O diretor Paul Thomas Anderson e o astro Daniel
Day-Lewis contavam que tinham em mente uma trama que explorava os tormentos
românticos nascidos de uma relação de simbiose artística no mundo da confecção
vestuária, porém, esbarraram em um problema: Ambos não sabiam coisa alguma do
ofício ou de moda.
É um comentário simpático que mascara o teor
corrosivo do trabalho que fizeram.
Thomas Anderson é um diretor que, nos moldes de
Stanley Kubrick, realiza filmes para desestabilizar, às vezes sufocar, ou até
desconcertar o expectador.
O protagonista de “Trama Fantasma” –que Daniel
Day-Lewis constrói de modo tão preciso e impecável quanto em “Sangue Negro” –é Reynolds
Woodcock, um estilista de moda renomado, requisitado pelos membros mais altos
da aristocracia e da realeza.
Para atingir um grau tão elevado de excelência
e inspiração, Reynolds construiu com afinco um sistema de regras e
comportamentos em torno de si que jamais tolera interrupções ou tentativas de
mudança, cujas origens podem se encontrar na fixação soturna bela figura de sua
mãe já falecida.
Agente poderosa da manutenção desse sistema, a
Sra. Cyril (Leslie Manville, magistral) é uma espécie de braço-direito que a
segue feito uma entidade; é o anjo que enaltece seus valores, o demônio que
incentiva seus caprichos.
Contudo, é inevitável –em um âmbito
predominantemente artístico –a presença de elemento tão humano quanto instável:
E Reynolds depende de uma modelo para incorporar suas criações.
No início, a narrativa de Thomas Anderson
registra o fim de uma relação nestes moldes. Reynolds e sua modelo vivem um
silêncio desconfortável que ela já não suporta.
Ele conhece então, num café campestre, uma jovem
que reacende seus instintos criativos, a garçonete Alma (Vicky Krieps). Um diamante
bruto no sentido de que tem genuinamente todas as qualidades que Reynolds
procura, Alma se apaixona por ele e, de imediato, estabelece o tipo de relação
que Reynolds mantém com todos: Ela cede tudo aquilo que ele quer (sua
disponibilidade, seu amor e sua reverência) em troca da vaidade de ser sua
musa, de respirar o ar que ele respira e de absorver sua essência.
Desde o princípio, de forma hipnótica, Thomas
Anderson mostra que o mundo de Reynolds gira em torno dele. Daí é natural que
Alma, ao almejar um relacionamento normal com suas trocas e vicissitudes, acabe
se ressentindo com Reynolds.
Como o grande diretor que é, Thomas Anderson
vai muito além do que o expectador pode supor nessa sua observação dos indícios
irracionais de uma dependência mútua.
Reynolds precisa de Alma porque ela personifica
seu ímpeto de criar. Alma precisa de Reynolds porque ele fez com que ela o
amasse.
E Alma compreende que, nessa circunstância, a
dependência de Reynolds por ela pode ser momentânea e, amargurada pela
possibilidade de afastamento, arquiteta um meio de fazê-lo perceber que sua
necessidade dela vai além da importância artística –e tal meio não inclui
escrúpulos.
Ao moldar uma relação obsessiva, materializada
num mundo à parte (e, para tanto, são fundamentais as decisões de não
especificar nem a época nem o lugar em que tudo se passa), Thomas Anderson
levanta pouco a pouco uma névoa de incredulidade e até de absurdo em torno dos
paradigmas com os quais Reynolds e Alma trabalham seu relacionamento, e com
eles intriga e instiga o público: Até que ponto Reynolds compreende a ameaça
que Alma oferece a ele? Até que ponto –ou até quando –ele de fato a ama até
mantê-la em seu mundo sistemático como uma mera presença?
A julgar pelo desfecho ainda assim enigmático, a
relação de amor e ódio que eles construíram ao longo do filme adquiriu uma
simbiose que flerta com a morte. Um comentário curioso e significativo de
Thomas Anderson e Day-Lewis sobre talento, legado e mortalidade, reforçado pelo
fato pertinente de ser este o último filme de Day-Lewis antes de sua anunciada
aposentadoria.
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