segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Hereditário

Notável a forma com que a narrativa do diretor Ari Aster sublinha a redundância humana através das miniaturas e maquetes que a protagonista cria o tempo todo: Elas, com frequência, se confundem com as cenas, sugerindo a trama e os personagens como brinquedos nas mãos de uma entidade maior. E mais cruel.
Não deixa de ser exatamente isso...
Do momento em que começa até o momento em que termina, “Hereditário” não poupa ninguém do drama dilacerante que logo estabelece.
O clima na casa afastada da família Grahan é de luto. Ellen, a avó, faleceu. Cada membro lida com a dor de forma distinta. Annie (Toni Collette, magnífica), a mãe, fica perplexa em sua sôfrega tentativa de normalidade; Steve (Gabriel Byrne), o pai, ostenta um semblante sereno que oculta sua angústia; Peter (Alex Wolff), o filho, imerge na apatia e na sonolência; e Charlie, a filha (cuja atriz, Milly Shapiro, tem a maquiagem do rosto empregada para ressaltar seus traços desconcertantes) se refugia em comportamentos bizarros –como guardar cabeças de pássaros mortos.
Numa escapadela para desabafar em um grupo de pessoas em auxílio ao luto, Annie comenta que seu pai sofreu de depressão psicótica enquanto seu irmão suicidou-se em decorrência da esquizofrenia –pela qual ele culpava a mãe! –e algumas pistas (em meio a tantas outras que nem sempre se revelam verdadeiras) começam a apontar para o real cerne da história.
Há um clima macabro que permeia até mesmo os momentos bucólicos de “Hereditário” –e ele, mais do que qualquer cena de horror explícito, deixa bem claro ao expectador que existe algo de muito errado na rotina daquela família.
Quase já em sua metade há uma guinada brusca (e corajosa) que ressalta os rumos de sua trama ao mesmo tempo que colide com as expectativas daqueles expectadores (aficionados de terror, em geral) que se metem a querer adivinhar os acontecimentos do filme –se há um mérito espetacular no trabalho de Ari Aster é a forma com que ele desconstrói tudo o que o público espera que vá acontecer.
Sua trama tinha tudo para ser simples e profundamente sinistra, entretanto, nas ênfases dramáticas que escolhe, pelo roteiro e pela direção, Aster faz de seu filme um enigma estranho, um pesadelo de dedução no qual enreda o público; certamente, nem todos chegarão ao final esclarecidos do que realmente se passou.
Essa admirável névoa de dúvida e mistério, assim como a característica sintomática de ampliar as cenas desconfortáveis numa técnica de dilatação de tempo empregada com rara perícia no cinema moderno, são, entre outras coisas, alguns dos elementos que diferenciam este ótimo trabalho dos exemplares corriqueiros do terror atual.

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