quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Tempo


 O cinema de M. Night Shyamalan é um cinema de percepções diferenciadas, norteadas pelo desejo de tatear um caminho de originalidade em meio às fórmulas do mainstream. É frequente, nesse pressuposto, Shyamalan enveredar por thrillers e narrativas de suspense, agregando a elas uma concepção inusitada de dramaturgia, de cinema fantástico e, por conta disso, de certa alegoria. É uma tática que, filme após filme, não escapou de uma tremenda ironia: Se Shyamalan pulsa de disposição, a cada premissa, a cada construção de cena, de querer ser desesperadamente único e original, as suas diversas obras urgidas a partir disso lembram, e muito, episódios alongados e turbinados da cultuada série “Além da Imaginação”.

“Tempo”, sua mais recente criação, não escapa, de forma alguma, dessa impressão. No ritmo pausado que lhe é habitual, Shyamalan apresenta ao público a Família Cappa, Guy, o pai (Gael Garcia Benal), Prisca, a mãe (Vicky Krieps, de “Trama Fantasma”), e os filhos pequenos Maddox (Alexa Swinton) e Trent (Nolan River). Juntos, eles saem em férias para um resort afastado. No início, tudo é corriqueiro, banal até, e Shyamalan se vale disso para flagrar instantes de imperfeição no núcleo familiar –Guy e Prisca estão, só pra variar, em iminente separação –enquanto introduz, aos poucos, outros coadjuvantes, como a família formada pelo arrogante médico Charles (Rufus Sewel), a mãe dele (Kathleen Chalfant), sua esposa-troféu (Abbey Lee-Kershaw, de “Demônio de Neon”) e a filha pequena Kara (Mikaya Fisher). Embora almeje ser incisivo e sucinto, essas características –pelo menos, aos olhos de quem já acostumou-se aos trabalhos de Shyamalan –só apontam algumas de suas limitações como autor: A tendência, ocasionalmente incômoda e presunçosa, de colocar frases inadequadas de pretenso intelectualismo na boca dos personagens, e seu desenvolvimento que quase sempre caminha para uma mesma personalidade, sejam protagonistas ou coadjuvantes; basicamente, o que muda, de um filme para o outro, são seus intérpretes e uns poucos elementos.

Entretanto, essa sensação de insuficiência é breve, e dura somente até Shyamalan armar o palco para seu verdadeiro objetivo: Ao receber uma dica de um consierge do resort, os Cappa seguem rumo a uma praia paradisíaca isolada por pedreiras. Junto deles, está a família do Dr. Charles, e a eles logo se juntam o casal Jarin e Patricia Carmichael (Ken Leung e Nikki Amuka-Bird), ela, sofrendo de surtos de epilepsia. No local se encontra um rapper, Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre). E então, coisas suspeitas não tardam a acontecer: O corpo morto de uma jovem é encontrado nas águas –seria a acompanhante de Mid-Sized que tentou contornar a costa pelo mar e não conseguiu.

Ao tentar chamar por ajuda, Guy descobre que estão presos: A caverna que dava o único acesso à praia não pode mais ser usada –todos simplesmente desmaiam ao tentar atravessá-la, acordando nas areias da praia outra vez.

O pior, contudo, virá em seguida: A medida que as horas passando a praia revela um efeito aterrador; o envelhecimento acelerado. Numa explicação fajuta, que ainda assim, o vaidoso roteiro de Shyamalan insiste em dar –seriam consequências de um pólo magnético acarretado pela condição incomum de pedras e minerais acumulados naquele lugar –o tempo exerce um efeito muito mais rápido em todos que ali estão. Os primeiros a sentirem os efeitos, e a deixá-los mais visíveis são, claro, as crianças –e com isso, Maddox, Trent e Kara, deixam de serem interpretados pelos atores mirins e passam a serem vividos respectivamente por Thomasin MacKensie (de “Jojo Rabbit”, essa sim a possível atriz principal do filme), Alex Wolff (de “Hereditário”) e Eliza Scanlen (de “Adoráveis Mulheres”). A mãe do Dr. Charles, uma anciã, logo falece. O tumor que Prisca vinha tentando esconder dos filhos cresce exponencialmente –o que obriga-os a improvisar uma repulsiva cirurgia de última hora.

Ao que parece, cada meia hora transcorrida ali representa um ano de vida envelhecido, o que significa que, dentro de 24 horas, se não encontrarem uma saída, todos –ou, pelo menos, a maior parte deles –morrerão de velhice (!).

Como na grande maioria das situações-limites, sejam elas de ordem fantasiosa ou não, exploradas pelo cinema, “Tempo” usa desse enredo para moldar um microcosmos sobre a união familiar, sobre as celeumas sociais –não escapa, por exemplo, uma observação, um bocado maniqueísta sobre o preconceito –e sobre os questionamentos de hoje e de sempre –ao fim, o teremos feito com o tempo que nos foi dado? O quanto de nossa criança interior preservamos durante nosso crescimento? Quais imaturidades carregados ao longo da vida para nosso próprio pesar? Que significado tiramos, cada um de nós, afinal, dessa inescapável condição humana?

Econômico, filmado com evidência dentro das circunstâncias da pandemia –ficam claras as condições em que equipe técnica e elenco se restringiram num filme básico, afastado e com poucos integrantes –“Tempo” não chega nem perto das qualidades antológicas de “Corpo Fechado” ou “O Sexto Sentido”, mas revela-se bem mais funcional, válido e pertinente do que “A Dama Na Água” e “Fim dos Tempos”, os piores trabalhos de Shyamalan. É envolvente e intrigante –características que ele sempre persegue em seus projetos –mas, também não chega a ostentar muito fôlego ao tentar reflexões mais arrojadas –como autor de certo renome, Shyamalan deixa vislumbrar um conhecimento limitado de mundo de alguém que, já há algum tempo, vive numa zona de conforto e privilégio –e nem a empolgar como seus trabalhos de outrora.

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