm espaço para realizações mais autorais, dotados de
alguma personalidade. É irônico, portanto (e indicativo da inconveniência de
parte do público), que muitas das reclamações sofridas por “Eternos” seja
justamente a de ser um corpo diferente do que se espera, em geral, da Marvel
Studios...
“Eternos” já começa ostentando ambição
irrestrita ao incumbir-se das origens cósmicas do próprio universo e do planeta
Terra –bem à moda dos quadrinhos: Divindades conhecidas como Celestiais criaram
toda a vida, mas, acima de tudo, criaram os Deviantes e os Eternos. Enquanto os
Deviantes eram seres monstruosos (predadores, como é explicado no prólogo), os
Eternos eram seres poderosos e imortais, deixados na Terra com o intuito de
ajudar na evolução de raça humana e protegê-la da ameaça dos Deviantes. E só
–no caso de qualquer outra eventual ameaça (como Thanos que dizimou metade da
vida em “Vingadores-Guerra Infinita”), os Eternos estariam assim
terminantemente proibidos de interferir; e assim, a Marvel explica, meio de
qualquer jeito, do porque de seres tão poderosos estarem no mundo desde o
início dos tempos, e sua presença passar totalmente despercebida em
acontecimentos épicos que se sucederam ao longo dos vinte e tantos filmes do
Universo Marvel desde que ele foi oficialmente iniciado em “Homem de Ferro”.
E esses tais seres tão poderosos veem a ser a
líder dos Eternos, Ajak (Salma Hayek); a feiticeira elemental Sersi (Gemma
Chan, também presente do elenco de “Capitã Marvel”, mas desempenhando outro
papel); o poderosíssimo Ikaris (Richard Madden, de “Rocketman”), quase uma
espécie de ‘Superman da Marvel’ –com quem, aliás, é comparado, num momento bem
descontraído –a velocista e surda-muda Makkari (a ótima Lauren Ridloff); a
habilidosa guerreira Thena (Angelina Jolie); o robusto e bondoso Gilgamesh (Don
Lee, do sensacional “Invasão Zumbi”); o controlador de mentes Druig (Barry Keoghan,
de “O Sacrifício do Cervo Sagrado”); a geradora de ilusões eternamente presa num
corpo de criança Sprite (Lia McHugh); o divertido e sarcástico Kingo (Kumail
Nanjiani) e o criador de artefatos Phastos (Brian Tyree Henri).
São dez protagonistas bastante diversos,
interessantes e heterogêneos. E essa variedade é um dos trunfos do filme, ao
mesmo tempo, em que é seu calcanhar de Aquiles: Embora sejam (salvo raras
exceções) personagens interessantes, vivenciados por um bom elenco (salvo raras
exceções...) e reúnam, em si, características de inclusão e diversidade que
certamente estavam nos planos da Marvel durante a gênese deste projeto, nem
todos têm o desenvolvimento que mereciam (também pudera, são DEZ
protagonistas!), e por vezes, o enredo privilegia e enfatiza os mais
desinteressantes (caso do enfadonho Ikaris e da insossa Sersi), enquanto desperdiça
aqueles que se sobressaem com carisma genuíno (caso do surpreendente Druig, da
interessantíssima Makkaris ou do hilário Kingo).
O ponto de partida da trama de Eternos, ainda
que este filme, de modo geral, se mostre de natureza mais independente dos
demais projetos da Marvel, tem relação com os eventos mostrados em
“Vingadores-Ultimato”: A medida que a narrativa se alterna entre a passagem de
milênios, enquanto os Eternos presenciam, não sem uma certa amargura, a
evolução da Humanidade rumo às guerras e à intolerância, descobrimos que o
estalar de dedos de Thanos e a posterior recuperação dos desaparecidos gerou um
fenômeno diretamente ligado aos Eternos. Os Deviantes, outrora extintos,
reapareceram novamente e um celestial prestes à nascer de dentro do próprio
planeta Terra graças à energia demanda pelas jóias do infinito pode exterminar
todo o planeta.
Sersi, Sprite e Ikaris –que, depois de uma
brusca separação séculos atrás, passaram a viver solitários entre os humanos
–devem então reunir todos os Eternos outra vez com o intuito de deter o fim do
mundo iminente. Entretanto, tais ameaças à vida na Terra podem, agora, representar
um desafio até mesmo para seres de poder quase onipotente como os Eternos.
Sem revelar muito das surpresas –pois, apesar
do escrutínio usual do público para com blockbusters
como este, “Eternos” preserva algumas –o filme de Chloe Zhao maneja bem as
habilidades diferenciadas de seus personagens, construindo uma trama que
avança, num ritmo bem conduzido, para frente
(o destino vindouro dos Eternos, somado a algumas reviravoltas) e para
trás (os flashbacks que elucidam sua relação com a raça humana, as
particularidades que cada um passa a desenvolver, para o bem e para o mal) e
prepara o terreno para um desfecho apropriadamente apoteótico, profuso em
efeitos digitais.
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