O cinema de M. Night Shyamalan é um cinema de percepções diferenciadas, norteadas pelo desejo de tatear um caminho de originalidade em meio às fórmulas do mainstream. É frequente, nesse pressuposto, Shyamalan enveredar por thrillers e narrativas de suspense, agregando a elas uma concepção inusitada de dramaturgia, de cinema fantástico e, por conta disso, de certa alegoria. É uma tática que, filme após filme, não escapou de uma tremenda ironia: Se Shyamalan pulsa de disposição, a cada premissa, a cada construção de cena, de querer ser desesperadamente único e original, as suas diversas obras urgidas a partir disso lembram, e muito, episódios alongados e turbinados da cultuada série “Além da Imaginação”.
“Tempo”, sua mais recente criação, não escapa,
de forma alguma, dessa impressão. No ritmo pausado que lhe é habitual,
Shyamalan apresenta ao público a Família Cappa, Guy, o pai (Gael Garcia Benal),
Prisca, a mãe (Vicky Krieps, de “Trama Fantasma”), e os filhos pequenos Maddox
(Alexa Swinton) e Trent (Nolan River). Juntos, eles saem em férias para um
resort afastado. No início, tudo é corriqueiro, banal até, e Shyamalan se vale disso para flagrar instantes de imperfeição no núcleo familiar –Guy e Prisca estão, só pra variar,
em iminente separação –enquanto introduz, aos poucos, outros coadjuvantes, como
a família formada pelo arrogante médico Charles (Rufus Sewel), a mãe dele
(Kathleen Chalfant), sua esposa-troféu (Abbey Lee-Kershaw, de “Demônio de Neon”)
e a filha pequena Kara (Mikaya Fisher). Embora almeje ser incisivo e sucinto,
essas características –pelo menos, aos olhos de quem já acostumou-se aos
trabalhos de Shyamalan –só apontam algumas de suas limitações como autor: A
tendência, ocasionalmente incômoda e presunçosa, de colocar frases inadequadas
de pretenso intelectualismo na boca dos personagens, e seu desenvolvimento que
quase sempre caminha para uma mesma personalidade, sejam protagonistas ou
coadjuvantes; basicamente, o que muda, de um filme para o outro, são seus
intérpretes e uns poucos elementos.
Entretanto, essa sensação de insuficiência é
breve, e dura somente até Shyamalan armar o palco para seu verdadeiro objetivo:
Ao receber uma dica de um consierge do
resort, os Cappa seguem rumo a uma praia paradisíaca isolada por pedreiras. Junto
deles, está a família do Dr. Charles, e a eles logo se juntam o casal Jarin e
Patricia Carmichael (Ken Leung e Nikki Amuka-Bird), ela, sofrendo de surtos de epilepsia.
No local se encontra um rapper, Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre). E então, coisas
suspeitas não tardam a acontecer: O corpo morto de uma jovem é encontrado nas
águas –seria a acompanhante de Mid-Sized que tentou contornar a costa pelo mar
e não conseguiu.
Ao tentar chamar por ajuda, Guy descobre que
estão presos: A caverna que dava o único acesso à praia não pode mais ser usada
–todos simplesmente desmaiam ao tentar atravessá-la, acordando nas areias da
praia outra vez.
O pior, contudo, virá em seguida: A medida que
as horas passando a praia revela um efeito aterrador; o envelhecimento
acelerado. Numa explicação fajuta, que ainda assim, o vaidoso roteiro de
Shyamalan insiste em dar –seriam consequências de um pólo magnético acarretado
pela condição incomum de pedras e minerais acumulados naquele lugar –o tempo
exerce um efeito muito mais rápido em todos que ali estão. Os primeiros a
sentirem os efeitos, e a deixá-los mais visíveis são, claro, as crianças –e com
isso, Maddox, Trent e Kara, deixam de serem interpretados pelos atores mirins e
passam a serem vividos respectivamente por Thomasin MacKensie (de “Jojo Rabbit”,
essa sim a possível atriz principal do filme), Alex Wolff (de “Hereditário”) e
Eliza Scanlen (de “Adoráveis Mulheres”). A mãe do Dr. Charles, uma anciã, logo
falece. O tumor que Prisca vinha tentando esconder dos filhos cresce
exponencialmente –o que obriga-os a improvisar uma repulsiva cirurgia de última
hora.
Ao que parece, cada meia hora transcorrida ali
representa um ano de vida envelhecido, o que significa que, dentro de 24 horas,
se não encontrarem uma saída, todos –ou, pelo menos, a maior parte deles –morrerão
de velhice (!).
Como na grande maioria das situações-limites,
sejam elas de ordem fantasiosa ou não, exploradas pelo cinema, “Tempo” usa desse
enredo para moldar um microcosmos sobre a união familiar, sobre as celeumas
sociais –não escapa, por exemplo, uma observação, um bocado maniqueísta sobre o
preconceito –e sobre os questionamentos de hoje e de sempre –ao fim, o teremos
feito com o tempo que nos foi dado? O quanto de nossa criança interior
preservamos durante nosso crescimento? Quais imaturidades carregados ao longo
da vida para nosso próprio pesar? Que significado tiramos, cada um de nós,
afinal, dessa inescapável condição humana?
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